sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A praia de Dover


Rogel Samuel

Matthew Arnold escreve um dos mais belos textos poéticos de todos os tempos e cantos em todas as línguas. O original diz:

Dover Beach

by Matthew Arnold

The sea is calm to-night.
The tide is full, the moon lies fair
Upon the straits; -on the French coast the light
Gleams and is gone; the cliffs of England stand,
Glimmering and vast, out in the tranquil bay.
Come to the window, sweet is the night air!
Only, from the long line of spray
Where the sea meets the moon-blanch'd land,
Listen! you hear the grating roar
Of pebbles which the waves draw back, and fling,
At their return, up the high strand,
Begin, and cease, and then again begin,
With tremulous cadence slow, and bring
The eternal note of sadness in.
Sophocles long ago
Heard it on the Aegean, and it brought
Into his mind the turbid ebb and flow
Of human misery; we
Find also in the sound a thought,
Hearing it by this distant northern sea.

The Sea of Faith
Was once, too, at the full, and round earth's shore
Lay like the folds of a bright girdle furl'd.
But now I only hear
Its melancholy, long, withdrawing roar,
Retreating, to the breath
Of the night-wind, down the vast edges drear
And naked shingles of the world.

Ah, love, let us be true
To one another! for the world, which seems
To lie before us like a land of dreams,
So various, so beautiful, so new,
Hath really neither joy, nor love, nor light,

Nor certitude, nor peace, nor help for pain;
And we are here as on a darkling plain
Swept with confused alarms of struggle and flight,
Where ignorant armies clash by night.

[1867]

Eu conheço a tradução da segunda estrofe copiada de um livro velho.

O Mar da Fé
Também existiu, no passado, cheio, e em volta da praia do mundo
Estendia-se como as dobras de uma faixa desdobrada.
Agora, porém, somente lhe escuto
O bramido melancólico, longo, fugidio,
Que se aparta para as lufadas
Do vento noturno, escorrendo por vastas e horrendas costas
E pelos areais desnudos do mundo.”
....................................................
Ah!, amor, sejamos fiéis
Um ao outro.
Pois o mundo, que parece
Estender-se à nossa frente como uma terra de sonhos,
Tão diversas, tão formosas, tão novas,
Na verdade não tem nem alegria, nem amor, nem luz,
Nem certeza, nem paz, nem lenitivo para a dor;
E estamos aqui como numa planície penumbrosa,
Varrida de confusos alarmas de combate e de fuga,
Na qual exércitos ignorantes à noite travam batalha.”


Não me lembro quem traduziu. Mas valeu. A tradução é livre. Acrescenta elementos que não estão no texto. Mas é rica e bela. E sobre ela iremos nos deleitar novamente.

balada para todo amor

balada para todo amor


rogel samuel


todo amor é assim, plágio
cópia de cópia de si, no mesmo
sim na sua visibilidade
no seu sexo. Porque todo amor
é aquela alegre repetição
doença de sonho e de tensão
acontecimento que tanto faz
se desfaz. De que não posso
dizer o que quero, ou o que vale
nem mesmo vale a pena
[O amor, seu troco.]
O caro, o espaço, o caroço
o que sobra o que falta e o falho.
Todo amor falece. Não cresce.
Não é o que se espera.
Dele nada sobra. Além do gozo.
Da calma, da cama, do colo
da palavra: só as notas altas
o cantam. As baladas mais.
A exultação mais plena.
Pois todo amor é outra vez
o mesmo amor. É sempre. É pouco.
E só se estabelece quando
impossivelmente fala a falta
do tolo amor, que já é lembrança
excessiva. Que todo amor costura
um tédio. E tem a surpresa da morte.
Somos suas presas em suas levezas.
Corre o fundo tempo por seus lodos
mostra a sua sede à noite morta.
Quem me crê sabe o que digo:
o amor já vem perdido, pois perder-se
é o destino amante. Dele vem logo
o mote o trote o corte a espada
que o amor tem em seus dentes
pois sua loucura é o nada.
[Em 14 de maio de 2.000]

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

AUGUSTO DOS ANJOS

AUGUSTO DOS ANJOS



MONÓLOGO DE UMA SOMBRA





"Sou uma Sombra! Venho de outras eras!
Do cosmopolitismo das moneras...
Pólipo de recônditas reentrâncias,
Larva de caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!

A simbiose das coisas me equilibra.
Em minha ignota mónada, ampla, vibra
A alma dos movimentos rotatórios...
E é de mim que decorrem, simultâneas,
A saúde das forças subterrâneas
E a morbidez dos seres ilusórios!

Pairando acima dos mundanos tetos,
Não conheço o acidente da Senectus
— Esta universitária sanguessuga
Que produz, sem dispêndio algum de vírus,
O amarelecimento do papirus
E a miséria anatômica da ruga!

Na existência social, possuo uma arma
- O metafisicismo de Abidarma -
E trago, sem bramânicas tesouras,
Como um dorso de azêmola passiva,
À solidariedade subjetiva
De todas as espécies sofredoras.

Como um pouco de saliva quotidiana
Mostro meu nojo à Natureza Humana.
À podridão me serve de Evangelho.
Amo o esterco! os resíduos ruins dos quiosques
E o animal inferior que urra nos bosques
É com certeza meu irmão mais velho!

Tal qual quem para o próprio túmulo olha,
Amarguradamente se me antolha,

À luz do americano plenilúnio,
Na alma crepuscular de minha raça
Como uma vocação para a Desgraça
E um tropismo ancestral para o Infurtúnio.

Aí vem sujo, a coçar chagas plebéias,
Trazendo no deserto das idéias
O desespero endêmico do inferno,
Com a cara hirta, tatuada de fuligens
Esse mineiro doido das origens,
Que se chama o Filósofo Moderno!

Quis compreender, quebrando estéreis normas,
A vida fenomênica das Formas,
Que, iguais a fogos passageiros, luzem...
E apenas encontrou na idéia gasta,
O horror dessa mecânica nefasta,
A que todas as coisas se reduzem!

E hão de achá-lo, amanhã, bestas agrestes,
Sobre a esteira sarcófaga das pestes
A mostrar, já nos últimos momentos,
Como quem se submete a uma charqueada,
Ao clarão tropical da luz danada,
O espólio dos seus dedos peçonhentos.

Tal a finalidade dos estames!
Mas ele viverá, rotos os liames
Dessa estranguladora lei que aperta
Todos os agregados perecíveis,
Nas eterizações indefiníveis
Da energia intra-atômica liberta!

Será calor, causa ubíqua de gozo,
Raio X, magnetismo misterioso,
Quimiotaxia, ondulação aérea,
Fonte de repulsões e de prazeres,
Sonoridade potencial dos seres,
Estrangulada dentro da matéria!

E o que ele foi: clavículas, abdômen,
O coração, a boca, em síntese, o Homem,
- Engrenagem de vísceras vulgares -
Os dedos carregados de peçonha,
Tudo coube na lógica medonha
Dos apodrecimentos musculares!

A desarrumação dos intestinos
Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos
Dentro daquela massa que o húmus come,
Numa glutoneria hedionda, brincam,
Como as cadelas que as dentuças trincam
No espasmo fisiológico da fome.

É uma tràgica festa emocionante!
A bacteriologia inventariante
Toma conta do corpo que apodrece.
E até os membros da família engulham,
Vendo as larvas malignas que se embrulham
No cadáver malsão, fazendo um s.

E foi então para isto que esse doudo
Estragou o vibrátil plasma todo,
À guisa de um faquir, pelos cenóbios?!...
Num suicídio graduado, consumir-se,
E após tantas vigílias, reduzir-se
À herança miserável de micróbios!

Estoutro agora é o sátiro peralta
Que o sensualismo sodomista exalta,
Nutrindo sua infámia a leite e a trigo...
Como que, em suas células vilíssimas,
Há estratificações requintadíssimas
De uma animalidade sem castigo.

Brancas bacantes bêbedas o beijam.
Suas artérias hírcicas latejam,
Sentindo o odor das carnações abstêmias,
E noite, vai gozar, ébrio de vício,
No sombrio bazar do meretrício,
O cuspo afrodisíaco das fêmeas.

No horror de sua anômala nevrose,
Toda a sensualidade da simbiose,
Uivando, à noite, em lúbricos arroubos,
Como no babilônico sansara,
Lembra a fome incoercível que escancara
A mucosa carnívora dos lobos.

Sôfrego, o monstro as vítimas aguarda.
Negra paixão congênita, bastarda,
Do seu zooplasma ofídico resulta.
E explode, igual à luz que o ar acomete,
Com a veemência mavórtica do aríete
E os arremessos de uma catapulta.

Mas muitas vezes, quando a noite avança,
Hirto, observa através a tênue trança
Dos filamentos fluídicos de um halo
A destra descarnada de um duende,
Que tateando nas tênebras, se estende
Dentro da noite má, para agarrá-lo!

