segunda-feira, 29 de junho de 2009

Lançamento de livro










Lançamento de livro

Rogel Samuel

Lançamento do livro de Lucilene Gomes Lima - "FICÇÕES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS", Manaus: Estudo comparativo dos romances “A selva” (FERREIRA DE CASTRO), “Beiradão” (ÁLVARO MAIA) e “O amante das amazonas” (ROGEL SAMUEL), Editora da Universidade do Amazonas, ISBN 978-85-7401-458-6. Dia 30.06, no auditório Eulálio Chaves, do campus da UNIVERSIDADE DO AMAZONAS, Manaus.

Trata-se de livro extraordinário, muito bem escrito (a autora é excelente contista) originário de sua dissertação de mestrado defendida na Universidade do Pará.

Analisa as três principais obras, segundo a autora, da temática do ciclo da borracha amazônica: a primeira é "A selva" do português FERREIRA DE CASTRO; a segunda é "Beiradão"de ÁLVARO MAIA, e a terceira é "O amante das amazonas" de Rogel Samuel.

Independente do meu "O amante das amazonas", o livro de Lucilene Gomes Lima é o melhor já escrito sobre o ciclo da borracha no Amazonas e a literatura a respeito.

Foi grande a surpresa, em 2006, quando descobri por acaso este ensaio no site da Universidade do Pará.

Telefonei para a Neide Gondim:

- Quem é Lucilene Gomes Lima? - perguntei.
- Foi uma das minhas melhores alunas, disse ela.

Outra grande alegria foi saber agora que o livro foi publicado.




domingo, 28 de junho de 2009

Bandeira




Bandeira

Rogel Samuel





"Hoje, amanhã e sempre
teu nome será para nós, Manuel
Bandeira"

Escreveu (creio) Drummond.

Conheci Bandeira. Um dia fomos um grupo de alunos da Faculdade de Letras a seu apartamento, que ficava em frente. Batemos na porta. Ele atendeu de pijama.

- Que que vocês querem? - perguntou ele, naquela sua voz nasalada.
- Queremos entrevistá-lo, dissemos nós.
- Estou doente, respondeu ele. Não posso atender.
E foi fechando a porta. Atrás dele havia um tapete na parede. No vestíbulo. Mas eu o via com frequência andando por ali, com um jornal ou livro debaixo do braço. Eu já tinha lido quase todos os seus poemas, meu poeta preferido. Agora sai um livro de crônicas inéditas. Vou procurar. Ele era um excelente escritor em prosa.

sábado, 27 de junho de 2009

O canto nordestino



O mundo dá muitas voltas. Ninguém diria que aqueles meninos iam tornar-se tão famosos. Era um grupo de jovens músicos nordestinos que fazia uma apresentação na PUC do Rio. Eu lá estava, com meu amigo Junior, hoje alemão. Junior amava música e graças a ele eu ia a muitos espectáculos musicais de gente nova, Chico, Ney Matogrosso. Aquele era um deles.

O primeiro impacto foi uma jovem Sueli Costa cantando sua belíssima canção. Depois veio aquele rapaz exótico, meio sonhador, tristíssimo, depressivo, que cantou sua canção:

"Quando penso em você fecho os olhos de saudade.
Tenho tido muita coisa, menos a felicidade".

Era Fagner. Confesso que ele estava passando mal, no palco.

"Correm os meus dedos longos em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego já me dá contentamento
Pode ser até manhã
sendo claro feito dia,
mas nada do que me dizem me faz sentir alegria".

No final do espectáculo encontro Fagner sentado no chão. Nunca pensei que ele seria tão famoso.

