domingo, 29 de março de 2009

O Liszt de Christopher Schindler















O Liszt de Christopher Schindler

Rogel Samuel

Talvez seja um dos seus melhores CDS, esse "Liszt", de Christopher Schindler. Pode ser integralmente baixado ou mesmo ouvido em parte em

http://christopherschindler.net/default.aspx



A capa é de sua mulher, a artista plástica Christine Zachary.

http://dailyartchronicle.blogspot.com/




Christopher Schindler já gravou Cláudio Santoro, Bartok, Shostakovich, Gershwin, Mozart,
Beethoven, Rachmaninoff. Foi finalista no Villa-Lobos Piano Competition no Rio de Janeiro e tocou a Sonata Dante de Liszt em Bellagio, Italy, em recital patrocinado pela Fundação Rockefeller. Ele foi pianista do Oregon Ballet Theatre's Rhapsody in Blue e apareceu em dois dois pianos na produção de My Fair Lady, in 2005, produzida no Portland Center Stage e no Dallas Theater Center.
Christopher Schindler nasceu em Everett Washington e começou seus estudos musicais
com nove anos. Com 13 anos tocou com a Everett Symphony. Ele tem Mestrado pela
University of Washington e Doutorado em Arte Musical pela University of Oregon.
Foi professor na Marylhurst University e conferencista.
Solista com várias orquestras, como Seattle Philharmonic, Everett Symphony, Vancouver Symphony, Columbia Symphony, Yaquina Chamber Orchestra and University of Oregon Symphony. Medalha de Ouro no International Piano Recording Competition of Fort Worth in 1978.
Seu CD,” Anthology: Early Live Performances”, tem música de Bach, Mozart, Schoenberg, e
Schubert. Foi aluno de Joyce Ways, Randolph Hokanson, Neal O'Doan, Marlene Thal, Bela Nagy e de Karl Ulrich Schnabel, filho do famoso Artur Schnabel, um dos maiores pianistas de
todos os tempo.

Você pode baixar o CD LISZT por apenas 9,99 US.

sábado, 28 de março de 2009

José Martí



Jose Martí

Rogel Samuel


Famoso e pequenino poema o do cubano José Marti (1853–1895), por nós todos amado como o poeta da revolucionária rosa branca da paz:

Cultivo uma rosa branca,
em julho como em janeiro,
para o amigo sincero
que me dá sua mão franca.

Para o cruel que me arranca
o coração com que vivo,
cardo nem urtiga cultivo:
cultivo uma rosa branca.

Poeta da paz, marxista à sua maneira, amado em Cuba. Martí foi preso, condenado a trabalhos forçados. Sua saúde ficou abalada na prisão. Foi deportado. Morou na Espanha e em Nova Iorque. Funda o Partido Revolucionário Cubano. Martí morreu lutando na revolução de libertação de Cuba. Um intelectual fecundo, para ele "a melhor maneirade ser livre é ser culto.


sexta-feira, 27 de março de 2009

Passagem para a Índia

Passagem para a Índia

Rogel Samuel

No aeroporto de Nova Dheli, em dezembro de 92, vivi uma experiência de horror. À caminho de Kathmandu, com 3 malas (2 eram do Lama que estivera conosco, no Rio, cheia de livros), ia embarcar no dia seguinte, cedo.
- O Sr. não pode pernoitar no aeroporto, disse-me um policial, expulsando-ne.
Acabei na rua!
Depois descobri um salão externo, para onde se subia por um elevador que dava direto na rua. Mas toda vez que eu tentava subir por ali, um grupo de jovens com cara de quem iam assaltar entrava junto e eu saía.
Veio um outro policial que me ajudou, pois à vista dele os jovens sumiram.
Acima tentei ir ao banheiro. Tive de pedir a umas garotas americanas que guardassem minhas malas. Uma lagoa de urina no chão.
Havia pedintes dentro daquela área do aeroporto!
Depois descobri que havia uma área vip, com restaurante de luxo. Mas só deu para tomar um chá, logo o meu vôo chegou.
Se for à India não leve bagagem.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Onde andará o poema?

Rogel Samuel


Estou numa Lan-house, um pouco quente, e vim ao blog para dar conta de uma coisa: minha postagem diária.

Rubem Braga produzia suas melhores crônicas quando não tinha assunto. Ele era o mestre. Um dia entrou pela manhã, bêbado, na nossa faculdade de letras. Entrou na biblioteca, falava alto.

- Vocês têm meus livros? gritou.

Ivete, a diretora da Biblioteca, mandou que os serventes expulsassem aquele bêbado.

- Mas é o Rubem Braga, dissemos.

E fizemos uma roda em torno dele e ele falou de sua vida particular, íntima, desabafou, quase chorou, contou coisas que não se podem publicar.

Quando eu o chamei de Embaixador, ele se irritou. Ele tinha sido Embaixador do Brasil, recente.

No fim apaixonou-se por nossa colega e minha amiga até hoje, Maria Alice Capucci, que é uma loura belíssima.

Escreveu um poema para ela. Onde andará o poema?

domingo, 22 de março de 2009

A última hora



A última hora

Rogel Samuel


Lembra Thich Nhat Hanh que no romance “O estrangeiro”, de Andre Camus há um personagem que vivia como um homem morto. Estava condenado à morte. Era um assassino.

Mas na prisão ele teve a consciência da passagem do tempo, ele despertou para o
momento que passa, pois eram seus últimos momentos de vida.

O seu mestre foi uma pequena janela acima de sua cabeça por onde ele podia ver um
pedaço de céu. Do céu azul. E devido aquele céu azul ele se iluminou, isto é,
teve a percepção do presente.

Mas ele só despertou para isso dois dias antes de sua morte. Mesmo assim ele resolveu
viver aqueles seus dois últimos dias de maneira muito profunda e intensa.

Então ele descobriu uma coisa fantástica: ele tinha vivido até então como um homem morto, com um morto vivo, como quem estivesse dormindo, e só agora ele acordava!

Ele descobriu isso dois dias antes de morrer.

Antes da execução ele recebeu a visita do padre. O padre queria salvá-lo.
Mas ele não aceitou, porque ele viu que estava mais desperto do que o padre.
E pediu que o padre se retirasse para que ele pudesse viver aquela sua última hora de modo profundo.


http://odomadordamontanha.blogspot.com/2009/01/thich-nhat-hanh.html

sábado, 21 de março de 2009

A semana



A semana

Rogel Samuel (Foto de R. Samuel)

Primeiro escrevi algo triste. Sobre a morte. Meu predileto tema. Depois mudei. Rasguei a fantasia. É certo que ela morreu naqueles dias. Eu deveria pranteá-la? Mas sua morte não me fez triste. Com a placidez, a calma com que experimentou a vida, ela morreu. Ela nunca nos passou tristeza.

A semana sim. A vida também. O tempo. A crise. Há tempos, escrevi um poemazinho ordinário, que diz: "Que é viver? / permanecer / ou passar?" Não continua, a vida. Nem se demora, a morte. Não há se não a permanência da inconstância, transitória. Nem estou aqui para a filosofia barata de domingo. A semana passou, na velocidade do seu nada, do seu vácuo.

Grossas correntes, pesadas, a morte que me faz libertar das grossas correntes. Viver plenamente a felicidade do dia presente, por que não sei se amanhã acordarei. "Vaidade das vaidades, tudo é correr atrás do vento". A vida é vento. Instilou a vida um sopro no nariz do boneco de barro que foi Adão. A vida é oxigênio. Nos planetas sem oxigênio haverá vida? Nós nos estafamos, em vão. "Ai palavras, ides no vento".

Em Long Beach, demos uma pequena caminhada a pé pela praia. Meus amigos Vitrolinha e Nenen tinham saudade de Copacabana. Do calor das águas. Almoçamos no famoso Crocodile Cafe. Mais bela é Malibu. Conheci toda aquela costa, de Malibu a Dana Point.

Vitrolinha, minha amiga de infância, tinha uma tia chamada Lula. Tia Lula era muito minha amiga. Magra, sorria. Morava no Bairro do Céu. Sem brincadeira, Manaus tinha o Bairro do Céu. Tia Lula morava na Boa Sorte. Era o nome da rua. Ninguém dizia: Rua. Só Boa Sorte. "Onde mora?" - "Moro na Boa Sorte"; ou: "No céu".

sexta-feira, 20 de março de 2009

A terceira Ode de Horácio


A terceira Ode de Horácio

Rogel Samuel


O inicio da Ode III de Horacio assim traduzimos e nos diz:

Para a nave que leva Virgilio


Nave, que leva Virgilio, você leva
A metade de minha alma.
Por isso peço à amorosa deusa
de Chipre e ao pai dos ventos
que o restituam a salvo
para as areias Áticas
Como fizeram aos irmãos da bela Helena,
brilhantes astros.