Cresce-lhe a intracefálica tortura,
E de su’alma na caverna escura,
Fazendo ultra-epiléticos esforços,
Acorda, com os candieiros apagados,
Numa coreografia de danados,
A família alarmada dos remorsos.

É o despertar de um povo subterrâneo!
É a fauna cavernícola do crânio
- Macbeths da patológica vigília,
Mostrando, em rembrandtescas telas várias,
As incestuosidades sangüinárias
Que ele tem praticado na família.

As alucinações tácteis pululam.
Sente que megatérios o estrangulam.
A asa negra das moscas o horroriza;
E autopsiando a amaríssima existência
Encontra um cancro assíduo na consciência
E três manchas de sangue na camisa!

Míngua-se o combustível da lanterna
E a consciência do sátiro se inferna,
Reconhecendo, bêbedo de sono,
Na própria ânsia dionísica do gozo,
Essa necessidade de horroroso,
Que é talvez propriedade do carbono!

Ah! Dentro de toda a alma existe a prova
De que a dor como um dartro se renova,
Quando o prazer barbaramente a ataca...
Assim também, observa a ciência crua,
Dentro da elipse ignívoma da lua
A realidade de uma esfera opaca.

Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo o fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
A condição de uma planície alegre,
A aspereza orográfica do mundo!

Provo desta maneira ao mundo odiento
Pelas grandes razões do sentimento,
Sem os métodos da abstrusa ciência fria
E os trovões gritadores da dialética,
Que a mais alta expressão da dor estética
Consiste essencialmente na alegria.

Continua o martírio das criaturas:
— O homicídio nas vielas mais escuras,
— O ferido que a hostil gleba atra escarva,
—O, último solilóquio dos suicidas -
E eu sinto a dor de todas essas vidas
Em minha vida anônima de larva!”

Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes vocábulos,
Da luz da lua aos pálidos venábulos,
Na ânsia de um nervosíssimo entusiasmo,
Julgava ouvir monótonas corujas,
Executando, entre caveiras sujas,
A orquestra arrepiadora do sarcasmo!

Era a elegia panteísta do Universo,
Na podridão do sangue humano imerso,
Prostituído talvez, em suas bases.
Era a canção da Natureza exausta,
Chorando e rindo na ironia infausta
Da incoerência infernal daquelas frases.

E o turbilhão de tais fonemas acres
Trovejando grandíloquos massacres,
Há-de ferir-me as auditivas portas,
Até que minha efêmera cabeça
Reverta à quietação da treva espessa
E à palidez das fotosferas mortas!

SONETO

Ao meu primeiro filho nascido
morto com 7 meses incompletos.
2 fevereiro 1911.

Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brônzea trama neuronial,

Que poder embriológico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogênese de infante
A minha morfogênese ancestral?!

Porção de minha plásmica substãncia,
Em que lugar irás passar a infância,
Tragicamente anônimo, a feder?!

Ah! Possas tu dormir, feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER!


VERSOS A UM CÃO

Que força pôde adstrita e embriões informes,
Tua garganta estúpida arrancar
Do segredo da célula ovular
Para latir nas solidões enormes?!

Esta obnóxia inconsciência, em que tu dormes,
Suficientíssima é, para inovar
A incógnita alma, avoenga e elementar
Dos teus antepassados vermiformes.

Cão! - Alma de inferior rapsodo errante!
Resigna-a, ampara-a, arrima-a, afaga-a, acode-a
A escala dos latidos ancestrais...

E irás assim, pelos séculos, adiante,
Latindo a esquisitíssima prosódia
Da angústia hereditária dos teus pais!


O DEUS-VERME

Fator universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
Verme - é o seu nome obscuro de batismo.

Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação funérea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.

Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras magras
E dos defuntos novos incha a mão...

Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!



DEBAIXO DO TAMARINDO

No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos!

Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos,
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da Flora Brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!

Quando pararem todos os relógios
De minha vida e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,

Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!

A Obsessão de Baudelaire

A Obsessão de Baudelaire

Rogel Samuel


Ele fala para os bosques, que assustam "como as catedrais", que rugem como órgãos, que tem eco nos corações de luto, nos corações malditos. Ele odeia o tumulto oceânico, tumultuário como ele-mesmo, o oceano tem insultos, sombras, ó belas noites sem estrelas, o poeta quer a escuridão, ama os precipícios, a escuridão onde os fantasmas habitam. Ele é o poeta das trevas, da noite.


Bosques, encheis de susto como as catedrais,
Como os órgãos rugis; e em corações malditos,
Quartos de terno luto e choros ancestrais,
Todos sentem ecoar vossos fúnebres gritos.
Eu te odeio, oceano! e com os teus tumultos,
Já que és igual a mim! Pois este riso amargo
Do homem a soluçar, todo sombras e insultos,
Eu o escuto no riso enorme do mar largo.
Como serias bela, ó noite sem estrelas,
Que os astros falam sempre claro em sua luz!
Busco o infinito negro e os precipícios nus!
Porém as trevas são elas próprias as telas,
Em que surgem, a vir de meu olho, aos milhares,
Seres vindos do além de rostos familiares.

(Trad. Jamil Almansur Haddad).

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

VEM AÍ: O IGARAPÉ DO INFERNO



Vem aí

O IGARAPÉ DO INFERNO

de Rogel Samuel

em

BLOCOS ONLINE

TODO DIA 10 E 25 DE CADA MÊS

(PINTURA DO SALÃO NOBRE DO TEATRO AMAZONAS)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

O IGARAPÉ DO INFERNO



Vem aí

O IGARAPÉ DO INFERNO

de Rogel Samuel

(na foto a tiara da Rainha Vitória
cujo nome foi dado à Vitória Regia).

sábado, 25 de outubro de 2008

A crise do consumo

ROGEL SAMUEL


"Segundo as leis de evolução do capitalismo, cada crise é um ponto morto, mas este ponto morto tem que ser considerado como um momento necessário da produção capitalista e a intensificação das crises ...deve ser conhecida do ponto de vista do materialismo histórico", escreveu Lukács na "História e consciência de classe" (Lisboa, Escorpião, p. 254).
A atual crise, sendo não uma ruptura da produção, mas do próprio capital em si, vai configurar uma nova realidade para o capitalismo em sua evolução.
Os operários sofrem a crise como sujeito ou seu objeto?
A crise, diz Lukács, é sempre resultado da relação da distribuição antagônica, pelas contradições do fluxo do capital que continua a correr em conformidade com a força que já possui, e a estreita base do consumo (de capital) - e isto está estudado no "Capital" (apud Lukács).
A atual crise parece residir na tentativa desesperada de produzir capital pelo capital, libertando-se da produção e do consumo.
Ninguém sabe onde vai parar.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A meditação da Linguagem


A meditação da Linguagem


Rogel Samuel


O poeta imagina, concentra-se, eleva-se sobre os pantanais do orgulho humano, os descampados da solidão, sobre o céu (o éter) e o mar, o bosque, o monte, voa muito além do sol, além do horizonte, além das estrelas, na onda das estrelas, na imensidão redonda do universo, impulsionado pela volúpia, pela juventude para beber o licor, o néctar, o fogo da imortalidade celestial, e conseguir, por fim, atingir a linguagem da matéria, da flor e da matéria, a Linguagem.

Elevação

Por sobre os pantanais, por sobre os descampados,

Por sobre o éter e o mar, por sobre o bosque e o monte,

E muito além do sol, muito além do horizonte,

Para além dos confins dos longes estrelados,
Meu espírito, vais, todos os céus te movem,

Como um bom nadador cais em delíquio na onda,

Sulcas alegremente a imensidão redonda,

Levado por volúpia indizível e jovem.

Bem longe deves voar destes miasmas tão baços;

Vai te purificar por um ar superior,

E bebe, como um puro e divino licor,

O claro fogo que enche os céus lúcidos e serenos!

Este cujo pensar, como a andorinha, muda

Para o céu da manhã num vôo ascensional,

- Que plana sobre a vida a entender afinal

A linguagem da flor e da matéria muda!



BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. São Paulo: Círculo do Livro, 1995. Tradução, posfácios e notas de Jamil Almansur Haddad.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Hino à vida?


Hino à vida?

Rogel Samuel

Bilac faz a fenomenologia da tarde, no melhor estilo de Bachelard. Pois que em imagens de uma psicologia da luz e da escuridão, do que nasce e do que prenuncia, Bilac diz diz que ele é noturno, num sentimento próprio dos seres que vivem na escuridão das ruas: os bêbados, as prostitutas, os devassos, os bandidos, a população noturna. Bilac, que hoje se diz que era homossexual, aí se desnuda em sua alma noturna, dos seres que vivem nas sombras.
Vida em glória de ouro e sol, de luz que nasce - não, diz Bilac, não, não te amo. Ele ama a noite, a tumba, o luto, o esplendor da morte, o luxo da mortalha em crepe e auriflamas. Bilac ama a triste tarde, a chegada das estrelas, o mistério da noite que se aproxima, o vir da sombra úmida da noite, da noite da volúpia, do sono, da vida, do nada. Bilac, nosso poeta surpreende no nada.