Sua música era o canto nordestino, sofrido, cheio de solidão e abandono.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

A morte de um ícone

A morte de um ícone




A morte de um ícone

Rogel Samuel

Senti a morte do cantor. Porque muito me recordo dos tempos daquele menino Michael Jackson cantando tristemente. Ele fazia parte de uma cultura de todos nós, jovens da época. No Brasil apareceu até um grupo rival, os "Golden Boys", que eram também muito bons. Morre com ele toda uma geração de ouvintes. Foi o primeiro cantor negrinho que desafiou o mundo do pop e se tornou rei. Era o melhor dançarino, desde Fred Astaire. Tinha uma voz belíssima e dançava como ninguém. Pequeno vulcão magrinho, um dos poucos que valia a pena ver e ouvir. A media o massacrou até na hora de sua morte. Vítima de todos os preconceitos de cor e de sexualidade. Não foi a toa que quem anunciou sua morte foi um site de fofocas. Mas a sua arte é eterna, não se iludam. Morre numa boa hora. Na era de Obama.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Luxo das arábias






Luxo das arábias.

Rogel Samuel

É muito interessante ver as propagandas de jóias dos jornais árabes. Aqueles senhores têm
muito dinheiro e gastam em luxo. Fazem muito bem. Infelizmente o povo é pobre. Muito
petróleo. Diariamente se vêem jóias muito caras, carros de luxo, próprios para o consumo
daquela classe dominante. Os anúncios são de milhões, e na primeira página.

Propaganda em "Al-Riyadh", publicado em Riyadh, Saudi Arabia.

Faz hoje anos Yves Bonnefoy (França,24 de junho de 1923)‏





Enviado por Amelia Pais

ARTE POÉTICA



Rosto que se apartou dos seus ramos primeiros,
Beleza toda alarme por céu baixo.

Em que lareira erguer o fogo de teu rosto
Ô Mênade tomada e atirada abaixo?



– Yves Bonnefoy

trad. - Mário Laranjeira (?)


Citação: Ecrire, c'est une façon de se souvenir de soi-même.

- Escrever é um modo de nos lembramos de nós mesmos.(Yves Bonnefoy:)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Curiosidade: primeiro texto de R. Samuel publicado



"O jornal", Manaus, 9 de novembro de 1958, aos 15 anos de idade.


TUA RESPOSTA

(corrigido em 22 de junho de 2009)

Rogel Samuel

(Do Grêmio Gregório de Matos)

Se responderes SIM, todo o vigor e toda doçura desta palavra se coloriu de uma coruscante
tradução. É a interpretação da felicidade, interpretação do amor. A vida tão cruelmente
castigada quando na plenitude de suas dores se descambará, libélula inquieta, num raio
policromado, coagulado, como se a noite se liquidificasse e tombasse, encachoeirada, com
todas as suas culminâncias, de sua luminosidade, com toda glorificação de suas estrelas!
Sim, completamente plena, a minha felicidade se resume na palavra!
Sim, este SIM será o convivente único do meu júbilo, onde brilham os sentimentos humanos,
longe dos canhões da noite, e onde nossa humanidade na sua satisfação se embebeda das carícias perfumadas e das delícias estonteantes reais, tão reais como a fluorescência do dia sobre a suavidade da noite que lentamente vai revestindo e enlutando as montanhas.
Mas se responderes NÃO a tua palavra vai penetrar-me pelos poros e aniquilar o meu amor,
e eu me tornarei surdo como os peixes solitários abandonados no fundo dos poços, eternamente sós.
(Ilegível) Não, e está tudo consumado. É a voz estéril das paredes.
Por isso, creia, um não seria mortal.






domingo, 21 de junho de 2009

Encontro com Sophia de Mello Breyner



Encontro com Sophia de Mello Breyner


Rogel Samuel


Conhecemos Sophia em sala de aula. D. Cleonice Berardineli a convidou para visitar a nossa turma. Quem nos lembra é a poetisa Bernardina Oliveira, que estava presente. Foi em 1966. Só me lembro de Sophia vagamente. D. Cleo nos dava aulas de poesia portuguesa contemporânea. Sophia nasceu 1919 e morreu em 2004. Naquela época era ainda uma mulher bonita. D. Cleonice gostava de nossa pequenina turma. Certa vez nos recebeu em sua casa, onde nos ofereceu um lanche, um ótimo lanche. Ela morava, na época, na esquina da Av. Atlântica com vista para o grande Oceano. Talvez por isso tenha sido professora de literatura portuguesa até hoje. Ao lado de seu apartamento, havia outro somente para seus livros. Ela era casada com um marido muito amoroso, um médico, que a vinha buscar todos os dias depois das aulas. Viúva, passou a dirigir seu próprio automóvel até recentemente, enfrentando a Av. Brasil para chegar ao Fundão.