O seguimento da ode é de difícil e trabalhosa tradução. Faz uma reflexão sobre os perigos do mar.

Minha primeira professora de latim na Faculdade foi Z. Autran. Na época havia latim no
vestibular. Não me lembro como se escrevia seu primeiro nome. Era tia de Paulo Autran.

Certa vez ficamos dias reunidos para traduzir uma Ode horaciana. O texto não fazia sentido.

Nunca estudei tanto quanto naquele tempo o latim.

Mas eu era burro mesmo e tinha péssima memória.

Meu professor de latim no Vestibular foi Antonio Pio. Um verdadeiro gênio. Lia no original
o texto latino como quem lê português. Anos depois foi professor da Universidade mas
aposentou-se cedo, vítima de doença misteriosa. Voltou para Franca, SP, e nunca mais o vimos.

Depois de dias de luta com uma estrofe de Horácio, recorremos a ele. E ele, como quem toma um
jornal, deu uma olhadela nos versos e logo disse:

- Não dá sentido porque esta palavra aqui não é latina, mas grega. E imediatamente nos
dava a tradução.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Tiradentes


Tiradentes

Rogel Samuel

Cidade parada no tempo. Cidade de poucas pessoas. Em cada esquina uma pousada, uma loja de móveis e antiguidades. Minha amiga X. quer que eu venha morar aqui. Não consigo. Escrevo numa Lan-house. Na pousada a TV não está funcionando, nem a Internet. Estou em paz, fora do tempo, das notícias, dos terrores e dos assaltos. Não sei o que se passa no mundo, senão vagamente. Em lugar do calor carioca há um friozinho pela madrugada. O mundo aqui parou.

Haverá pouca coisa a esquecer:
O vôo dos corvos,
Uma rua molhada,
O modo do vento soprar,
O nascer da lua, o pôr-do-sol,
Três palavras que o mundo sabe,
Pouca coisa a esquecer.

Será bem fácil esquecer.
A chuva pinga
Na argila rasa
E lava lábios,
Olhos e cérebro.
A chuva pinga na argila rasa.

A chuva mansa lavará tudo:
O vôo dos corvos,
O modo do vento soprar,
O nascer da lua, o pôr-do-sol.
Lavará tudo, até chegar
Aos duros ossos desnudados,
E os ossos, os ossos esquecem.


Archibald McLeish

Tradução de Manuel Bandeira

terça-feira, 17 de março de 2009

Ó virgens que passai, ao Sol-poente


Ó VIRGENS QUE PASSAI AO SOL POENTE

Rogel Samuel



É assim que diz o famoso soneto de Antonio Nobre:

Ó virgens que passai, ao Sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente,
Que me transporte ao meu perdido Lar.

Cantai-me, nessa voz onipotente,
O Sol que tomba, aureolando o Mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a Graça, a formosura, o luar!

Cantai! cantai as límpidas cantigas!
Das ruína do meu lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas

Que eu vi morrer num sonho, como um ai...
Ó suaves e frescas raparigas,
Adormecei-me nessa voz... Cantai!


Antônio Nobre é poeta simbolista, portanto no seu famoso soneto, o «sol-poente» nos deve remeter a «algo», deve escamotear o sentido, para alguma outra natureza, esconde o que diz.
Não seria a velhice, pois o poeta morreu jovem, com 33 anos, em 1900.
Talvez as virgens, úberes, fartas de potencialidades, a ser fecundadas na «fartura da seara reluzente», gozosas, obreiras dessa tarde, desejantes, grávidas de prazeres, vitalidades...
Mas, por que «o sol poente»?
Por que não o despertar, o meio-dia, o pleno sol da tarde?
E, sendo «poente», por que «ardente»?
E sendo «ardente», por que tomba, por que cadente, no meio dessa seara reluzente?
E se «virgens», por que «o vinho, a Graça, a formosura, o luar!»
Sim, que de mistérios vive a poesia.
Engana o/a leitora, engana-se o/a leitora, que pensa estar, apenas, o sujeito do poema lastimando o seu «perdido lar», as suas «ilusões antigas», as ruínas do seu lar.
Sim, é certo.
Certo, certo de que tudo isso é assim, também.
E o que o poeta Nobre não se deve confundir com a pessoa Nobre.
O «personagem» do poema pode ser um velho.
Mas velho possante («O Sol que tomba, aureolando o Mar»), rico de vida, de vitalidade («A fartura da seara reluzente»).
A força, a beleza do poema reside no contraste: «suaves e frescas raparigas» X «ruína do meu lar».
E sua canção é o hino que desperta «todas aquelas ilusões antigas».
A oposição e o sentido está nas belas rimas poente-ardente, cantar-lar, onipotente-reluzente, mar-luar, cantigas-raparigas, desaterrai-cantai.
São rimas significativas, verdadeiras pontes de significação, irradiam sentidos.
Sim.
Sim, tudo isso «eu vi morrer», de súbito, sim, o lar despedaçado.
E o poeta precisa morrer, dormir, esquecer, fugir daquelas lembranças do passado familiar, feliz, longe daquelas «estradas ermas», lar que era «sol», «mar»,

A fartura da seara reluzente,
O vinho, a Graça, a formosura, o luar!

O poema se encontra consigo mesmo. No fim.
Toda a fantasia da dança feminina, ao cair da tarde, seus cantos, suas suavidades reluzentes no conjunto desses evocativos versos.
Afinal são fantásticos dias de infância recuperados ao sol poente. Na voz daquelas raparigas virgens, que passam, como passaram as vozes familiares das mulheres da infância, das irmãs, mães tias avós que passaram todas pela estrada.
O lar é isso. Conjunto de pessoas.
Não lar-casa. Mas grupo familiar.
Ó Primas e Irmãs, ó virgens, cantai! Esta é a canção. O poema envolve sonoridade corredia: é poema para ler lido alto, em voz alta.
Poesia alta, graça, frescura, leveza. Aureolando o Mar, límpidas cantigas.
Fartura do canto daquelas ilusões antigas de um passado, das lembranças da infância do seu perdido lar.

James Langston Hughes

TRECHO DA ESTREVISTA QUE NOS SURPREENDEU


TRECHO DA ESTREVISTA DA GRANDE POETA PORTUGUESA MARIA AZENHA EM 13/3/2009 QUE NOS SURPREENDEU:

Dílson Lages: Que escritores brasileiros a senhora já leu?
Maria Azenha: Dilson, cito de memória: Clarice Lispector, Andrade, Bandeira, Melo Neto, Adélia Prado, Rogel Samuel...

segunda-feira, 16 de março de 2009

Viagem



Viagem

Preparo-me para Manaus
em breve naquela sala
Aeronave não, ave
mergulho no passado.
Certas ruas, certas casas
Calçadas
pisadas pelos meus mortos.

Mas o rio Negro passa,
em silêncio ameaçador.
Me ameaça com sua mordaça.

(Rogel Samuel)

Felicidade


A felicidade não é um paraíso fechado, separado do mundo. É, ao mesmo tempo, a nascente e o oceano. DUGPA RINPOCHÊ

domingo, 15 de março de 2009

Quiromancia



Quiromancia

Rogel Samuel

Jefferson Bessa escreveu:

Quiromancia

abro as linhas das mãos
e vejo o instante
das estreitas linhas
das nuvens com o céu:
assim se abrem
os brancos e as linhas
destes versos



Nas linhas de suas mãos estão as quilhas das suas naves, das aves que voam no seu rumo, no céu está escrito com que e com quem você deve navegar, viajar, as linhas finas de seus versos. A Quiromancia interpreta o presente onde está o horizonte do futuro e o eco do passado, a estrutura do viver. Ali está inscrita e subscrita a vida, a forma do destino, o perfil das nuvens do céu, as linhas e os detalhes das curvas da vida, da sorte, do caráter, da personalidade e do amor. Somos escritos nas estrelas das palmas de nossas mãos, estamos nas palmas daquela entidade, daquela divindade que nos contém e nos escreve.