Hino á Tarde

Glória jovem do sol no berço de ouro em chamas,
Alva! natal da luz, primavera do dia,
Não te amo! nem a ti, canícula bravia,
Que a ti mesma te estruis no fogo que derramas!


Amo-te, hora hesitante em que se preludia
O adágio vesperal, - tumba que te recamas
De luto e de esplendor, de crepes e auriflamas,
Moribunda que ris sobre a própria agonia!


Amo-te, ó tarde triste, ó tarde augusta, que, entre
Os primeiros clarões das estrelas, no ventre,
Sob os véus do mistério e da sombra orvalhada,


Trazes a palpitar, como um fruto do outono,
A noite, alma nutriz da volúpia e do sono,
Perpetuação da vida e iniciação do nada.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Obra prima em surdina


Obra prima em surdina


Rogel Samuel


Bilac escreveu uma obra prima em "Surdina", um poema que lembra os de Verlaine. Nele existe uma atmosfera naquela noite fria. Na escura paisagem, em neblina, uma estrada, um destino, um medo, um coração vazio, algo morreu, o amor morto, o sonho destruído, ninguém, não há ninguém, só o frio, o sino, a neblina, o silêncio.


Surdina


No ar sossegado um sino canta,
Um sino canta no ar sombrio...
Pálida, Vênus se levanta...
Que frio!


Um sino canta. O campanário
Longe, entre névoas, aparece...
Sino, que cantas solitário,
Que quer dizer a tua prece?


Que frio! embuçam-se as colinas;
Chora, correndo, a água do rio;
E o céu se cobre de neblinas.
Que frio!


Ninguém... A estrada, ampla e silente,
Sem caminhantes, adormece...
Sino, que cantas docemente,
Que quer dizer a tua prece?


Que medo pânico me aperta
O coração triste e vazio!
Que esperas mais, alma deserta?
Que frio!


Já tanto amei! já sofri tanto!
Olhos, por que inda estais molhados?
Por que é que choro, a ouvir-te o canto,
Sino que dobras a finados?


Trevas, caí! que o dia é morto!
Morre também, sonho erradio!
A morte é o último conforto...
Que frio!


Pobres amores, sem destino,
Soltos ao vento, e dizimados!
Inda vos choro... E, como um sino,
Meu coração dobra a finados.


E com que mágoa o sino canta,
No ar sossegado, no ar sombrio!
- Pálida, Vênus se levanta.
Que frio!

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Dante no paraíso de Bilac


Dante no paraíso de Bilac



Escreveu nosso poeta maior no seu parnaso:

DANTE NO PARAISO
Olavo Bilac

Enfim, transpondo o Inferno e o Purgatório, Dante
Chegara à extrema luz, pela mão de Beatriz:
Triste no sumo bem, triste no excelso instante,
O poeta compreendera o mal de ser feliz.
Saudoso, ao ígneo horror do báratro distante,
Ao vórtice tartáreo o olhar volvendo, quis
Regressar à geena, onde a turba ululante
Nos torvelins raivando arde na chama ultriz:
E fatigou-o a paz do esplendor soberano;
Dos réprobos lembrando a irrevogável sorte,
A estância abominou do perpétuo prazer;
Porque no coração, cheio de amor humano,
Sentiu que toda a Vida, até depois da morte,
Só tem uma razão e um gozo só: sofrer!

Ora, depois do Inferno e do Purgatório, Dante vê a turbulenta e feérica luminosidade que cega dentro da qual aparece "a paz do esplendor soberano" e ele, cheio de compaixão, pensa nos humanos que deixou para trás, se entristece em vez de ser feliz, quer regressar à geena, ao fogo do inferno onde arde e sofre a população, o mundo dos homens, é um momento surpreendente dos dois poetas, pois Bilac abomina o prazer perpétuo de Deus, ele está cheio de piedade, de amor humano, e vê que vida e morte é só sofrer!

domingo, 19 de outubro de 2008

A REFLEXÃO


Rogel Samuel

O caso de Santo André nos lembra que nos Estados Unidos os casos de violência contra a mulher são praticadas por latinos. Foi assim que aconteceu com minha amiga X, que é amazonense, e que foi agredida pelo namorado.
A polícia lhe deu todo apoio.
Mesmo um pai que agride a filha revolta a sociedade. Minha ex-professora de inglês contou que seu pai avançou contra ela e ela fugiu trancando-se no quarto e chamou a polícia, que veio e complicou a vida do pai.
A violência brasileira ainda persiste: pais agridem os filhos, homens agridem as mulheres.
A menina de Santo André pode levar a uma reflexão mais aprofundada.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