A mim me deu um riquíssimo presente, mas ninguém viu, foi segredo: A edição das Obras poéticas de Pessoa, da Aguilar, que tenho até hoje. Com uma dedicatória: "Ao Rogel em quem deposito grandes esperanças. Cleonice Berardinelli". Cobriu a dedicatória com uma fita adesiva, para manter o segredo e não despertar ciúme nos colegas. Não sei se correspondi às esperanças dela, certamente que não.

D. Cleo estudou conosco, comentou e interpretou Sophia.

O poema talvez fosse:


Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

sábado, 20 de junho de 2009

Era aqui. Chegavam




O poema começa num lugar: era aqui. Num tempo: com a noite. Chegavam serpertes do frio. As carícias envolventes. Flores da sombra, lilases, malmequer. Frutos, cerejas e malvas. Um passado. No campo? Recordaçoes de um pomar. De um amar. De um amor.


Era aqui. Chegavam,
com a noite, as serpentes
do frio, o novelo
das carícias. I
rompiam da sombra
os sôfregos lilases, des
folhava-se em nossas
bocas o
malmequer dos beijos.
Era
o tempo das
cerejas e das malvas.

Albano Martins, “Era aqui, era o tempo”

http://novelosdesilencio.blogspot.com/


René Char





René Char


Rogel Samuel


René Char nasceu na Provença, em 1907. Faleceu em 1988. Seu poema de amor nos diz o que já sabemos: o verão, o mar, a rocha, a aparição, a liberdade, a juventude, a tristeza... e os anos passaram, o mundo partiu, tudo mudou, o teu coração me desconheceu, e o amado ainda lhe era fiel.



Fastos

O Verão cantava sobre a sua rocha preferida
quando tu me apareceste,

o Verão cantava afastado de nós
que éramos silêncio,
simpatia, liberdade triste,
mar
mais ainda do que o mar,
cuja enorme comporta azul
brincava aos nossos pés.

O Verão cantava
e o teu coração nadava longe dele.
Eu beijava a tua coragem,
entendia a tua perturbação.


Estrada através do absoluto das vagas
em direcção a esses altos picos de escuma
onde navegam virtudes assassinas
para as mãos que seguram as nossas casas.

Não éramos crédulos.
Éramos rodeados.

Os anos passaram.
As tempestades morreram.
O mundo partiu.

Sofria
por sentir que era o teu coração que já não me conhecia.

Eu amava-te.
Na minha ausência de rosto e no meu vazio de felicidade.

Eu amava-te, mudando em tudo,
fiel a ti.


René Char
trad.de. margarida vale de gato
relógio de água,2000

Enviado por Amelia Pais

sexta-feira, 19 de junho de 2009

A fome é um não




A fome é um não


Rogel Samuel


O mundo está com fome. A fome no mundo aumenta.

Leio que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) prevê que o número de famintos no mundo chegará em 2009 ao recorde de 1 bilhão e 20 milhões de pessoas. Um em cada seis seres humanos está passando fome.

Há uma perversa combinação da crise econômica com a elevação do preço dos alimentos.
Jacques Diouf, da FAO, disse que a crise alimentar vai por em risco a paz e a segurança mundial.

642 milhões vivem na Ásia e 265 milhões na África subsaariana.

"A fome não é um produto da superpopulação: a fome já existia em massa antes do fenômeno da explosão demográfica do após-guerra. Apenas esta fome que dizimava as populações do Terceiro Mundo era escamoteada, era abafada era escondida. Não se falava do assunto que era vergonhoso: a fome era tabu" escreveu há muitos anos Josué de Castro.

Escreveu Cassiano Ricardo:

"A fome é um não.