Nossos segredos estão desenhados nas finas linhas de cada mão, na mão que segura a mão, que transmite a outra mão o seu ter e o seu teor, pois, como escreveu Rosa no Grande Sertão, o que a mão diz a outra mão é o curto, na adivinhação das carícias e segredos através da interpretação das linhas das mãos e dos poemas, que revelam o destino, a sorte da poesia, da fantasia do Passado, Presente e Futuro. Ali registrados estão no formato de linhas de um caderno vivo da carne quente das mãos que se acariciam, que determinam, os nossos estados de consciência.

Palmistry é o estudo das características da poética, a temperatura da música dos nossos versos.

A biblioteca de Hitler



A biblioteca de Hitler

Rogel Samuel


Muitos autodidatas se fizeram pelo esforço de ler. Kaganovitch, filho de sapateiro, era grande leitor e foi o autor do primeiro plano qüinqüenal soviético e braço direito de Stalin. Mussolini era filho de ferreiro, Stalin filho de sapateiro, Hitler filho de pequeno funcionário e todos venceram pela leitura. Philip Snowden era filho de um ferreiro, caiu de um andaime e ficou muitos anos entrevado e para não sucumbir à solidão passou a ler intensamente. Aos 18 anos já tinha uma cultura impressionante, voltou a andar e acabou, graças à sua erudição, chefe do Partido Trabalhista inglês e anos depois chegou ao poder. Também Lincoln não freqüentou escola.
Isso vem à mente ao saber do livro de Timothy W. Ryback (Knopf; $25.95), A biblioteca privada de Hitler.
Hitler tinha 16 mil livros e lia um livro por noite e possuía as obras completas de Shakespeare.
Ele era um grande ator dramático: "Hitler entra em um corredor", escreve uma testemunha, "cheira o ar durante um minuto, procura no escuro , sente a atmosfera, de repente explode as palavras que vão como uma seta para seu objetivo, atingindo cada ferida privada , liberando a massa inconsciente, expressando as aspirações mais íntimas, e atingindo o que a maioria dos desejos quer ouvir."

sábado, 14 de março de 2009

Keats









Keats

Rogel Samuel

Leio em Torre de papel, de Eduardo Frieiro, que as obras de Keats receberam as piores críticas. O grande poeta romântico inglês foi ridicularizado pela Quarterly Review, onde J. Lockhard se referiu a ele como um certo boticário que deveria voltar às sangrias, poções, emplastros e purgantes. Ele era farmacêutico. E realmente Keats abandonou a poesia para cuidar de seu irmão gravemente enfermo... Sua poesia não lhe ofereceu nada, nem fama, nem alegria, nem reconhecimento. “Padeceu fome e finou-se de tuberculose em Roma, aos vinte e cinco anos de idade“, diz Frieiro. Como seu amigo Chatterton, a quem dedicou o Endymion, morreu “de incompreensão e desdém”. Segundo Lord Byron a Quarterly Review” o matou.
Ele escreveu pouco, por pouco tempo, só três anos, de 1816 a 1819. Foram 150 poemas. Os mais famosos foram escritos em nove meses, de janeiro a setembro de 1819. Nasceu em Londres, em 1795 e morreu em Roma, em 1821.
Produziu belos poemas, como a Ode à melancolia, de que ouso traduzir livremente a última estrofe:

Ela mora com a Beleza - Beleza que tem que morrer;
E a Alegria, cuja mão já está em seus lábios
Em despedida; e perto do dolorido Prazer,
Bebendo veneno enquanto bebe os favos de mel:
Sim, no mesmo templo de Delícia
O véu da Melancolia tem seu santuário soberano.
A alma dele provará a tristeza do seu poder,

E estará entre os seus troféus nublados pendurados.