ÌNTEGRA DO BATE-PAPO COM ROGEL SAMUEL

ÌNTEGRA DO BATE-PAPO COM ROGEL SAMUEL

http://www.dilsonlages.com.br/coluna_cont.asp?id=1027
Moderador Entre-textos: Boa noite! A partir de agora você conversa com o escritor Rogel Samuel
Data 17/10/2008 20:03:08
Rogel Samuel: Boa noite a todos.
Data 17/10/2008 20:04:09
Dílson Lages: Boa noite, amigo! Rogel, Você já me afirmou que a quarta edição do Novo Manual é a que mais lhe apraz. Por quê?
Data 17/10/2008 20:05:27
Rogel Samuel: Sim, principalmente porque até agora não li nenhum erro ou frase que eu poderia deixar melhor
Data 17/10/2008 20:05:57
Rogel Samuel: O texto foi reescrito quase totalmente. Novos conceitos foram introduzidos. Parece que está bem, pois já está na quarta edição.
Data 17/10/2008 20:06:30
Rogel Samuel: Fiz o melhor que pude.
Data 17/10/2008 20:07:23
Teresa: Professor entrei na universidade agora em São Luís no Curso de Letras e estou tendo uma certa dificuldade para gostar de literatura. O que o senhor acha que devo fazer?
Data 17/10/2008 20:07:50
Rogel Samuel: Temos 80 páginas a mais.
Data 17/10/2008 20:08:07
Rogel Samuel: Teresa, você deve procurar um romance ou um poeta do seu gosto. Existe uma coisa que se chama - crítica do gosto.
Data 17/10/2008 20:09:20
Dílson Lages: O que mudou em relação as edições anteriores do ponto de vista teórico?
Data 17/10/2008 20:09:26
Rogel Samuel: Mudou alguma coisa sim. Novos capítulos foram introduzidos e outros refeitos. Introduzi, por exemplo, o estudo da Internet.
Data 17/10/2008 20:11:01
Rogel Samuel: A webcultura, a poesia digital etc são fatos novos.
Data 17/10/2008 20:11:58
Rogel Samuel: Escrevi um pouco mais sobre a evolução da literatura.
Data 17/10/2008 20:13:03
Rogel Samuel: E separei modernidade e pós-modernidade.
Data 17/10/2008 20:13:56
Dílson Lages: O senhor vê de forma positiva o uso de novos suportes para a arte literária. Que mudanças se anunciam para o sistema literário por conta da internet?
Data 17/10/2008 20:14:07
Rogel Samuel: Acredito na webcultura. aindo hoje li no 45 graus uma excelente matéria sobre isso que veio da feira de Frankfurt.
Data 17/10/2008 20:15:54
Teresa: O senhor pode se estender um pouco no assunto? Quais romancistas e poeta o senhor indica?
Data 17/10/2008 20:15:58
Dílson Lages: Você escreve no livro que ler “é nomear sentidos”. O que muda na leitura do crítico literário e na do leitor à cara de entretenimento?
Data 17/10/2008 20:17:46
Rogel Samuel: Teresa, abra um livro.... um romance.... e se você for tomada pelo texto, continue. Se não procure outro livro. Vá assim até encontrar o seu autor do coracão.
Data 17/10/2008 20:17:54
Rogel Samuel: Teresa, quando eu era professor do segundo grau, um dia um pai de aluno me disse: meu filho não lê nada! Não adianta!. Eu disse que ia resolver o problema... Conversei com o rapaz e descobri que ele gostava mesmo era de moto
Data 17/10/2008 20:20:41
Rogel Samuel:
Data 17/10/2008 20:20:47
Verbena: Boa noite pra todo mundo online aqui! Professor quem quer fazer crítica literária deve começar por onde? Por que teoria?
Data 17/10/2008 20:21:50
Rogel Samuel: Então descobri um livro de um motoqueiro que o rapaz passou a noite lendo. De uma só vez.
Data 17/10/2008 20:22:16
Teresa: então me recomende algum romance sobre coisas do lar, tipo culinária . Tem algum de memória?
Data 17/10/2008 20:23:29
Rogel Samuel: Dilson, A leitura crítica faz levantar alguns dos sentidos possíveis. É preciso dizer que neste livro quase nada é pensamento meu, pois é um “manual”, ou seja, um livro-resumo, um vade-mecum da ciência da literatura.
Data 17/10/2008 20:23:45
Rogel Samuel: Eu sempre tive facilidade em resumir, passei a vida toda resumindo trechos, sublinhando e riscando livros (o que não recomendo), é possível saber que livros eu li porque estão todos rabiscados, anotados. Eu sempre grifei as frases mais impor
Data 17/10/2008 20:24:34
Rogel Samuel: mais importantes.
Data 17/10/2008 20:25:25
Dílson Lages: Entre as correntes da crítica literária qual mais cativa Rogel?
Data 17/10/2008 20:26:07
Rogel Samuel: O processo hermenêutico, descobrir os meus sentidos no texto. Descobrir-me no texto.
Data 17/10/2008 20:28:41
Rogel Samuel: Verbena, deve começar
Data 17/10/2008 20:30:27
Rogel Samuel: Verbena, comece lendo os críticos brasileiros. A crítica começa com Machado de Assis.
Data 17/10/2008 20:32:11
Dílson Lages: Com tantas correntes examinando os aspectos materais do textos, independente de sua natureza, e até mesmo a recepção da obra, ainda vê espaço para a crítica impressionista e para a biográfica?
Data 17/10/2008 20:32:47
Rogel Samuel: Dilson, tudo é possível na pós-modernidade. Mas seria algo novo.
Data 17/10/2008 20:34:35
Rogel Samuel: Dilson, o que se vê hoje é o fim dos gêneros, da separação entre literatura e crítica .... e o nascimento do texto.
Data 17/10/2008 20:38:21
Rogel Samuel: Um texto concorrente com o texto literário
Data 17/10/2008 20:39:11
Dílson Lages: O Novo Manual de Teoria Literária está destinado realmente a quem? Ao crítico? Ao leitor comum? Aos estudantes de letras? Quem de fato você quer atingir?
Data 17/10/2008 20:39:53
Rogel Samuel: O ideal seria o leitor em geral. Mas o maior número de leitores são alunos das faculdades de letras, da graduação e pós-graduação.
Data 17/10/2008 20:40:46
Teófilo: Alguns escritores, inclusive de bom nível, se dizem desinteressados em crítica e teoria literária. eles podem ser grandes escritores sem o estudo dessas teorias?
Data 17/10/2008 20:41:46
Rogel Samuel: Continuando a questão anterior, o crítico hoje também é um escritor.
Data 17/10/2008 20:42:13
Teófilo: E meu cordial boa noite, estou acompanhando desde o incício mas só agora criei coragem e estou perguntando.
Data 17/10/2008 20:42:37
Rogel Samuel: Teófilo, sim, podem. Há grandes escritores que não gostam da crítica. Mas depende de qual crítica.
Data 17/10/2008 20:44:02
Dílson Lages: Quando surgiu a idéia de escrever o Novo Manual de Teoria e Técnica Literária?
Data 17/10/2008 20:45:20
Rogel Samuel: Há grandes escritores que viveram da crítica, como Barthes.
Data 17/10/2008 20:45:28
Verbena: Entre as teorias que o senhor apresenta no livro, alguma mais influenciou a crítica literária?
Data 17/10/2008 20:47:42
Dílson Lages: Uma correção professor, o Novo Manual de Teoria Literária.
Data 17/10/2008 20:48:20
Rogel Samuel: Em 1983. Mas foi difícil convencer a editora, que me sugeriu, ou melhor, me impôs uma condição, que o livro fosse escrito por vários professores (e que adotassem o livro! e muitos nunca o adotaram!). Ora, foi uma imposição errada, pois se o
Data 17/10/2008 20:49:28
Dílson Lages: Rogel, qual o segredo para que este livro fosse editado sucessivas vezes e caísse no gosto de professores e estudantes?
Data 17/10/2008 20:52:32
Rogel Samuel: Dilson, não há segredo, o livro é um resumo, o mais claro possível. Espero que eu tenha facilitado as coisas. É um livro que procura ser didático.
Data 17/10/2008 20:55:30
Dílson Lages: Quais conceitos de Teoria Literária você julga mais devam ocupar o pensamento dos escritores iniciantes?
Data 17/10/2008 20:56:23
Rogel Samuel: Como eu dizia antes, o editor não acreditava no livro.
Data 17/10/2008 20:57:34
Verbena: Qual o entendimento do senhor sobre a crítica literária que se faz atualmente no Brasil?
Data 17/10/2008 20:58:12
Rogel Samuel: Hoje temos 14 edições da primeira fase e 4 da segunda. Ao todo 18 edições.
Data 17/10/2008 20:58:53
Dílson Lages: Quantos exemplares aproximadamente já circularam desta obra?
Data 17/10/2008 21:00:05
Rogel Samuel: Aos escritores iniciantes eu indicaria um crítico muito antigo chamado antonio Albalat, que escreveu A arte de escrever e outro livro sobre a formação do estilo. Ninguém lê mais isso. Mas Albalat é um mestre, está na raiz da crítica genetica
Data 17/10/2008 21:02:47
Rogel Samuel: Por exemplo, Albalat estudou os rascunhos dos grandes escritores franceses e viu como eles fizeram.
Data 17/10/2008 21:04:26
Dílson Lages: Em A crítica da escrita, o senhor enfatiza a valorização da vivência como pano de fundo para as especulações teóricas naquele livro. A vivência em o Novo Manual de Teoria Literária foi mais importante que a pesquisa bibliográfica?
Data 17/10/2008 21:05:00
Rogel Samuel: Albalat chega a recomendar a cópia e modificação dos textos...
Data 17/10/2008 21:05:22
Dílson Lages: Digo, a vivência da leitura e da sala de aula, no exercício contínuo das teorias...
Data 17/10/2008 21:06:05
Rogel Samuel: Eu não sei, pois as edições antigas eram de 3 mil exemplares. E as novas menos.
Data 17/10/2008 21:06:15
Rogel Samuel: Sim, Dilson, a vivência em sala de aula, o exercício crítico começa com o professor de literatura explicando um texto.
Data 17/10/2008 21:07:55
Rogel Samuel: O crítico tem de dominar uma série de amplos conhecimentos, como a política, a história, a filosofia, a psicanálise, a antropologia etc.
Data 17/10/2008 21:10:53
Rogel Samuel: Sem esquecer a linguistica.
Data 17/10/2008 21:11:26
Moderador Entre-textos: O bate-papo chega ao fim. Agradecemos a todos que parciparam com perguntas ou simplesmente acompanhando o diálogo.
Data 17/10/2008 21:12:24
Rogel Samuel: Agradeço a todos a atenção. Boa noite.
Data 17/10/2008 21:13:23
Moderador Entre-textos: Boa noite a todos!
Data 17/10/2008 21:13:55

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

ENTREVISTA DE ROGEL SAMUEL

ENTREVISTA DE ROGEL SAMUEL

GP - Rogel, quando foi e como se deu o encontro entre o amazonense filho de francês com brasileira e neto de rico comerciante da borracha com as artes, notadamente a Literatura?

Primeiro é bom saber: nasci pobre e não vi a riqueza de Maurice Samuel. Nasci na decadência. Você nem imagina com quem comecei: foi com Camões... Num livro didático de infância havia um trecho da Elegia que começa assim:
"Poeta Simónides, falando ? co capitão Temístocles, um dia..."

O trecho diz:

Oh ! lavradores bem-aventurados !
Se conhecessem seu contentamento,
como vivem no campo sossegados !
dá-lhes a justa terra o mantimento,
dá-lhes a fonte clara a água pura,
mungem suas ovelhas cento a cento.
não vêem o mar irado, a noite escura,
por ir buscar a pedra do Oriente;
não temem o furor da guerra dura.
Vive um com suas árvores contente,
sem lhe quebrar o sono sossegado
o cuidado do ouro reluzente.

E por aí vai. Eu fiquei muito impressionado. Até hoje tenho emoção com a simplicidade dos versos, a evocação. Foi Camões quem me despertou, veja só. E depois, Manuel Bandeira. Li menino. O texto de Camões está em: http://www.geocities.com/rogelsamuel/elegia.html

Depois ganhei uma antologia, que até hoje considero a melhor: «Obras primas da poesia universal», de Sergio Milliet. Editora Martins. Esgotada.

GP - Quais as influências da infância e adolescência marcaram a formação dos primeiros versos, primeiros escritos, considerando a publicação do seu primeiro poema num jornal nessa fase da sua vida?