A fome ri. A fome é a morte ainda viva.
Ambulante".

Vejo os rostos cadavéricos da fome africana e asiática. A máscara da fome. No coro das máscaras. A face ossuda, angulada. Não é preciso perguntar: 'você me conhece'.

"A face do sub-vivo é dialética. Gera pontas de faca sob a pele" diz Cassiano Ricardo.


A máscara da fome é um feroz atestado. Uma em cada seis pessoas passa fome, no mundo.

A fome ri. A fome esculpe, cinzela as suas criaturas (ou caricaturas?)

- A fome é um Não.

Um não que não aceita explicação.

(Cassiano).

KAWAVATA RECEBENDO PRÊMIO NOBEL


KAWAVATA RECEBENDO PRÊMIO DAS MÃOS DO IMPERADOR EM 1968.
Na foto, recebendo o prêmio Nobel das mãos do Imperador, em 1968. Foi o primeiro escritor japonês a receber o Nobel de Literatura.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

As jóias de Imelda Marcos

Manila Standard Today, published in Manila, Philippines

As jóias de Imelda Marcos Rogel Samuel 

 Li no Manila Standard Today, de Manila, Philippines, que a famosa esposa do ditador Marcos está perto de recuperar suas jóias por uma decisão judicial. A família Marcos ainda detém muito prestígio na sua terra. Marcos governou por 21 anos aquele país e dizem ter acumulado uma fortuna de cerca de 10 bilhões de euros, dos quais 1,2 foram recuperados. Sua mulher, Imelda, dona de 1200 pares de sapato, ex-miss, que se vestia nos mais caros costureiros do mundo, tinha uma imensa coleção de jóias, inclusive um famoso rubi do tamanho de uma ameixa. Todo esse luxo real ainda existe depositado em alguns bancos. As jóias de Imelda Marcos lembram os palácios de Saddam Hussein. Imelda também tinha palácios. Imelda está viva, com quase 80 anos. Recentemente deu uma grande festa de aniversário num de seus antigos palácios. E ainda reclamou do estado de conservação do prédio.

Índio do Brasil




Índio do Brasil

Rogel Samuel


Li que "O primeiro monumento a uma mulher foi um busto construído em 1919 em homenagem feita à Clarisse Índio do Brasil, que morreu vítima de violência urbana, no Rio de Janeiro" (www.armazemdedados.rio.rj.gov). Ela foi assassinada por um desconhecido, dentro do automóvel do marido, em plena Av. Rio Branco. O marido estacionou o carro, foi à farmácia. Quando voltou a encontrou morta a tiro.

Dona Clarisse era avó da escritora Clarisse de Oliveira e sua vida foi extraordinária.

Muito rica, tia do Conde Lage, dono do Parque Lage, onde morava. D. Clarisse vivia numa chácara na Voluntários da Pátria, com um batalhão de empregados. Antes, abandonou a família para casar-se com o Almirante Índio do Brasil, que era meio índio, bem moreno (aparece na foto, a direita, na primeira fila). Este almirante foi um político importante no Brasil, e como tal aparece na Enciclopédia Larousse. Foi governador do Pará e creio que senador. Existem ruas e praças com o nome do almirante em Porto Alegre, no Bairro Tristeza; e no Rio, em Botafogo, onde havia um ancoradouro. O Almirante está na origem da estátua do Cristo Redentor, no Rio, pois fazia parte da comissão (na foto) que decidiu a forma da estátua. Na época Silva Costa foi à Europa, a fim de fazer a maquete do monumento. Formou-se, então, a seguinte comissão executiva: presidente efetivo, Dom Sebastião Leme, arcebispo coadjutor; 1º vice-presidente, mons. Gonzaga do Carmo; 2o dito, senador Almirante Índio do Brasil, etc.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Próximas postagens


Próximas postagens: Ainda a Cajuína; a foto de Caetano; crítica literária e hermenêutica.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Cajuína




Cajuína

(Foto de Rogel Samuel)

Rogel Samuel

Será que existe a cajuína bebida lágrima e fina em Teresina? Sim, mas existirá a linguagem a que se destina àquela matéria de Torquato e a poesia tão fina? Existirá aquela bebida dos deuses e aquela a que se destina a rosa pequenina? Existiu em Teresina, existiu um homem que o ocaso se lhe deu a sina de se iluminar com aquela luz nordestina, que era de olhar a intacta retina?