sexta-feira, 13 de março de 2009

ENTREVISTA COM MARIA AZENHA


ENTREVISTA COM MARIA AZENHA




Sessão do Dia
13/03/2009 15:58

http://www.dilsonlages.com.br/home.asp

Moderador Entre-textos: Boa tarde! A partir de agora você conversa com a poetisa portuguesa Maria Azenha.
Data 13/3/2009 15:58:30
Dílson Lages: Escritora, como ocorre seu processo de escritura poética?
Data 13/3/2009 16:00:10
Hanah: Maria Azenha, reescreve muito os seus poemas? Em caso afirmativo ao fazê-lo, sente o processo de depuração da sua linguagem poética?
Data 13/3/2009 16:22:19
Maria Azenha: Boa tarde, Hanah. Tenho trabalhado muito nesse sentido.
Data 13/3/2009 16:23:41
Maria Azenha: Como se procurasse um segredo tão escondido,que o revelaria em dois ou 3 versos
Data 13/3/2009 16:25:13
Dílson Lages: Boa tarde, escritora, vou repetir pergunta que fiz antes de sua entrada na sala. Como ocorre seu processo de escritura poética?
Data 13/3/2009 16:28:40
Maria Azenha: DDistinguiria 3 tempos:antes, no momento da revelação,e a leitura em voz alta do que foi escrito...
Data 13/3/2009 16:30:14
Maria Azenha: Purificando a matéria das palavras chego à audição subtil do Som primordial
Data 13/3/2009 16:31:42
Dílson Lages: Sua poesia concilia conceitos e imagens, como se houvesse uma permanente ´tentativa de fazer filosofia. Para a escritora, poesia é mais imagem? Ou mais filosofia?
Data 13/3/2009 16:32:08
Patrícia: Qual poetas Maria Azenha mais leu?
Data 13/3/2009 16:35:51
Maria Azenha: A Imagem é fundamental desde que carregada de filosofia, embora sem filosofar A imagem é importante desde que carregada de ideias de sabedoria... A Imagem é muito importante,a filosofia é para quem a descodificar...
Data 13/3/2009 16:35:52
Maria Azenha: A Imagem é fundamental desde que carregada de filosofia, embora sem filosofar A imagem é importante desde que carregada de ideias de sabedoria... A Imagem é muito importante,a filosofia é para quem a descodificar...
Data 13/3/2009 16:35:52
Patrícia: Vejo a paisagem de Portugal fluir em seus versos. Portugal é para a poetisa poesia?
Data 13/3/2009 16:37:54
Maria Azenha: Herberto Helder,Pessoa,Luiza NETO jorge...e tantos!
Data 13/3/2009 16:38:55
Maria Azenha: Portugal profundo é o mistério do Ser,por isso tão cheio de mar e sol e a poesia que isso implica... Portugal profundo é Poesia!
Data 13/3/2009 16:40:59
Patrícia: A senhora utiliza a internet para divulgar a poesia. A tecnologia é hoje uma grande aliada da literatura?
Data 13/3/2009 16:44:50
Maria Azenha: é um dos meios que utilizo,grande aliada de de facto.Não me confino a essa forma.
Data 13/3/2009 16:46:39
Maria Azenha: penso que a Poesia deve ser revelada em diferentes suportes
Data 13/3/2009 16:47:34
Maria Azenha: Como diz Augusto de Campos:A poeisa é uma família de dispersa de náufragos bracejando no tempo e no espaço"...
Data 13/3/2009 16:51:05
Dílson Lages: Ouvi atentamente o maravilhoso cd que recebi como cortesia sua. Que outros suportes além da internet e do cd, a poetisa utiliza em sua criação?
Data 13/3/2009 16:51:50
Maria Azenha: suportes plásticos, refiro-me à pintura,canto,por vezes,fotografia,vídeos...
Data 13/3/2009 16:54:09
Dílson Lages: Aproveito o ensejo também para agradecer o belo presente que foi o cd. Estamos preparando a divulgação intensa dele quando estrear a TV Entretextos.
Data 13/3/2009 16:54:30
Maria Azenha: desde já dou os parabéns!e agradeço a vossa amabilidade em estar hoje aqui convosco
Data 13/3/2009 16:55:56
Dílson Lages: Em uma de suas entrevista, a senhora faz alusão ao diálogo que estabelece entre artes plásticas e poesia. É possível tecer seu ponto de vista sobre essa relação?
Data 13/3/2009 16:56:25
José Carvalho: Boa Tarde Maria Azenha, lembrando-me dos seus últimos poemas que li no seu website o "Bosque Azul", pergunto, se concorda, que a sua poesia é um espaço de comunhão com o cosmos e a terra? Cito: "as nuvens estão juntando o céu aos bocad
Data 13/3/2009 16:57:09
Maria Azenha: a poesia sem partilha reduz-se a um deserto estéril
Data 13/3/2009 16:57:10
Carlos Vitor: Onde colhe suas reservas poéticas? Parece que o cotidiano é a grande matéria prima de sua literatura...
Data 13/3/2009 16:57:51
José Carvalho: (cont.) "Cito: "as nuvens estão juntando o céu aos bocados/ nas montanhas está escondido o puro ouro…"
Data 13/3/2009 16:58:17
Maria Azenha: Diria que a pintura é poesia animada de cor, plano,transfigurada pela emoção dos objectos nela presentes
Data 13/3/2009 16:58:26
Maria Azenha: J.C.-como disse Bloom-a poesia é a coroa da literatura da Imaginação...
Data 13/3/2009 17:00:23
Maria Azenha: Carlos vítor- assim parece ser também,mas cada poema jamais permanece o mesmo assim como os objectos do cotidiano
Data 13/3/2009 17:03:24
Dílson Lages: Que escritores brasileiros a senhora já leu?
Data 13/3/2009 17:05:29
José Carvalho: Como foi, ou como é, para a poeta dar voz à sua própria poesia, refiro-me ao Cd "O Mar Atinge-nos".
Data 13/3/2009 17:06:03
Maria Azenha: ...é o da Voz oum misterioso momento onde vejo no reflex
Data 13/3/2009 17:08:31
Carlos Vitor: Há um quê de misticismo, de sublimação em sua poesia? É possível explicar de onde nasce isso?
Data 13/3/2009 17:10:46
Maria Azenha: no reflexo dos sons a poesia -guitarra
Data 13/3/2009 17:12:11
Maria Azenha: Dilson. cito de memória:Clarice Lispector,Andrade,bandeira,,Melo Neto, adélia prado, Rogel samuel...
Data 13/3/2009 17:13:15
Patrícia: Qual resposta sua obra tem recebido do Brasil e de brasileiros?
Data 13/3/2009 17:13:20
Maria Azenha: Carlos vítor-se nasce , nasceu comigo desde que me conheço como ser existencial...talvez haja essa sublimação através de um místico sentido da Vida
Data 13/3/2009 17:14:42
Maria Azenha: tenho sido acolhida com muita emoção e agrado. Em tempos disse poemas no teatro Municipal de s. Paulo a propósito de pessoa. e fomos muito ouvidos...
Data 13/3/2009 17:16:05
Maria Azenha: foi uma experiência muito forte
Data 13/3/2009 17:16:58
Maria Azenha:
Data 13/3/2009 17:17:59
José Carvalho: Maria Azenha, tem heterónimo ou heterónimos?
Data 13/3/2009 17:18:06
Maria Azenha: é uma pergunta curiosa...
Data 13/3/2009 17:18:57
Maria Azenha: se a função da Poesia for despertar-nos do nosso sono de morte para um sentido mais abrangente da Vida, então é preciso dar vozes e personalidades várias à Voz
Data 13/3/2009 17:20:28
Patrícia: Qual imagem, já que sua poesia, as valoriza tanto, é mais obsessiva em sua poesia?
Data 13/3/2009 17:20:44
Maria Azenha: pode explicar-se melhor?
Data 13/3/2009 17:22:47
Patrícia: Qual analogia se repete mais em seus versos
Data 13/3/2009 17:25:55
Maria Azenha: a refer~encia aos espelhos é quase obsessiva...o homem tem uma visão fragmentada da Realidade...os heterónimos são espelhos...
Data 13/3/2009 17:26:20
Maria Azenha: a água , a mulher, os frutos ,
Data 13/3/2009 17:27:36
Dílson Lages: Azenha, o exercício do magistério de alguma forma contribuiu para o exercício da poesia?
Data 13/3/2009 17:28:05
Maria Azenha: sem dúvida,pela disciplina métrica da matemática e pela sua porta de probabilidades...
Data 13/3/2009 17:29:20
Maria Azenha: não esqueço que passei os últimos anos de magistério em contacto com alunos de Artes
Data 13/3/2009 17:30:04
Dílson Lages: Hoje, o que produz Maria Azenha?
Data 13/3/2009 17:30:52
Maria Azenha: Hoje voltei, mais acentuadamente, à posição de Aluna do Universo!Poeisa...poesia...poesia em todos os momentos...sou quase obsessiva em descobrir no Sil~encio o que lá vibra...
Data 13/3/2009 17:32:26
Moderador Entre-textos: Agradecemos a escritora Maria Azenha e a todos que participaram do bate-papo. E colocamos o espaço a disposição da escritora para as palavras finais...
Data 13/3/2009 17:32:50
Maria Azenha: quero agradecer a Profes. Dilson Lages esta possibilidade de comunicarmos, aos que se fizeram presentes com suas questões e que a todos nunca falte o pão sagrado da Poesia!
Data 13/3/2009 17:35:16
Moderador Entre-textos: O Portal Entretextos é quem agradece. Boa noite, Portugal! Boa tarde, Brasil!
Data 13/3/2009 17:36:07
Maria Azenha: Boa noite, brasil! Boa noite portugal1
Data 13/3/2009 17:37:29

O verão, o vento




O verão, o vento


Rogel Samuel


Chega o verão e continua, mormaço e cansaço, chuvas tardias, cai o sol, cai na alma, verão de ventos velozes, de mar sujo.
Não é o amazônico do grande Bacellar que diz:

No livre azul o sossegado vento
lívido sonha linhas de escultura
que moldará nas nuvens no momento
de apascentá-las pela tarde pura.

Luiz Bacellar nos fala sempre quando vejo esse azul livre da tarde pura de livre azul. De nuvens e de tardes. Verão inania verba de Bilac:

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
..................................................................
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?

Hoje sofro o verão. Passo pelo mar distante, vestido. Mas um fio de esperança perfumada me fez ficar, perder-me. Naquele limite da linha do horizonte me firmo. Que sonhos trará esse fim de verão, com os seus mornos dedos azuis? Passa a brisa...

Num arrepio de pressentimento
o ruflo de asa risca na brancura,
o sol arranca brilhos do cimento
do muro novo, a folha cai. Madura.
Todo verão proclama: a tarde limpa,
esmaltada de claro; pela grimpa
do morro verde a cabra lenta vai...
A luz resvala na amplidão sonora.
Por que senti roçar-me a face agora
um beijo, um frêmito, um suspiro, um ai?
(Continua o soneto de verão, Bacellar).

Sim, o verão do Rio difere em sua luz. Sua amplidão. Sem os muros claros de Olinda. O cimento caiado, de Cabral. Reflete o branco o sol, o lento sol. E à noite as estrelas inquietas, como as ilhas do verão de Fernando Pessoa, que sonhou com nossas margens, com nossas antilhas...

Evoca estrelas sobre a noite estar
Em afastados céus o pórtico ido...
E em palmares de Antilhas entrevistas
Através de, com mãos eis apartados
Os sonhos, cortinados de ametistas,

Sim, a transparente solidão do ar, em ruído e em bando, o triunfo de pássaros no horizonte, cortinados de ametistas praias espalmadas palmares vistas entrevistas distantes diamantes o espaço imperfeito do amor. O ver verão. Asas sobre a praia, "Para onde vai a minha vida, e quem a leva?" (tece Pessoa:)

(Não tenho sentido,
Alma ou intenção...
Estou no meu olvido...
Dorme, coração...).

No Rio o verão ganha significado: a vida pulsa, sua, lateja. O verão mostra que o Rio está vivo... e eu quase me mudo para Tiradentes...

quinta-feira, 12 de março de 2009

Do poema Veludoso Coro de Rogel Samuel













Do poema Veludoso Coro de Rogel Samuel


Jefferson Bessa



Veludoso coro
Desta ameixeira
Quando pomos d’ouro
Cobrem a cumeeira
Sobre todos nós
Sua eletricidade
Melodioso foro
De felicidade.




No poema “Veludoso coro” de Rogel Samuel, algo está sobre nós: uma ameixeira. Submetemo-nos a ela para nos abrir a uma harmoniosa melodia, pois é sob ela que podemos deixar surgir uma vida em plenitude. O teto formado por ameixas nos cobre para além de uma submissão egoísta de inferioridade. Pelo contrário, na grande simplicidade de nos colocar sob a ameixeira a que nos convida o poeta está o que nos abre a uma energia suave e harmônica.