Sim, comecei a escrever nos jornais de Manaus muito cedo, com 16, 17 anos. Naquela época era assim. Os jornais estavam abertos. Mesmo para o que não prestava. Eu me lembro de uma página muito curiosa de «O jornal do comércio», órgão dos Diários Associados em Manaus, de 16 de abril de 1961, em que há um conto meu chamado «Sofia», ao lado um novo poema de Drummond, em baixo havia uma crônica de Guilherme Figueiredo e no rodapé um artigo de Sergio Milliet, intitulado «O dia amanheceu cantando». Eu tinha 18 anos. O jornal era dirigido por Felipe Daou, ainda vivo. Aquele pessoal era mesmo irresponsável.

GP - Apesar de escrever seus versos desde a adolescência, você, pelas suas publicações, começa com Crítica da Escrita, em 1979. A poesia ficou de lado ou o professor que se impunha? Este é o resultado de seus estudos e trabalhos na universidade?

Quando me mudei para o Rio, em 1961, publiquei muito pouco. Lembro-me de artigo no «Correio da manhã», que não tenho, e pouca coisa mais. Eu estava mal acostumado: em Manaus você vinha com o original e punha na mesa do editor. No dia seguinte aquilo era publicado com destaque. No Rio, havia um clube fechado. Eu tive as portas abertas para a televisão, através do irmão de uma amiga de Manaus que dirigia a parte comercial da TV Rio, onde trabalharam na mesma época, creio, o Bôni e o Valter Clark. Trabalhei na redação muito pouco tempo e larguei. Era à noite, eu tinha faculdade de manhã. Burrice, talvez. Virei professor. Não procurei mais os jornais, não sou bom vendedor de mim mesmo.

GP - Um fato, eu conheci você primeiro pelo "Manual de teoria literária" na época em que eu fazia Letras, por volta de meados da década de 80, por ai, salvo engano. Hoje esta obra está já com 14 edições. E também, depois, o agradabilíssimo "O que é Teolit?". Como se encontrava o poeta enquanto professor?

Não se encontrava. Eu fui fazer letras porque era assim que eu supunha ser a formação do escritor. Um dia um amigo meu, o Nathanael Caixeiro, que fazia traduções, me apresentou ao pessoal da Vozes. Assim nasceu o "Manual de teoria literária". Anos depois, publiquei ali os três volumes de «Literatura básica». Foram livros com vários autores, que coordenei. Um dia mandei um projeto para os «Primeiros passos», da Brasiliense. O projeto era um livrinho: «O que é teoria literária». Depois de várias tentativas, o livro não saiu, porque invadia o conteúdo de outros títulos. Acabou sendo publicado pela Marco Zero, na época pertencente ao Marcio Souza, como "O que é Teolit?". Publiquei mais 2 livros por conta própria: «Crítica da escrita» 1981; e «O Amante das Amazonas», 1992. Hoje tenho dois livros na praça. O «Novo manual de teoria literária» (Petrópolis, Vozes, 2002. 158p), que está em 3 a edição, livro só meu, atualizado com as modernas teorias. E «O amante das amazonas» (Belo Horizonte, Itatiaia, 2005, 164 p.), que não é só a 2 a edição, mas é um livro revisto. Além disso, houve «A linguagem e a idéia no discurso poético» (Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 1978, dissertação de Mestrado) e «A reconstrução da subjetividade no grande sertão» (Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 1983. 290 p., tese de Doutorado, nunca publicada).

Como professor dei todo tipo de aula: para escolas particulares pobres do primeiro e segundo graus, cursinhos, no subúrbio, em escolas de ricos, no estado, no município, em faculdades particulares.

Para sobreviver dava aula de manhã, de tarde e de noite. Fui professor de latim. Estudei na UFRJ, no Rio de Janeiro, onde fui aluno de Alceu Amoroso Lima, Matoso Câmara, Afrânio Coutinho, Anísio Teixeira. Fiquei uns 10 anos sem publicar, nesse período. Depois, ingressei por concurso na UFRJ, fiz mestrado e doutorado. E me aposentei. Hoje só escrevo.

GP - O poeta aparece publicado só em 90 com "Poemas" e depois com "120 poemas". Fala dessa experiência e resultados desses projetos.

«Poemas» foi uma bela edição artesanal. Os «120 poemas» é um folheto impresso, tenho até hoje. Eu nunca parei de escrever poesia, desde a adolescência até os meus atuais 63 anos. Mas nunca consegui ter confiança no que fazia. Acho que o poeta tem de ser um louco irresponsável e não se avaliar muito. Estou pensando em colocar todos poemas num site, ou publicar em livro.

GP - Como escritor, eu vi o seu "O amante das amazonas", um livro interessantíssimo que li de um fôlego só e onde você mistura ficção e realidade com uma narrativa bem gostosa. Este livro inclusive recebeu sua segunda edição recentemente. Fala do processo de criação, expectativa e resultados com este seu projeto?

Foram dez anos de trabalho, mais de 100 livros lidos e dez versões. Mesmo essa segunda edição foi revista. O livro tem aquilo que você viu, é um mar de estórias em torno daquele Palácio construído no meio da selva. Primeiro fiz uma pesquisa, entrevistei pessoas que ainda se lembravam dos fatos. Li cerca de 100 livros. Depois, devido ao excesso de informações fiquei perdido. Aí resolvi contar para um gravador. Depois de ouvir muitas vezes, voltei a narrar no gravador. Então fiz as várias versões escritas, quase dez. Há algo de romance policial ali, além de ficção científica.

Quanto ao processo de criação... bem, é melhor escrever do que ler um romance. Ao escrever um romance você tem todas as possibilidades do mundo. Porque o mundo não existe, ali: você tem de criá-lo.

Tenho vários projetos. E vários livros escritos na gaveta. Meu único problema é que escrevo muito devagar e trabalho muito o texto. Como nunca fico satisfeito acabo criando várias versões do mesmo livro e perco muito tempo. Tudo meu leva vários anos para sair e a vida é curta. Mas cada livro ganha uma técnica especial só dele.

A minha «obra» literária publicada, aos 63 anos de idade, é muito pequena. O que eu mais publiquei foram contos e crônicas. Recentemente voltei para os livros maiores.

GP - Rogel, além de professor aposentado, poeta e escritor, você também é webjornalista e escreve regularmente para sites e portais da Internet. Fala, então, da importância da Internet na difusão do seu trabalho.

Vejo na Internet o futuro da literatura. Liberta o escritor da grande media, dos editores. O escritor logo encontra seus leitores ali. Estou publicando minha próxima novela ali, na Internet. Não passo sem Internet. Entro na Internet várias vezes ao dia. Meu mundo hoje é o mundo da Internet.

GP - Qual a avaliação que você faz desse veículo Internet na relação do escritor com o leitor? E desta com o trabalho impresso e frente a frente com o leitor?

Gosto da Internet porque esta média me levou a retomar o que eu poderia chamar de meu público e minha obra. Escrevi uma centena de artigos em jornais impressos, e muito mais na Internet. Penso que o livro vai-se tornar cada vez mais caro, e a web será o grande veículo do futuro. Para a música também. Eu gostaria de ver o Ministério da Cultura disponibilizar toda a obra de Villa Lobos em mp3, mesmo pagando ele os direitos autorais. Porque é muito difícil ouvir certas coisas. Hoje sou um escritor da rede. Se você colocar meu nome num site de busca vai-me encontrar.

GP - Você mantém na rede um sítio pessoal onde publica seus trabalhos literários, livros e, ainda, apresenta um diretório de autores. Qual a proposta deste diretório?

A princípio era uma antologia de vários autores. Tem vários anos. Tentei fazer um site de literatura de qualidade, porque na época não havia. Há livros inteiros. Há clássicos ali, e livros raros. Meu site tem muita música clássica, em midi. Fui o primeiro a publicar autores amazonenses da Net. Tenho colunistas. E escritores cativos. A grande poetisa portuguesa Maria Azenha às vezes me manda de Lisboa um poema acabado de escrever. http://www.geocities.com/rogelsamuel/

GP - Qual a avaliação que você faz da atual Literatura brasileira?