Caetano compôs um poema tecido em lágrima e gotas de caju, em saudades do morto que era o menino cuja matéria da vida era tão fina. Começa por "existirmos". A que se destina o existir? O poema de amor em versos de dozes sílabas, sofisticadíssimo.

No primeiro verso "a que será que se destina" - repete um SE, uns sss. E o destino de dar, destinar-se é doar, e um rumo, um lance de dados, um laçar e apontar um lugar no ponto do horizonte e do futuro.

Mas o futuro é a morte...

Para que "existimos"? pergunta Caetano.

O personagem "menino", "homem lindo", ou seja, este homem-menino é um destinado
deus-menino para nós, mas a nós não nos pertenceu, não se nos ilumina a sua luz nem se amofina sua dor e a sua morfina. Bem, nem se confina o deus-menino que se foi.
Foi para o seu destino, desapareceu no ar. Nem se turvou da lágrima nordestina.
Apenas foi. Desapareceu na sua materialidade transparente, fina, gaze. E éramos ele,
e nós nos olhávamos nele, bebíamos nossas recordações em lágrimas da cajuína destilada em Teresina, matéria em fragmentos de um Torquato tecido leve e transparente ido, um Torquato que se desfia em sua sina, se fragmenta no ocaso as coisas finas.

Assista ao vídeo.


http://www.youtube.com/watch?v=ZaxDlDbMppE

Cajuína

Caetano Veloso

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina.

No muro



Foto de El periódico de Catalunya

domingo, 14 de junho de 2009

Lama Osel






Lama Osel

Rogel Samuel

Algumas pessoas me mandaram a revista Veja com reportagem sobre o garoto Lama Osel.
Já no ano passado eu ouvia coisas como essa: “Lama Osel largou o budismo!”
Mas é necessário informação melhor para saber que grandes mestres do passado fizeram o mesmo e continuaram grandes mestres. Deixaram de ser venerados e passaram a cidadãos comuns.

O maior de todos foi Virupa, criador do Landré, que deixou de ser abade do seu mosteiro e foi viver nu na floresta como mendigo.
Outro foi Sangton Chobar, guru de Sachen Kunga Nyngpo, a quem devemos tudo, pois a tradição do Landré tinha desaparecido e só ele a detinha. Chobar tornou-se um simples lavrador, e nem os vizinhos sabiam que ele era um mestre de budismo. Quando Sachen chegou, perguntou se ali morava o grande guru Sangton Chobar, os vizinhos se riram e disseram que desconheciam tal grande guru, mas que Sangton Chobar era aquele lavrador rústico que estava lavrando na serra. E mesmo quando Sachen, carregado de ricos presentes, chegou perto de Chobar, este disse: “O senhor deve estar enganado, eu não sou mestre de nada”.

Mas quando Sachen já ia saindo, alguém advertiu a Chobar: “Aquele é o filho do seu discípulo da família Khon, você tem obrigação de atendê-lo”.
E foi assim que a tradição Landré não se perdeu.

Eu conheci Lama Osel quando ele era menino. Em Kopam. Uns monginhos meus amigos perguntaram: “Que ver Lama Osel? “E me levaram até ele.

Foi surpreendente! Apesar de ser uma criança, Lama Osel exerceu um forte impacto sobre mim.
- Oh, disse-me ele, estou ocupado agora. Você pode voltar amanhã?
No dia seguinte já o tinham levado.

Já naquele tempo ele gostava de filmes de Hollywood, filmes de ação. Naquela noite eu o vi na sala de vídeo do mosteiro. Queriam as beatas passar filmes virtuosos. Ele não deixou. Exigiu filme de ação.