Tal energia exala do poema e dos frutos dourados que reluzem a felicidade: esta é a eletricidade sonora que desce aos homens. Ouvimos o canto da felicidade quando o poeta nos leva à ameixeira. Ela, que nos cobre, possui uma música de textura veludosa que possui o sentido de um canto sinestésico. É que pelo cruzamento sensorial simultâneo da visão, do tato e da audição temos o corpo aberto aos frutos que re-unem todos homens e o mundo.

Pela forte visualidade e movimento que o poema desperta, somos cobertos pelo poema que, como a ameixeira, sinaliza uma música táctil e visual. Sonoridade que levanta a felicidade para nos encobrir de uma claridade presente no tecido musical macio, feliz e simples da ameixeira.

terça-feira, 10 de março de 2009

OVIDIO: METAMORFOSES

OVIDIO: METAMORFOSES

Trad. livre R. Samuel

A MINHA ALMA CANTA
AS FORMAS TRANSFORMADAS EM OUTRAS FORMAS.
Ó DEUSES, INSPIRAI-ME!
POIS NÃO FOSTES VÓS, POR CERTO,
QUEM AS TRANSFORMOU?
MINHA OBRA E MEU CANTO
CONDUZI, ININTERRUPTO,
DESDE AS PRIMEIRAS ORIGENS
DESTE MUNDO
ATÉ A NOSSA ÉPOCA ATUAL.

Antes do mar, antes da terra e do céu
que tudo cobre
um só era o todo desta natureza
a que chamamos Caos,
massa rudimentar massa informe.
Nada senão seu próprio peso
sim, as coisas semeadas em discordes
montes, amontoadas sem nenhum ajuntamento.

Pois nenhum filho do Céu e da Terra
dava luz ao mundo. Nem Febo no horizonte
no nascente
reconstruía seus chifres,
nem a terra pendia do ar
que a envolvia em sustentáculo
vazio, em seu próprio peso,
nem mesmo a querida Anfitrite
(a virgem) estendia
seus braços pelos limites
daquelas terras.

Onde quer que houvesse o piso da terra
ali também havia o mar, havia o ar.
A terra instável, a onda inábil, o ar
privado daquela luminosidade.
Nada ali permanecia como era,
em sua forma própria, e uma coisa
se chocava às outras porque
num só corpo o frio lutava contra
o quente, o úmido com o seco,
o mole com o duro, o pesado
contra o sem peso algum.

segunda-feira, 9 de março de 2009

e eu bebo veneno pelos olhos


e eu bebo veneno pelos olhos
quando vejo a tua forma de partir
que ela se torna numa larva preta
a espuma do mar fervente em cada mão
o desiderato rumo dessa casa feita
a linha errada em cada palma, o não
estarmos à roda desfibrada estreita
limita o mar que nos fareja o cão.
distúrbio funcional, minha malignidade
espectro desse quarto quando um morto
vagueava entre vivos a nos aterrorizar
humores, forma aquosa, vítrea,
e cristalina capa de estampadas letras.
eras superfície, punção, a gata morta
no leva e traz das ondas da maré
marco divisório de teus passos.

(Bournemouth, UK, 19 de agosto de 2007)

Rogel Samuel

CANTARES, 1


CANTARES

Rogel Samuel

Canto primeiro



Decorrido o tempo a imagem dela
entre as pessoas da rua começa a linear-se
ou desaparecia ou próxima e inteira
como um coice se via a variada
aspergida dispersa sua figura
de tordo e metal desconhecido
enfurecia o comando deste povo
que habita diretamente todos nós
acelerava a parte e sobre a sarça obscura
certo da sua atitude disciplinar
amanhecia ainda e um mapa de cores
à disposição. Oh sinto-me levado
pela demonstração a coisa o folhear
porque mostrar é o meu único refúgio
e o meu desenlace transacto imposto tenso
nunca passava de róseo amarelo azul
nenhuma cor. As pernas estendidas sobre o
fundo, espero e fico como que mais surdo
às expectáveis palavras dos velozes
quem podia me reanimar: era sozinho
e ela faiscações rebrilhos Potestade
conseguia tocar os dedos transferidos
para outros compromissos plataforma
mais alta mais velada alada e aérea
fala fatalidade irmã da morte
quem se aformoseie e se transfere em quê
argila topográfica caminhada
caminhemos convictos, caminhemos
e sedimentares que ali não eram certos
de pálida derrota senão estava
dizer de cláusulas alfandegárias trapaceadas
oh irmãos da morte vigiai
as inúteis bandeiras abas leques
queimam gasolina controlada
computada pelos contornos senhoriais
arrendai-me oh grande queima verde
recém saída de altos fornos cerimoniosos
que pegando o tecido e examinando a cor
discutem entre si sacudindo os olhos
penduricalhos pingentes quedados
superiorizados pagos trepados: à tintura
o consolida moço de consciência
proletário pulsar dos pulsos que seguravam
nos sustentando famintos e opressores mitos
umas leves camadas de barro que se espoliavam
aos duros golpes do inimigo devotos
gaivotas gotas de Infinito acaso a morte
parda e morna e paliçada ardia
mas estando refrigeradas e atadas
eram pingentes constelações turbinas tubulares
que se aprofundavam em congelamentos e orgias
Era a guerra. Endereçadas populações marginais
nutrizes de servidiços trabalhos
a imitação - que é minha - sempre aberta
olhos elétricos candelabros enodoados
se apagavam em cores para a visão final
cadeirinhas carreiras tremulina dons
a placa de metal sobre o alto assoalho
sobretudo os altíssimos raios sacramentais
e contínuas marés de compridas nuvens
alvuras para que passemos sobre as suas
cabeças sensuais de não afago
mais que a trama o permitir e então
no frígido planeta estereotipado
sentido pintado o fim do mais querido
sonho, adeus, foi só um momento aquele
o tapume os jogadores o pólo verde
ainda entrevejo, débil coração
conexa a minha memória esgarçada
já vigiava o céu, velho e severo
céu que era pleno de estrelas assassinas
em baixo da minha pouca paliçada
o rol de meus amigos mortos aprisionados
camuflados traidores feitores dores
fugiam todos por um curso usual
1963, lembro era de tarde
- traspassada dividida, lentamente
andávamos através daquela rua
o lugar grave passos tardos convulsão
resumida o contato nossas mãos
- toque de dedos, rápido e desperto
eu não conseguia narrar, ó musa descoberta
evanescente irrecuperável ocorrendo
por onde passava inteiramente aberta
a presença frente a tela de cinema
e implantado aquilo não me era triste
pois tudo começou no dia lembro bem
quando acordei o teto do meu quarto
desmaiado vinha de amanhecer um outro
sol do outro lado do mundo, aberta a janela
labirinto abastardado claro suavíssimo
marítimo emanava aquele ponto horrível
horizonte que entrando um azulado
vento do mar oleava lembro-me das linhas
retas cruzes ruas úmida cidade indiferente
da quase madrugada que chegava a forte
perfeita aterradora ambígua assassina
as persianas que batendo viam
que desesperavam para a morte
a minha confiança e a minha lembrança
o aroma de café entrante o espaço lerdo
subia até ali. o esquecido, eu pensei:
devo amá-la. e olhei pela janela
na espera de encontrá-la: mas um grupo
policiais à paisana e eu... súbita felicidade
vinha da calma da praça em que estávamos
na borda daquela raça ela subiu pedestal
vazio frio cabeceira tanque retangular para o ar
sumiam seus braços seus brados espalmados
para o céu como voasse ameaçava
dizia que o vento intenso era sensual
recolhia para si própria aquele medo
e levava ao majestoso ao largo olhar
mar que soando forte aos nossos gritos
órgão a sua voz de meus cristais
a salsugem penetrava e da camisa
nua sobre seus cabelos ressoava
e entrando como por um túnel me atava
nadava me entristecia ainda mais
da sua essa passageira aparição demora
o momento montante o interior imensurável
os rápidos retardos que é para sempre
adormeciam e sinto espécie nova
um som um estilhaço longo momentos
de certeza inteiramente perdição
depois na praia ela se deitava
e se largava na areia matutina
e era suave aquela branca nua
visto de longe no mar era certeza
espécie de vedação alta azul e informe
as coisas se dissolviam em explosões
cristas e covas cintilações sonoras
luminosidades que a ela me contavam
naquele dia ela no convés da chuva
quase todo o tempo o ruído nascia
da ondulação das dobras das estrelas
esbeltas circulares e misteriosas
Nós dois. Nós dois ríamos muito
de face recebendo gélida chuva
gotas algumas da tarde e haviam dito
- ouvíamos som de gaivotas mares
que ela andava como um adorno multicor
ela se precipitava entre as coisas vivas
que depois os soldados invadiram
bombas rebentavam no meio da sala
não havia rádio nenhuma comunicação
eu ainda não passava de matar a esperança
amada e ela morta certamente
a porta da frente onde estávamos
talvez aberta talvez fechada rebentou
eu passava a mão sobre sua cintura
e mordia-a na nuca ternamente
a porta começava a chave introduzida
na fechadura como ainda me lembro a outra porta
bem defronte os azulejos brancos a pia branca
a geladeira branca e lá fora chovia e a clara voz
nos dizia que era o fim de tudo
e que ouviríamos certamente o nosso algoz
como para poder fugir para o fundo de nós mesmos
tomamos de súbito os sinais
e entravam e se apoderavam os policiais
de toda a casa que um dia tinha sido minha
jogamos o nosso conteúdo fora
e fomos engolidos pelo meu silêncio
fugimos dali. Aquele golpe vitorioso
nos deslocava para a clandestinidade
fomos nos ver numa estação suburbana
olhávamos a planície e estávamos sós
quase uma centena de esperados iam
no bojo do mesmo trem. Mesmo ali naquele isolamento
desmilitarizados passavam policiais e viaturas
e nós éramos distraídos vendedores
Val era linda. Palavras cheias de angústia
fome medo perdição: Que fazemos aqui? Para onde ir?
Novo grupo de policiais chegava
nas imediações campos de guerra
e a porta cedia a pancadas a invasão
começou. O garoto olhava espantado. E começava
a lavrar um incêndio.