Há muita gente boa, mas a divulgação não se dá na grande media. Acho que os grandes poetas do presente só serão conhecidos daqui a muitos anos. Os grandes ficcionistas brasileiros jovens ainda não confiam na Internet. Conheço uma boa escritora que tem 5 excelentes romances para publicar. Eu disse para ela: publique na Internet. Mas o pessoal tem medo de perder a autoria. O que é um medo sem fundamento. Mesmo o livro impresso pode ser copiado. E é muito difícil encontrar um editor. E, sendo editado, é muito difícil vender o livro. É muito difícil fazer chegar o livro nas livrarias. Tudo é muito difícil na vida de um escritor. Eu escrevo há 40 anos, sei disso. Alguns tem sorte, fazem sucesso fácil. Mas o sucesso fácil pode ser enganoso. Mesmo os que fizeram muito sucesso um dia podem cair no esquecimento, depois. Eu poderia citar vários casos. Entretanto, o escritor tem de ter sucesso de alguma forma, isto é, público. Nós escrevemos para alguém. A não ser que seja um escritor que se julgue um gênio tal que escreva para o futuro. Um louco. A atual literatura tem muita gente boa. Em cada estado brasileiro você encontra uns 10 bons escritores, nem sempre eleitos pela media. Os grandes jornais só privilegiam a literatura estrangeira. Mas estão perdendo prestígio para a Internet. Os estudantes universitários só pesquisam pela Internet, não pelos jornais. Eles são os nossos grandes leitores, hoje. Você precisa ver como o Canadá promove os seus escritores. Nas livrarias eles estão na frente. Portugal os divulga no mundo. O governo espanhol mantém uma verba especial para a «nova poesia». O governo alemão compra parte da edição de todo escritor alemão, para incentivar. Há uma verba para a aposentadoria dos escritores. Nas bibliotecas, a consulta a escritores alemães é paga. Muitos governos se orgulham de seus escritores. O Brasil nada faz. Aqui o escritor não tem prestígio. Se você está em Paris e alguém pergunta: «O que você faz?», responda «Sou escritor». Será olhado com muito mais respeito.

GP - Como professor aposentado, você acha que a universidade tem cumprido o seu papel na formação dos que ali chegam e se tornam graduandos?

Algumas universidades de bom nível, talvez. Mas o bom aluno independe da Universidade. A universidade mudou muito. Está em crise.

GP - Como viajante, quais são seus planos? Fale de suas viagens.

Sim, sou um viajante nato. Gastei tudo que tinha em viagens, inclusive o fundo de garantia. Fui 2 vezes à Austrália, 3 vezes ao Nepal, várias vezes à Europa, várias vezes aos USA e ao Canadá. Foram viagens de longa permanência, sozinho. Certa vez fique 2 meses e meio no Nepal. Ou 2 meses no interior da Austrália. Creio que fui 17 vez ao exterior e viajei muito pelo sertão e pelo interior do Amazonas. Viajei de carro, trem, barco. Hoje estou mais devagar. Falta energia física. Além disso o mundo está em guerra... Lembro-me que, logo após a 11 de setembro, fui a Los Angeles: fui examinado pela polícia várias vezes no caminho. Um amigo meu estava no Oriente e de repente se viu no meio de uma guerra! Passei sobre o Iraque depois da primeira guerra do golfo e vi os campos de petróleo em chama. Estive no Aeroporto do Paquistão e me impressionou aquele país. Hoje é um pouco perigoso viajar como sempre fiz, sozinho. Além disso, há assaltos até em Paris.

GP - Quais os projetos que Rogel Samuel têm em mente por realizar?

Estou trabalhando em «A história dos amantes», que está saindo na Internet, em http://www.blocosonline.com.br/home/index.php É um texto antigo, todo re-escrito. Conta a vida de jovens na década de 60, sob a ditadura militar.

O Brasil sairá da crise intocado



O Brasil sairá da crise intocado

Rogel Samuel


"Brasil é pouco afetado pela crise, apesar de o crescimento diminuir", diz o Financial Times.
A nossa media nem deu ênfase a esta notícia. Para ela, quanto pior, melhor. E quando Lula disse que seria uma marola, todos o ironizaram.
"O Brasil deve emergir da crise relativamente intocado", diz o Financial Times (na Folha online).
"Economistas que previamente esperavam um crescimento de 4.5 a 5,5% no ano que vem, agora esperam entre 2,5 e 3,5%", diz o jornal americano.
As empresas brasileiras estão muito menos endividadas do que as rivais estrangeiras.
"Em geral, é ruim, mas nas atuais circunstâncias, é bom o Brasil estar relativamente isolado do resto do mundo",
diz Nathan Balnce da Tendências, firma de consultoria em São Paulo.
"Não estou dizendo que não seremos atingidos ou que seremos apenas marginalmente atingidos. Mas quando a poeira baixar, o Brasil vai se sair melhor do que muitos outros lugares", diz Jean-Marc Etlin do Itaú BBA, banco de investimentos de São Paulo.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

MILHÕES CONTINUAM

MILHÕES CONTINUAM

Rogel Samuel


Hoje as bolsas subiram no mundo todo e o Mr. Dolar caiu por aqui.
O mundo se curou da crise?
Triste mundo onde vivemos: o capitalismo queima milhoes, bilhões e a fome, a miséria, a doença continuam.
Creio que somente com o que foi gasto para estancar esta crise nós poderíamos acabar com toda a pobreza do mundo.
Mas o capital não se acumla em favor das mulheres e homens.
Nem é uma necessidade humana. Pelo menos é assim que aparece.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

COMO SERÁ?


COMO SERÁ?

Rogel Samuel


Ninguém sabe como seremos afetados pela crise. O ministro Mântega já disse: "Não temos mais ilusão. Os países em desenvolvimento serão afetados pela desaceleração global".
no discurso no Comitê de Desenvolvimento do Banco Mundial, em Washington.
Mas até agora, depois de tantos debates, a melhor análise para mim foi a do ex-ministro Delfim. Apesar de todas as diferenças, foi o único que me acrescentou algo.
Para ele, os Estados Unidos se recuperarâo antes de todos, e dominarão outra vez o mundo. Nada de pensar que os EEUU acabaram.
Para Mântega, todo o peso estará em cima dos países pobres, por causa dos combustíveis e alimentos.
Como combustível e alimentos não faltam no Brasil, creio que seremos afetados moderadamente
Como será isso?
Ninguém sabe. Nada se sabe.

domingo, 12 de outubro de 2008

O PERIGO DA CRISE É A GUERRA, 2


O PERIGO DA CRISE É A GUERRA, 2

ROGEL SAMUEL


No mundo arcaico, a destruição da violência e a sobrevivência da sociedade eram tarefa da guerra. A transcendência da razão, em lugar de eliminar a violência, define a violência como o mal, e confisca a violência para que fique submetida ao controle do Estado. No mundo arcaico, a violência pura não tinha assim essas características de mal.
O mundo moderno instaurou um dualismo entre bem e mal, tentando o império do bem sobre a violência do mal. Este império do bem seria a violência sob o controle do Estado.
O mundo dualista só admite a violência como forma de exclusão racional da violência individual, através das instituições do Direito e da Justiça, através do militarismo.
O Bem passa a ser uma exclusão da violência de todos, destituída de todos, assumindo o Estado o papel de representante da violência coletiva. A fraqueza do mundo pós-moderno é não oferecer um espaço de legitimação da violência, assim como o impasse do final do Século XX foi a impossibilidade de um confronto entre os dois Impérios. A violência explodiu para dentro, ou para os lados.
A repressão da violência por parte do Estado, e por parte do Império, não a erradica, nem a libera. Acumulada, por parte do Estado ou do Império, a violência parece ainda mais ameaçadora.
Se o Bem é uma exclusão da violência, isso acaba funcionando em proveito da violência, pois o Bem não está excluído de usar a violência. A violência do Bem acaba transferindo o Bem para o outro lado, já que um Bem violento aparece.
A exclusão da vingança individual do mundo pós-moderno (transferida para o Direito), deixa aberto um perigoso espaço para a violência, que a moralidade racional não tem sabido neutralizar.
(Esse texto pertence a "A RECONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE DO GRANDE SERTÃO", tese de doutoramento de Rogel Samuel, 1983, inédita).

sábado, 11 de outubro de 2008

O perigo da crise é a guerra, 1

O perigo da crise é a guerra, 1


ROGEL SAMUEL

As crises econômicas geram as guerras. Uma guerra foi sempre a resposta dada às crises, às hiperinflações.
Ainda há o perigo da guerra? Nada sei, mas muito desconfio.
Foi uma crise que levou Hitler ao poder, e lhe deu tanto poder carismático.
A individuação na sociedade primitiva era fundada na fusão provocada pela festa. Neste sentido, a guerra participava da mesma natureza que tinha a festa. A guerra produzia a
unidade do grupo, com a característica de dirigir a violência destrutiva para fora.
A festa provocava a dissolução da violência “para dentro”. Um retorno à intimidade perdida.
A família, como concepção burguesa de organização da sociedade em núcleos familiares, mantinha viva a “biologia” da vida, presa à propriedade privada, mas o Estado moderno dissolveu os núcleos familiares.
O resultado da guerra antiga, para o vitorioso, era o consumo do escravo, como propriedade e coisa. O princípio do militarismo é a reversibilidade metódica da violência social para fora. E todo Estado considera seu vizinho um inimigo em potencial.
Chama-se Estado ao princípio da ordem racional que organiza um todo com a finalidade de sua própria sobrevivência.
O Estado moderno, apesar da globalização, como empresa, sempre vê o seu vizinho como um perigoso concorrente. Todo Estado sempre se prepara para a guerra. A guerra é a mãe do Estado. A idéia de dissolução das nacionalidades e do nacionalismo nasceu nas internacionais socialistas, que viram isto desde 1848. Mas o projeto de dissolução dos Estados nacionais, e do nacionalismo, hoje, ameaça com sinais de um Império Universal que está em crise.
O impasse do militarismo moderno reside na organização de um império que se tem de consolidar, econômica e universalmente. Se o problema do Estado é a existência de outro Estado nas suas fronteiras, o problema do Império é a existência de outro Império.
Os exércitos da Rússia e da China ainda são uma "ameaça".
(Esse texto pertence a "A RECONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE DO GRANDE SERTÃO", tese de doutoramento de Rogel Samuel, 1983, inédita).