Ele hoje cresce na minha admiração.

As águas do jardim





As águas do jardim

Rogel Samuel


Omar Khayyam lastima as rosas o Irã as as xícaras de sete anéis o lugar desconhecido para onde todos se foram. Jamshyd é a mitológica figura do grande Pai iraniano, o quarto rei da sua dinastia, e aparece nas escrituras de Zoroastro. Jamshyd é a tradição, o herói nacional, o modelar, o mítico, a reserva a imagem.

Que sobrou? que ficou? Restou o jardim antigo e sua videira e suas águas que passam como o tempo passa a história e suas lendas e o velho Irã e suas mais belas tradições...


O Irã realmente se foi com todas suas Rosas,
E a Xícara de sete anéis de Jamshyd para onde ninguém sabe;
Mas ainda a Videira seus frutos de rubi antigos oferta,
E ainda há um Jardim com suas taças de Água.

Versão inglesa de Edward FitzGerald, Língua original Persian/Farsi, Trad. R. Samuel

sábado, 13 de junho de 2009

Incêndio na floresta


Foto do jornal The border Mail de Albury-Wodonga, Australia

Aniversário de Fernando Pessoa












PRIMEIRO / OS CASTELOS
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar sphyngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.


Data e imagem postada por Ameia Pais

Carlos Kleiber





Carlos Kleiber

Rogel Samuel

O dia foi intensa chuva. Os dias chuvosos são bons para a introspecção. Consegui sair para almoçar, mas logo voltei. Longas horas em frente ao computador, à televisão. Assisti ao DVD de Carlos Kleiber, regendo a Wiener Philharmoniker. Mozart, Sinfonia Linz; e Brahms, Sinfonia 2.

A Linz exibe a genialidade de Mozart, ele retornava de Salzburg para Vienna,
em 1783, e foi entusiasticamente bem recebido na sua passagem por Linz.

- Como eu não tenho nenhuma sinfonia comigo estou escrevendo uma, com a velocidade de fuga, escreveu ele para seu pai.

A sinfonia foi composta, copiada e executada em seis dias!

Apesar da urgência do tempo, a sinfonia tem uma introdução lenta, como se Mozart não tivesse pressa. A interpretação de Kleiber está magnífica. Fico impressionado como Kleiber é um homem envelhecido, para os seus 60 anos de idade, em 1991, época do filme. Ele morreu aos 74 anos, em 2004. Era um homem recluso, raramente se apresentava em público, seus concertos eram raros, seu repertório pequeno. Karajan dizia que ele só dava um concerto quando estava sem dinheiro, “quando sua geladeira está vazia”. Quando Karajan faleceu, foi convidado para substituí-lo na Filarmônica de Berlim e recusou. Recusou o maior e melhor emprego que um maestro pode conseguir.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Omar Khayyam (Século 11)









Omar Khayyam (Século 11)

Rogel Samuel

O tema é a morte, não a taverna. Não o prazer. Khayyam obcecado pela morte, quanto tempo ainda temos de vida, quanto temos ainda nos calendários da morte? Por isso de pé ainda, não tardemos, voltemos à taverna para cantar e beber talvez os últimos copos, para cantar as nossas últimas canções, pois após sairmos dali talvez nunca mais retornemos, nossas saídas poderão ser definitivas, e ali beberemos nossas últimas bebidas, e ali cantaremos nossas últimas canções...

E, quando o galo canta, os que estavam de pé
Na taverna gritam--"Abra a Porta!
"Você sabe quão pouco tempo ainda temos para estar,
"E, quando sairmos, talvez nunca mais voltemos."

Versão inglesa de Edward FitzGerald, Língua original Persian/Farsi, Trad. R. Samuel

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Emirados



Imagem de jornal dos Emirados Árabes

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Omar Khayyam




Omar Khayyam

Rogel Samuel

Sonhava enquanto a mão esquerda do amanhecer estava no céu
quando ouvi voz dentro do ruído da taverna
"Desperte, meu filho, e encha a taça
Antes que o Licor da Vida em sua taça esteja seco."