O MORRO DO AMOR


O MORRO DO AMOR

Rogel Samuel

Coro dos Policiais: No dia 23 de outubro, a PM ocupa o Morro do Amor, no Lins.
Dois traficantes morrem.
Coro dos Justiceiros: 'Se eu falar as línguas de homens e anjos, mas não tiver amor, sou como bronze que soa, ou o tímpano que retine'. [Coríntios, I, 13,18].
Corifeu: No morro D. Cláudia entregou o filho de 16 anos à polícia.
Hierofante: 'E se eu possuir o dom da profecia, e conhecer todos os mistérios e toda a ciência e tiver tanta fé que chegue a transportar montanhas, mas não tiver o amor, nada sou'...
Coro das faveladas: - Diz, ó desvairada Cláudia, para onde estás indo, com teu filho pelo braço?
- Estou indo a levar o meu filho para os policiais...
Na delegacia, o menor confessa que matou o empresário X, de 65 anos, na madrugada de quinta-feira, em Copacabana.
Coro dos Justiceiros: 'E se eu repartir todos os meus bens entre os pobres e entregar meu corpo ao fogo, mas não tiver amor, nada disso me aproveita' (ibidem).
Grita o Coro das Faveladas:
- Ó Claudia, mulher enlouquecida de dor, aonde estás indo? A quem estás levando?
- Levo, ó Amigas, o meu único filho para a condenação...
[O garoto confessou o crime à mãe, após ler notícia na imprensa do dia seguinte.]
Coro dos Justiceiros: 'O amor não é descortês, não é interesseiro, não se irrita, não guarda rancor; não se alegra com a injustiça mas regozija-se com a verdade' (idem).
D. Cláudia, pobre, cansada, entregou o filho à polícia. Disse que tinha princípios. Disse que tinha, por princípio, a Justiça, - reza, em surdina, o Coro dos Policiais.
Coro dos Justiceiros: 'O amor é paciente, o amor é benigno, não é invejoso; o amor não é orgulhoso, não se envaidece' (idem).
Hierofante: D. Cláudia entregou o filho aos policiais. Disse que era assim que devia de ser.
Faveladas: 'O amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta' (idem).
Corifeu: Mas os amantes já não sobem o Morro do Amor...
Parcas: O empresário parou seu Mercedes na esquina de Bulhões de Carvalho com Rainha Elisabeth, em Copacabana, e foi abordado por dois rapazes armados...
Vocifera o Coro das Faveladas:
- Isso não poder ser, ó desgraçada mulher! Isso não poder ser! A quem levais desta sorte?
- Sim, desgraçada sou, diz a Mãe, a quem a Justiça a tudo obriga.
- Porque 'o amor não se alegra com a injustiça mas regozija-se com a verdade', responde, em surdina, o Coro dos Policiais.
Parcas: O Empresário fugiu da morte escura com seu carro, e por isso foi baleado na cabeça.
- Mas ninguém foge dos Senhores da Morte... - reza em surdina o Coro dos Policiais.
Grita o Coro das Faveladas:
- Acorrei, Irmãs, acorrei, que D. Cláudia leva seu filho para a desgraça...
Hierofonte: Ao combate que a PM fazia ao tráfico de drogas, os marginais do Morro do Amor contra-atacaram com o fogo...
Coro dos Justiceiros: Mas sem dinheiro, sem advogado, sozinha no mundo armado, D. Cláudia levava o filho pelo braço...
Corifeu: Já a Unidos do Cabuçu no Morro do Amor cala seus tambores...
O Vingador: Pois no dia 23 de outubro a PM ocupou Morro do Amor.
Parcas: Traficantes morreram e era 23 de outubro; 'as línguas emudecerão; a ciência terminará; mas o amor jamais acabará'.
Hierofante: Porque D. Cláudia entregou o filho de 16 anos à polícia.
Faveladas: Oh, era um garoto...
(Cai o pano).

foi numa noite de agosto


foi numa noite de agosto
que apareceu a tal lua
os lábios naquela água
o corpo dado aos amantes
amantes não sabem nada
que há tempos não se via
a gargalhada menina
da lua de rica rima
poetas que não se fiem
poetas nada sabem
que é até mesmo uma pena
que esta caneta tão prima
não seja feita mais fina
como ponta de punhal
(rogel samuel)

domingo, 8 de março de 2009

Não posso reter os teus traços



Não posso reter os teus traços
Nem as notas de teu tema
Pois tua música se esquece
Como as vozes do poema
Da paixão, que mais um traço
Foi do azul de minha pena,
E quando te vir já será garço
O repique da tua cena
e o afastado abraço...
(oriunda onda a que cerca de aço
me levarão tuas algemas?)
ROGEL SAMUEL

sábado, 7 de março de 2009

O dia inatingivel


O dia inatingivel



Rogel Samuel




Um dia ele saiu de sua toca, digo, de seu pequeno apartamento e começou a andar pelo corredor imundo do caos daquela cidade.

Era o anoitecer do ultimo dia. Chovia. Não demorou estava fora da área urbana. Havia ameacas por todo lado, policiais armados, mulheres sujas, vozes aterradoras. Não pôde compreender tudo, mas, como não saía de casa há muitos anos, pensou que tudo poderia estar assim desde sempre.

Grande Episódio.

Procurou um bar, pois estava com sede.

Entrou, pediu um copo, e bebeu.

O rapaz do bar perguntou:

- Com quê vai pagar?

Ele estranhou a pergunta, mas respondeu:

- Com dinheiro.

- Com que dinheiro, quis saber o rapaz.

Aí ele não soube mais o que responder. Imaginou que o mundo mudara, e que aquelas velhas células jah não valiam nada. Resolveu arriscar:

- Veja, respondeu, exibindo o dinheiro.

À vista daquelas coisas, o rapaz do bar desmaiou e caiu, o dia amanheceu, as luzes se acenderam nas árvores e parou de chover.

Só então ele reparou que exibira, por engano, suas cartas de amor.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Veludoso coro

Veludoso coro
Desta ameixeira
Quando pomos d’ouro
Cobrem a cumeeira
Sobre todos nós
Sua eletricidade
Melodioso foro
De felicidade.




(Rogel Samuel)

A leitura

A leitura

Rogel Samuel


Aqui podemos sonhar com as coisas mais simples: um pouco de luz no chao da sala, um som vindo de alguma arvore distante, o sentido de nossa respiracao.