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A cara da crise


A cara da crise


Rogel Samuel


Há uns meses, com o dólar despencando e ficando cada vez mais barato, um amigo economista me disse:

- Se eu tivesse dinheiro compraria tudo em dólar.

Ninguém acreditava.

- O problema é como guardar dólar em casa, concluiu.

Essa crise ainda não mostrou bem o que é. A maioria dos americanos ainda nem se deu conta dela, pois pela Internet perguntei a um amigo meu americano se estava com medo da crise e ele, na maior calma, respondeu:

- Eu não tinha ações em bolsa...

É como quem diz: "Isso não é comigo".

Mas é. Tomara que ele esteja certo. Que seja apenas "crise de capitalistas".

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Está na hora de comprar

Está na hora de comprar


Rogel Samuel

Se eu fosse jovem e rico neste momento de crise econômica entraria comprando as ações que estão na baixa, baratas.
Contam que foi assim que Paul Getty se tornou num dos homens mais ricos do mundo. Ele já era rico, mas não tanto, durante a Grande Depressão. Mas depois sua fortura chegou a 50 bilhões de dólares com a Pacific Western Oil Corporation.
Seu pai não acreditava nele, que era um playboy, casado várias vezes. Por isso o deserdou, deixando somente 500 mil dólares de herança (dos 10 milhões que tinha). Mesmo assim Getty se fez um bilionário com esse dinheiro.
Há um pânico hoje nas bolsas, que desabam.
- Estou perdendo um Mercedes por dia, disse uma senhora rica a um amigo meu, corretor.
Muitos perderão suas fortunas. Mas alguns, espertos e pacientes, vão ganhar um oceano de riquezas.

domingo, 5 de outubro de 2008

THE AMAZON, 1


The Journey

Trad.

CHRISTOPHER SCHINDLER



There in the town of Patos in Pernambuco in front of everyone I don’t want to remember, we said our good-byes at the Gate in the first light of dawn on Christmas day 1897 - my mother and I. I never saw her again. I left with two changes of clothing in a suitcase tied up and sewn together and a stereoscope to look at views of Manaus, Belém, Paris, London, Vienna and St. Petersburg.
I rode along on a mule in a wool convoy through the Borborema and three days later I was in Timbauba de Mocós, head of the rail line, gathering place for cowboys from Paraíba and Rio Grande do Norte. There I boarded a train to Recife where I found lodgings in the Brum near the Lingueta wharf and stayed for five days before boarding the Alfredo bound for the Amazon. I was in my teens.
We traveled a whole day and awoke on the following at Cabedelo. The dock was filled with anxious people out to meet the fighting men from Canudos, Monte Santo e Favela, Travessia and Uauá. Spirits were high but there was also a lot of shrieking and tears. We did not linger there but went on to Natal where migrants fleeing from the Northeast were waiting for a boat to the Amazon country. Besides 500 soldiers of the Pará police, the entire 4th battalion of infantry returning from the War, without casualties, was already settled in the hold of the ship; so, in Fortaleza, Commandant Bezerra had to have a list read aloud of more than 600 souls done in by the dry spells of the Northeast, part of a steady migration since '79 to the Amazon because it had stopped raining. The ship in which not even a single crate of pigs would fit, accommodated that horde stinking of dust, sweat, manure and urine - hammocks crisscrossing - there was stealing, drinking, rapes, fighting, knifings and death. A father caught a guy by surprise with his daughter in a livestock stall and skinned him; another, drunk, pissed right on the floor where it trickled towards a crowd of people sleeping on the floor; on a chicken cage a man had taken off his gear and was resting under the light of a yellow oil-lamp full of flies. He was a soldier.
I was still in the hold when we passed the lighthouse at Acaraú and stopped in Amarração to get rid of a corpse, a prisoner and two passengers covered with smallpox. But we sailed right past Tutóia and arrived at the port of São Luís where the Alfredo was surrounded by small boats and dinghies transforming the water into a gigantic, floating market. They all climbed aboard: sellers of fried shrimp, sweets and fruit. What a wonderful journey it was! Then untied and dispached, the Alfredo continued her heavy navigation along the coast towards Belém and, as it was growing dark, we slowed down to let the sand pilot on. When the Alfredo crossed the estuary of the Amazon River, like a bush red-pepper, it penetrated the great river with binnacles lit as it was night and in spite of all covered with stars.
In Belém I stayed at the Two Nations’ Hotel (one of its owners was Portuguese, the other Spanish). As I had to wait a month for the Barão de Juruá bound for the Amazon, my money started to run out. I slept outdoors to save money for meals and I already owed the skipper for advancing me passage-fare.
Once embarked I would arrive in Manaus without hindrance after six days at eight miles an hour. Two days later we passed Boca do Purus and 5 days later the mouth of the Juruá. We traveled all day and all night. At the mouth of the Juruá the Solimões River is 12 km wide and birds unable to fly far (the trumpeter, curassow, cujubim) could not manage to cross it but died, tired and drowning, at the bottom of waves brushed with yellow from the headwind. In eight days’ travel on the Juruá we arrived at the Tarauacá River and docked at São Felipe, a nice, clean town of forty-five houses. Nine days later we entered the Jordão River from which point the Barão, because of its draft, could not continue. So we went on by canoe on the Bom Jardim Bayou. We paddled upriver and came to our end and destination, the point of our knot, the terminus, the final boundary, the farthest and innermost place on this terrestial orb – we finally got to Hell’s Bayou, the limit of the ends of the earth where we encountered the legendary, mythical and infinite Manixi rubber plantation wrapped in the weight of its fame and wonder – forty days after leaving Belém, three months and five days since leaving Patos.
But I didn’t mention that I had come to look for my brother Antonio and uncle Genaro who had been sent off to Manixi. No. They had been rubber tappers on the Jantiatuba for the Pixuna rubber plantation, 1,270 miles from the city of Manaus (where years later the Alfredo would shipwreck). They were staying along the Eiru river on a bend, almost a lake, really. From there they left on a barge, boat and canoe to the Gregorio river where they worked for Frenchmen. From there to the Mu, on to Paraná da Arrependida - free tappers that they were - they went up to where they say the son of Euclides da Cunha, who was a deputy, died in a tappers uprising. They traveled on to the Riozinho do Leonel, along the Tejo, Breu, the beautiful Corumbam Bayou – magnificent! – the Hudson, Paraná Pixuna, Moa, Juruá-mirim, up to the Paraná do Ouro Preto, entered the Amônea via the Paraná dos Numas, near the Paraná São João, then along a natural canal without name leading to an unknown place and there they met the boat that went to Hell’s Bayou. It left them in Manixi, in Acre, where they settled down, free tappers of the rubber plantation owner.
I confess (this whole book is a confession of my life) that I felt at that moment that Genaro and Antonio were longing to return to the brush country. The Amazon crisis was getting worse and conditions already were getting bad for tappers – so my brother and uncle fretting and wasting away in order to draw milk from the jungle for no gain.
Now when they saw me they couldn’t grasp what I was doing there. I emerged thin, overwhelmed under my curls of brown hair, forlorn, like an apparition, from a bench under the canopy of a shed (I remember a dark, stormy downpour, night lightning and the whistling of the wind). No, they didn’t recognize me (I was a witness to their fate), they were not overjoyed to see me, rather, they resented me. Hadn’t they left, quite young, more than ten years ago with the memory of a kid in bleach worn diapers? Didn’t they see me as the incarnate killer of their hopes, the bold headline of one more crisis coming to this part of the country upon more bad news, renewing a complaint which already had gone on so many years, scattering the family in all directions (people that I neither knew nor knew if they were still alive) – one went to São Paulo and became a soldier, another with muscular legs left suddenly for Belém returning later via Piauí passing through Serra Grande to Teresina, then via Maranhão to Goiás, a footloose ruffian he was, then climbing the Tocantins to Bahía where he finally disappeared and there was no news of him except that he ended up in the leprosary of Paricatuba (“I have faith in a man who eats and walks armed,” he told us the day he left. “It gives you muscle and guts. With a full stomach, a gun and knife at my side I can take on any kind of wild animal!”). The other, the oldest – ah! – was dying of hunger, exhausted, worn out, because he wouldn’t leave his old mother (she loved him most of all. She died two years after I left. She despised me; I know she hated me, cursed me on her deathbed). And our sister, pretty, captivating, the youngest - her husband left to work as a drover in Vila de Santa Rita to earn something to escape the hunger of the world while the brush country was peeling with drought; yes, our whole family, messed up and broken, as I later saw, left me all by myself to the horror of God.
So, they hadn’t said a word. They were withdrawn and I just sat there in the dark for a long while brushing off the rain from my tied-up suitcase, crying in desertion and solitude. I wanted to go back and not be there. I wished I hadn’t come. But I had no way back. And I never returned.
Slowly from the next day on, I began to do those necessary things like cooking, cleaning the hut, fishing, gathering fruit so I wouldn’t go hungry. And since I now owed the boss (whom I didn’t know), I had to start running, a prisoner of odd jobs, going along the trappers’ path with a small tin cup, doing the smoke curing with uricury, chips of cow tree and acabu, making my own rubber balls. The milk turned black at my touch. Farming and rubber tapping don’t mix? Produce what you eat? They told me nothing, taught me nothing, like they didn’t know I was there. And they didn’t talk to each other. They had become dumb animals – I don’t think they knew how to talk. They returned at dark, like worn-out monkeys, mute and dirty, they ate and they slept, stinking. At dawn, they were back on the trail; they moved mechanical as if by some internal wire contraption. I don’t know where or for what.
But I learned to cut the trees, cure the latex, pile up rubber balls with the pervasive sound of oily bubbling from the nudging dark waters of Hell’s Bayou (which I can still hear to this day and will keep hearing until the hour of my death in this end of nowhere).