(Versão inglesa de Edward FitzGerald. Língua original Persian/Farsi. Trad. R. Samuel).

Desperte e beba antes que o fio da vida se seque. A vida curta, o vinho pouco, não durma, não há tempo para dormir: a morte o acorda, o adverte. O dia nasce, há pouca existência no ar. Encha a sua taça da licorosa vida antes que a Morte a beba.

Khayam (Século 11) seria o que hoje se chama iraniano. É um poeta que sobreviveu ao tempo, pela rapidez e força de sua poética, pela profundidade de sua metafísica, pela simplicidade. Muito traduzido no Brasil. Mas está a exigir uma tradução da língua original.

Seus versos podem ser gravados na pedra dos templos, ou em cartas de amor, onde o licor da vida nunca seca.

Omar Khayyam (Século 11)





Omar Khayyam (Século 11)

DESPERTE! durante a manhã na tigela da noite
Ele arremessou a pedra que põe as estrelas em vôo:
E oh! O Caçador do Leste pegou
A Torre do Sultão num Laço de Luz.

Versão inglesa de Edward FitzGerald

Língua original Persian/Farsi

Trad. R. Samuel

É o amanhecer, o despertar, a noite ainda está na tigela do desjejum, fundo de tigela escuro e ainda noturno, mas as asas da manhã se levantam em luz como quem atira uma pedra para assustar aqueles pássaros-estrelas, que se põem em vôo, a noite foge, se retira, com suas estrelas, e o sol, o grande Caçador do Leste, aparece, cresce, e laça a torre do sultão com seu laço-abraço de luz, a torre que é a mais alta parte da paisagem.

Vale!


segunda-feira, 8 de junho de 2009

A garça de Dogen

















A garça de Dogen

A garça num campo branco, uma garça branca, num campo nevado, não se esconde, não pode ser vista, na neve não pode ser vista, ela não se esconde, está invisível. A grama de inverno.

Culto

Dogen
(1200 - 1253)


Uma garça branca
Se esconde
Na neve do campo
Nem a grama do inverno
É visível

Trad. Rogel Samuel

domingo, 7 de junho de 2009

Dalai Lama em Paris


O líder espiritual tibetano exilado o Dalai Lama conversa com o prefeito de Paris, Bertrand Delanoe, após ter sido nomeado cidadão honorário da capital francesa Foto: AP

Fragmentos de sonhos



Rogel Samuel


O mundo se despedaça. Sabemos disso. Tentamos diariamente costurar as peças soltas, emendar as engrenagens. O mundo vive desses pedaços, fragmentos de sonhos. Se estrelam no ar. Sobem com lúcidos rios de miragens, lantejoulas. Quem nos leva é a dor de nos ver em dissolução, reconstruindo o todo. Viver é recuperar sentidos, fazê-los funcionar, dar-lhes corda, os sentidos partem dali. Ato de mobilidade, de por em movimentação os sentidos. Mas não todos. Não há um limite no todo, um limite. Por isso, nos esquecemos de partes, o esquecimento é um valor do viver, haverá sempre ninhos esquecidos, nunca poderemos reunir todos os focos, o que faz a marca da nossa liberdade, não apontamos para esquemas rígidos.

Viver faz uma reconstituição diária, um enriquecimento que paralelamente atinge o coração, um labor orquestrado por uma narrativa, de uma alegoria, quase um objeto lúdico desse sujeito, que é o fantasma do eu.

sábado, 6 de junho de 2009

O amante das amazonas, 1




Rogel Samuel


UM: VIAGEM.