Um pouco de poesia. Quando um dia acaba, espero a noite. Não sonhamos apenas de noite. Sonhamos também de dia, embora não se investigue com igual energia o sonho diurno. Chega-se mesmo a reduzi-lo a um simples prelúdio do sonho noturno. Entre ambos há distinções consideráveis. No sonho diurno o eu não desaparece. Mantém-se até bem vivo e sem exercer nenhuma censura. A ponto de os desejos tanto mais funcionarem. Serem mais visíveis, do que no sonho noturno. Apresentarem-se sem máscara nem vergonha. Livres de inibições. Corajosamente. De peito aberto. As ruas vivem cheias de gente com sonhos diurnos. Os mostruários das lojas tocam seus acordes. Um sapato elegante. Um vestido “toillette”. A nova máquina de lavar. Uma cadeira de balanço. E tudo o mais que se mostra. Em primeiro lugar, a casa sonhada a que tudo isso vai pertencer. Todo um mundo de vento em popa, multiplicando os castelos no ar, onde o custo de vida não é tão alto." (Ernst Bloch).

Aqui podemos sonhar com as coisas mais simples: um pouco de luz no chao da sala, um som vindo de alguma arvore distante, o sentido de nossa respiracao.

Lembro-me dos versos de Camoes que cantam:

Oh, lavradores bem-aventurados,
Se conhecessem seu contentamento!

quinta-feira, 5 de março de 2009

Calor, verao



Calor, verao


Rogel samuel


Que fazer? O verao carioca me tira outra vez de casa, fujo para a montanha, onde o sol brilha de dia, mas a noite
eh fresca, ateh fria. Felizmente a pousada estah vazia, so eu gozo dessas delicias da montanha mineira de Tiradentes.

Ontem frui um dia de milionario, na bela piscina cercada de jardins e da paisagem surpreendente.

Ah noite era aniversario de minha amiga X. Houve ateh champanha, nao tenho do que reclamar. Bons amigos, bela paisagem, boa champanha, que mais? Nos reclamamos pelo pendor de sofrer, de reclamar.

Este computador de minha amiga onde escrevo nao tem acento, a Internet eh lentissima, mas mesmo assim consigo
escrever minha cronica, atualizar o blog, resolver os problemas...

E se eu me mudar para cah? E se eu alugar uma choupana na floresta, entre grandes arvores, ao lado de um corrego
sob cujas aguas corre o som dos cristais do sol? E se eu cultivar uma pequena horta, uma flores silvestres, um
pouco de sossego, de silencio, de introspeccao? E se eu me recolher a mim mesmo, murado pelo verde dessas
altas montanhas da Serra de sao Jose?

Que me impede?

quarta-feira, 4 de março de 2009

Do amor

O amor nasce de um repouso do espirito nos olhos do outro. Certo respirar dentro do espaco mais amplo do mundo humano. Como encontra-lo? Onde encontra-lo? Talvez nao precise busca-lo fora, nem busca-lo. O amor, quando amamos, ja esta la. Estado de espirito, nao se comprova, como no poema de Emily Dickinson:


que sempre amei
trago-te provas
até que amasses
voltas e voltas
que te amar hei
não se comprova
que amor é vida
ida - sem volta

dúvida, amado ?
fiz o que pude :
abracabraço-te
por vias crucis.

(tradução de M C Ferreira)


Qual a prova do amar? "Nao se comprova". Ida sem volta, ou seja quem ama vai sem esperar a volta, eh um ir, nao o esperar. Ela o amarah por voltas e voltas...

Neruda sentiu outro tipo de amor no seu poema desesperado:

«Como não ter amado seus grandes olhos fixos?

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E desce o verso à alma como ao campo o rocio.

Que importa se não pôde o meu amor guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. À distância alguém canta. À distância.
Minha alma se exaspera por havê-la perdido.»

Ele se refere a Amada porque alguem canta a distancia. Usa a posse, "ja nao a tenho" na posse do objeto amado, nao do amor. Guarda-la comigo eh posse. E eh impossivel guardar alguem com outra pessoa, como quem guarda um relogio na gaveta.

Por isso sofre. Sofre a impossibilidade do ter, nao do ser. Pensar que nao mais a tem doi mais do que deixar de realmente possui-la.

A noite estah inutilmente estrelada, ela nao estah comigo.

Quem espera ser feliz no amor estah perdido, porque o amor eh perda. "Amar depois de perder", escreveu Drummond.

dúvida, amado ?
fiz o que pude :
abracabraço-te
por vias crucis.

Disse Emily Dickinson.

So os misticos se dao bem no amor: "Se não tendes amor — não em pequenas gôtas, mas em abundância; se não estais transbordando de amor, o mundo irá ao desastre", disse Krishnamurti. "O amor é uma coisa nova, fresca, viva. Não tem ontem nem amanhã. Está além da confusão do pensamento. Só a mente inocente sabe o que é o amor, e a mente inocente pode viver no mundo não inocente. Só é possível encontrá-la, essa coisa maravilhosa que o homem sempre buscou sequiosamente por meio de sacrifícios, de adoração, das relações, do sexo, de tôda espécie de prazer e de dor, só é possível encontrá-la quando o pensamento, alcançando a compreensão de si próprio, termina naturalmente. O amor não conhece oposto, não conhece conflito".

Krishnamurti ateh diz como o amor pode ser encontrado, pode ser experimentado:

"O que significa transcender o sofrimento é estar cônscio de uma dimensão diferente, chamada “amor".

"Mas, não sabeis como chegar-vos a essa fonte maravilhosa — e, assim, que fazeis? Quando não sabeis o que fazer, nada fazeis, não é verdade? Nada, absolutamente. Então, interiormente, estais completamente em silêncio. Compreendeis o que isso significa? Significa que não estais buscando, nem desejando, nem perseguindo; não existe centro nenhum. Há, então, o amor".

Coisa de mistico.






terça-feira, 3 de março de 2009

O piano

O piano


Rogel Samuel


Guiomar Novaes foi uma das melhores pianistas do Século XX e da
minha infância. Quando a Philips estava elaborando a coleção "Grandes
Pianistas", tentou inclui-la, mas esbarrou no problema da baixa
qualidade das gravações da Vox dos anos 20. Nelson Freire possui o
Steinway que pertenceu à grande dama. Segundo Freire, que está na
coleção - o único brasileiro na coleção - além de Guiomar, outros
brasileiros/as poderiam estar incluídos. Como Magdalena Tagliaferro e
Jacques Klein. Sou vizinho de um, Arthur Moreira Lima.

Quando eu era menino acordava com a vizinha tocando Chopin. Não tocava
mal. Meu pai foi meu primeiro e último professor de piano, que não toco.
Desde cedo não toco, ouço. Gosto de ouvir e sonhar. Sonhar é voar na
imaginação das paisagens sonoras. Não posso imaginar como seria um mundo
sem música. Não seria meu mundo. Não seria silencioso, pois o silêncio
também é música.

Meu pai viajava pelos grandes rios da Amazônia e me levava com ele. Às
vezes, entrava num lago, ancorava, e ali passava a noite, ao abrigo de
alguma tempestade. No Amazonas se chamava aquilo de lago, que se entrava
por um "furo", ligado ao grande Rio. Havia pássaros monstruosamente
belos como deuses coloridos, bailando entre as grandes árvores sagradas.
Antes da noite cair completamente, meu pai subia no teto da lancha e
tocava violino. O silêncio era tão que o violino soava nas estrelas.
Certa vez, ele viajou muito tempo com um adolescente meio índio, que
fazia de marinheiro. Durante aquele tempo ele estudava, diariamente, e
durante várias horas por dia, certa música de Bach. Muitos anos depois,
um dia ele chegou num vilarejo onde havia uma festa com alguns músicos
tocando. Um dos músicos se aproximou dele e perguntou: "Sr. Samuel, o
senhor não se lembra de mim?" Era o jovem marinheiro. "O Sr. ainda toca
aquela musiquinha?" e o homem tocou maravilhosamente Bach ao violão...

Tenho tudo que posso de Guiomar Novaes. Os melhores discos são com
Kemplerer. Ela fez sucesso naquela época de ouro da música mundial.
Estavam todos vivos, os grandes: Rubinstein, Schnabel etc.

segunda-feira, 2 de março de 2009

As vozes amargas








As vozes amargas


Rogel Samuel


Depois de muitos anos de busca, consigo "As vozes amargas", de Djalma Passos. É um excelente livro, esgotado há 57 anos! Fiquei tão feliz que o transcrevi integralmente no meu blog.

É um livro temático, fechado, que se pode dizer tem começo, meio e fim. Não pode avaliar a poesia de Passos quem só ler um poema. Seu tema é o homem, ou seja, a sociedade e suas questões religiosas e humanas.