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A Internet no Himalaia



A Internet no Himalaia

Rogel Samuel

Um dos meus blogs foi visitado pelo Butão, um país não só distante como belo. Tenho um livro de fotografias do Butão e suas montanhas e vales. É um reino nas cordilheiras do Himalaia. O visitante de meu blog foi em busca de uma foto. Certamente ele não conseguiria ler nada em português.
Mas lembro-me de um dia, estando eu no Nepal, mais precisamente naquele lugar onde se cremam os corpos na beira do rio, e que aparece no filme "O pequeno Buda", quando ouvi perto de mim a língua portuguesa. Era um casal de São Paulo.
Mas o Butão ainda é mais distante, mais secreto, mais frio, mais sagrado. Eu gostaria de rever aqueles lugares. Mas confesso que agora, aos 65 anos, já me pesa a idade. De Katmandhu se podem ver as montanhas altas e nevadas. Elas aparecem na linha do horizonte como num sonho. Estão lá, ao lado daqueles mosteiros, estupas e corvos. Muitos corvos. Muitos mendigos.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A crise e suas conseqüências


A crise e suas conseqüências

Rogel Samuel

O ideal do capitalismo, que nasceu do chamado mercado aberto, é conseguir o máximo de objetividade no mínimo de riscos, medo que nunca perdeu devido à característica inicial de jogo de que vivia o chamado mercado aberto. Foi por isso que o Renascimento experimentou uma época de tantos desastres e guerras.
Na raiz da crise atual do capitalismo está o fato de que ele deve gerar lucros sempre, de que ele deve crescer sempre, subir sempre. O capitalismo está condenado a crescer. Crescer ou morrer. Ele deixou de ser capitalismo de produção de bens de consumo para transformar-se em capitalismo (sob controle estatal) de produção de serviços (saúde, educação, treinamento, lazer e cultura). Além disso, o capital aumentou demais, gerando a volatilidade. O aumento da produção de serviços e a produtividade crescente, além da ameaça inflacionária (devido a demandas salariais e a crescente tendência ao aumento dos “funcionários” públicos que prestam serviços sociais), e a redução da capacidade competitiva dos Estados Unidos no mercado mundial são considerados as raízes da crise atual. Os conflitos políticos do futuro eclodiriam em torno de problemas de interesse público (produção de serviços), tais como saúde, educação, proteção ambiental, criminalidade etc. Mas isto tudo de modo diferente do Manifesto Comunista de 1848 e dos revolucionários estudantis de 1968. Na economia permanece a questão trabalhista. Mas não na sociologia e na cultura, nem na política. Neste sentido, as mudanças e os conflitos da sociedade pós-industrial representam uma mudança ideológica na atual sociedade ocidental.
O modo de produção capitalista adotou o sistema econômico racionalizado sob controle estatal a partir da Primeira Guerra Mundial, sob mecanismos reguladores, assegurando à produtividade do trabalho um progresso cada vez mais desenvolvido e um método de exploração de recursos, em que tudo é testado por aparelhos cada vez mais sofisticados e aperfeiçoados de tempos em tempos, criando assim a pesquisa industrial.
No mundo moderno, a saída se encontra na produtividade e suas conseqüências, tais como os sistemas de crédito e o planejamento. O que sustenta esse sistema de capitalismo avançado é o desejo de lucros, o aumento do capital das empresas, as investidas econômicas, o progresso de sucesso dos “melhores” e dos ‘‘maiores’’, a performance do lucro líquido, embora com a conseqüente e aparente distribuição pelo sistema de participação dos empregados das empresas. E onde até as chamadas políticas de interesse social nada mais são do que investimentos sociais, isto é, o sistema investe recursos nos homens e tal investimento, como qualquer outro, é uma atividade racional visando a um fim de retorno, igualmente financeiro, para aumentar a produtividade.
Os sistemas econômicos modernos foram beneficiados pela ciência estatística, para o fim de padronizar o grau de eficiência das empresas e para a previsão da relação correta entre o investimento, a produtividade e a lucratividade (lucro líquido sobre o faturamento da empresa), em que há estatísticas para tudo, principalmente para as taxas de crescimento comparativamente ao lucro, ao patrimônio investido e ao imobilizado com as instalações.
Essa tecnologia reguladora do sistema econômico assegurou ao capitalismo avançado um crescimento contínuo, embora pontuado de crises, através de novas estratégias, de novas tecnologias, de tal forma que a inovação foi institucionalizada como uma necessidade, para auto-regulação do próprio crescimento econômico, o que é totalmente o oposto das sociedades tradicionais. Essa inovação institucionalizada provoca um processo de modernização contínua, não significando que o sistema se modifique estruturalmente pelo novo, mas que sua estrutura dinâmica cresça e evolua com novas tendências e formulas de regulação, num movimento de expansão da atividade de racionalização, assumindo a forma legítima de dominação e de totalitarismo. E a isso corresponde o fim das sociedades tradicionais.
Diz Habermas que o “capitalismo se define por um modo de produção que não somente põe em problema como também o resolve”. A legitimação da sociedade capitalista não desce do céu, como na Idade Média, mas está estabelecida sobre a base do trabalho social. O sistema de dominação do mundo moderno está justificado, invocando-se a legitimação das relações de produção, onde o mecanismo econômico fica em permanente expansão, desde o subsistema de onde se originou e onde começou a crescer, a saber, o subsistema que era constituído pela organização racional visando a um fim específico dentro do sistema da sociedade tradicional . Agora, os sistemas de dominação estão adaptados as exigências de racionalidade.
A racionalidade “por baixo” significa a adaptação as condições da mudança comercial e aos novos modos de produção, a infra-estrutura social (o sistema escolar, por exemplo, as Forças Armadas, a família, isto é, uma urbanização das formas de vida).
A esta racionalização “por baixo”, corresponde uma racionalização “por alto”, a saber, trata-se de legitimar a dominação e orientar a ação.
A visão do mundo tradicional perde diante disto sua força e validade. São destituídos de valor os mitos, as religiões e as metafísicas justificativas. Em lugar disto, aparecem éticas e crenças subjetivas, que asseguram o caráter obrigatório da orientação moderna.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O Rolex de ouro

Rogel Samuel

Dr. Alberto era viúvo e aos 75 anos sentiu umas dores. Foi a um outro médico. O câncer era grave, delicado, disse-lhe o amigo, também médico. Alberto preparou tudo: sepultura, dividiu os bens entre os filhos e resolveu se dar um presente com o dinheiro que sobrou: um Rolex de ouro maciço. Até a pulseira era de ouro. Quando morresse, deveria ser enterrado com ele. Os filhos nada disseram, mas se entreolharam, ressabiados. Para não sentir dores, Alberto passou a aplicar-se doses mínimas de morfina. Com o agravamento do quadro, as doses foram aumentando, de modo que ele ficava desacordado. Mas não tirava o Rolex do braço. O tratamento prosseguiu por alguns meses: quimioterapia e outras violências. Com o tempo, o câncer foi regredindo e debelado. Alberto não morreu. Ficou o Rolex.