Foi publicado em 1952, e poucos anos depois Passos foi meu professor de português no Ginásio de Aparecida. Era um homem calmo e bom, bem me lembro, e morava na época perto da casa de minha avó, na Rua Japurá, onde eu também vivi por alguns anos.

Lembro-me de ter ido à sua casa, não me lembro por quê. E talvez foi lá que eu ganhei um exemplar do livro, que se perdeu ao longo da vida como tantos. Eu já escrevia quando era adolescente, e dirigi um jornal estudantil feito no mimeógrafo onde colaboravam colegas meus, hoje famosos, como a tia de um hoje Senador pelo Amazonas, a esposa de um Governador e Prefeito de Manaus, e a Ira Esteves, hoje em Los angeles. Não tenho nenhum exemplar, pois logo ganhamos espaço nos jornais de Manaus e fundamos o Grupo Satírico Gregório de Matos.

O livro de Djalma Passos é muito bom. A crítica atual da literatura amazonense não fala dele, menos o falecido Artur Engrácio e o piauiense Assis Brasil. Como desconhecem o maior cronista do Amazonas, Afonso de Carvalho. Mas não faz mal. Djalma Passos será lembrado como
um dos maiores poemas amazonenses, por poemas como:

CANTO DE AMOR À NOITE

Agora eu quero amar profundamente a noite,
Essa noite enfeitada de estrelas lucilantes
E dessa lua que branqueja todos os telhados ...
Não quero amar somente essa noite elegante dos salões,
De mulheres fascinantes, de mãos fidalgas
Bailando maravilhosamente nos teclados
E se perdendo na vertigem das declamações ...
Noite de alvos colos nus,
De lábios rubros, sensuais,
Feitos para a volúpia de incógnitos desejos ...
Mas também essa noite ampla e humilde dos subúrbios,
De homens cansados, suarentos,
De pele tostada de sol,
Dessas mulheres profundamente humanas
De pes sujos de terra
Que trazem no ventre o fruto de seus amores ...
Amar essa noite misteriosa das florestas
Onde o pioneiro avançou
E dorme agora silenciosamente.
Essa noite de lendas de pescadores rudes
Que falam dos encantos das boiúnas
E do feitiço dos igarapés ...
Amar essa noite de mulheres perdidas
Que vagueiam sem destino,
Embriagadas,
Dormindo nas sarjetas.
Nas portas dos cabarés ...
Amar a noite na imensidade de seu bojo
Sentindo o calor de suas alegrias
E a amargura de todos os seus dramas ...
Amar e sentir a noite imensa
Descortinada.
Silenciosa.
Alva de luar e esperança
E ensanguentada de mortes e gemidos ...
Sim, amar e sentir toda a noite da janela
E percorrer o mundo como um bólide misterioso
Em busca da aurora
Com a estrela da manha flutuando nos olhos ...


DJALMA PASSOS nasceu, no Acre, no dia 19 de junho de 1923 e faleceu no Rio em 1990. Fez seus estudos no Colégio Estadual do Amazonas e na Faculdade de Direito do Amazonas. Foi tenente-coronel da Reserva da Policia Militar do Estado, professor do Colégio Comercial Brasileiro, Ruy Barbosa e Ginásio de Aparecida. Abandonou o magistério para ingressar na política, tendo sido eleito, primeiramente, Vereador, mais tarde, Deputado Estadual e depois Deputado Federal pelo Amazonas pelo PTB (1962). Colaborou com as revistas e jornais de Manaus. O Senador Aureo Mello do PMDB do AM pronunciou Discurso no Senado em 19/06/1990 em HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SR. DJALMA PASSOS, e hoje tem nome de Rua e Escola em Manaus.
http://historiadosamantes.blogspot.com/search/label/DJALMA%20PASSOS

domingo, 1 de março de 2009

O Vieira de Amélia Pais





ACABEI DE LER O SEU EXTRAORDINÁRIO "IMPERADOR DA LÍNGUA".
UMA PERGUNTA: A AVÓ DE VIEIRA QUE ERA NEGRA ERA ESCRAVA?
SEU LIVRO É MUITISSIMO BOM, E ESPERO VE-LO PUBLICADO NO BRASIL.
JÁ ESCREVI QUE VIEIRA "ERA BRASILEIRO" (RISOS) - VEIO COM 7 ANOS, ESTUDOU AQUI, LUTOU POR NÓS, POR NOSSOS INDIOS, E DIZEM QUE SEU PORTUGUÊS SOAVA ABRASILEIRADO...
MAS O BRASIL NAO PREZA NEM OS AQUI NASCIDOS...
VOU ESCREVEU E PUBLICAR UM TEXTO SOBRE SEU E NOSSO IMPERADOR.
OBRIGADO,
ROGEL SAMUEL

Ainda bem que gostou do Vieira, que é também o meu último livro publicado nos 400 anos...Em relação a eventual publicação no Brasil, o meu actual editor está a tratar disso. O Fernando Pessoa para jovenzinhos, esse, será publicado pela Companhia das Letras - não sei é quando...espero que brevemente. Outro que gostaria de ver aí publicado é Os Lusíadas em prosa - a meu ver o melhor dos 3 que lhe enviei e que já existe desde 1996. Mas a minha outra editora não é assim tão de propor edições no Brasil. A menos, creio, que para tal fosse solicitada a partir daí.
Sim, Vieira é o primeiro luso-brasileiro de enorme importância para a nossa língua. Não sei ao certo se a avó de Vieira era ou tinha sido escrava - Na realidade nem sei bem ao certo se era negra, se mulata. Vivia, sim, já em Portugal e, se não era escrava, em todo o caso tê-lo-ia sido - casou cá e com branco e cá deixou descendência - o nosso Vieira destacou-se entre todos os seus descendentes (o próprio Vieira era mestiço) pelo fulgor que deixou nos seus sermões e cartas - e também pela vida extraordinária e ideias algo contraditórias(no que à religião tocava, apesar de jesuíta, na sua crença no 5ºimpério- o Vieira visionário que tanto agradou a Pessoa). Por incrível que possa parecer-lhe,a obra completa dele em Portugal só agora está a surgir, lentamente -saiu edição crítica do I volume a preço proibitivo. Eu comecei a ler 3 volumes de sermões escolhidos e 2 de cartas aos meus 16 anos .É um prazer ouvir ou ler a sua prosa barroca .
Nas nossas escolas secundárias apenas se trabalha o Sermão de Santo António aos Peixes - e mesmo assim na visão redutora de «como modelo literário do texto argumentativo»?.Cada vez o ensino da literatura é mais abandonado: saber ler é ajudar a saber pensar e isso é perigoso - hoje, como diz G.Steiner, a educação tornou-se uma amnésia planificada...Claro que alguns bons professores conseguem ultrapassar as orientações programáticas recebida. Por exemplo, Camões - o lírico - aparece como modelo literário do discurso autobiográfico, de 1ªpessoa, e apenas com alguns sonetos...A noção de literariedade não conta para os autores dos programas...E ainda menos a questão dos conteúdos...(percebe-se porquê)- falo do ensino secundário - de que me aposentei há uns 5 anos.
Costumo dizer que Vieira está para a prosa como Camões para a poesia ...e tenho um amigo poeta que diz que se Vieira tivesse escrito em francês na sua época teria sido mais unanimemente reconhecido do que Montaigne...

Um abraço - quanto a mim, ainda não comecei a ler o seu livro: ando ás voltas com mais um Philip Roth(o último, bom, mas menos interessantes que A Mancha Humana e outros e outros ou como O animal moribundo, por exemplo...)
Lerei, logo que tenha uma folga entre os vários que me aguardam.Esta semana reli 3ª ou 4ª vez A morte de Ivan Ilich de Tolstoi - e quase estou em dizer que ele supera as suas obras mais famosas - de que gosto muito, aliás.
De momento não penso escrever sobre mais nenhum autor.

Tenho pena de não poder enviar-lhe os outros livros que escrevi, para público mais crescido, embora sempre em registo didáctico - mas não tenho exemplares. Talvez qualquer dia,,,Creio que, talvez, o Para compreender os Lusíadas(o meu 1º livro - e que é sucessivamente reeditado e o Para compreender Fernando Pessoa talvez se possam encontrar no Brasil...sei que há livrarias e distribuidoras que o tinham- ou têm.

Um abraço e bom domingo, o 1º de março, o das «chuvas de verão» aí.
Amélia