NÓS nos despedimos na Cancela sob a primeira luz da madrugada do Natal de 1897 - eu de minha mãe, nunca mais a vi - na presença de todos que ali estavam e de quem me não quero lembrar, no povoado de Patos em Pernambuco, de onde parti com duas mudas de roupa na mala, amarrada, costurada, com um cosmorama onde se avistavam as paisagens de Manaus, Belém, Paris, Londres, Viena e São Petersburgo.
Vim cavalgando um muar num comboio de lã pela Borborema, e três dias depois estava em Timbaúba de Mocós, cabeça de linha de ferro e ponto de reunião de tropeiros do sertão da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Foi lá que me puseram dentro de um trem para o Recife onde, no Brum, encontrei uma hospedaria perto do Cais da Lingüeta onde fiquei cinco dias e de onde embarquei no Alfredo, destinado ao Amazonas: eu era um adolescente.
Viajei aquele dia e no seguinte amanhecemos em Cabedelo, o cais cheio de gente ansiosa que recebia combatentes de Canudos, Monte Santo e Favela, da Travessia de Uauá. Houve alegria mas muito mais prantos e gritos. E não nos demoramos, que dali partíramos para Natal, onde retirantes esperavam aquele navio para fugir para o Amazonas. E já, além dos 500 soldados da Polícia do Pará, se acomodava nos porões do navio todo o 4° Batalhão de Infantaria que sem baixas, inteiro, voltava da Guerra; assim em Fortaleza o Comandante Bezerra obrigado a aceitar, acolher e abrigar uma lista, lida em voz alta, de mais de 600 flagelados da seca que nós desde 79 vínhamos retirando periodicamente para o Amazonas, que estiava: Navio dentro do qual não cabia mais único engradado de porcos, alojando aquela horda que fedia podre, de suor, esterco de gado e urina - redes se entrecruzando e houve roubo, bebedeira, estupro, briga, facada e morte - um pai esfolou um macho surpreendido com sua filha num vão de esterco; outro, bêbado, mijava ali no chão enquanto escorria até onde dormiam muitos, no chão; sobre um garajau de galinhas um homem sacou de si e se aliviou sob a luz de um candeeiro amarelo cheio de moscas. Era um soldado.
Passamos do Farol de Acaraú ainda dentro daquele porão e paramos em Amarração para largar um cadáver, o preso e dois passageiros cobertos de varíola. Mas não tocamos em Tutóia, aportando em São Luís onde o Alfredo foi dentro d’água cercado por botes, catraias e se transformou em gigantesca feira flutuante, lá subindo todos para bordo os vendedores de camarão frito, doces e frutas. Pois não foi uma viagem maravilhosa? E logo desataviado, despachado, o Alfredo prosseguiu navegando pesado ao longo e em direção de Belém, e ao entardecer se moderava a marcha para deixar subir o prático da Barra do Farol quando o Alfredo franqueava o estuário do Rio Amazonas e, à malagueta, penetrava o grande rio de bitáculas acesas que era noite e apesar de tudo coberta de estrelas.
Foi em Belém que me hospedei naquele hotel que se chamava “Duas Nações” porque de um português e um espanhol. E como tinha de esperar um mês pelo Barão do Juruá para o Amazonas, e meu dinheiro se acabava, dormia ao relento, economizando para almoçar, que eu já devia a passagem ao patrão, que adiantava.
Porém embarcado chegaria em Manaus sem tropeços depois de 6 dias de viagem a 8 milhas por hora. E 2 dias mais tarde passava pela Boca do Purus, 5 dias após entrava na Foz do Juruá. Não navegávamos dia e noite? Na Foz do Juruá o Rio Solimões mede 12 km de largura e pássaros de vôo curto (o jacamim, o mutum, o cojubim) não conseguem atravessar, morrendo cansados afogados no fundo de ondas pinceladas de amarelo da travessia. Em 8 dias de navegação pelo Juruá chegávamos no Rio Tarauacá e atracávamos em São Felipe, de 45 casas, vila bonita, e arrumada. 9 dias depois entrávamos no Rio Jordão, de onde não prosseguiu o Barão, que não tinha calado, a gente seguindo desse modo de canoa pelo Igarapé Bom Jardim, subindo pois e encontrando nosso termo e destino, a ponta do nosso nó, o término, o marco extremo de nós mesmos, o mais longínquo e interno lugar do orbe terrestre - atingíamos finalmente o Igarapé do Inferno, limite do fim do mundo onde se encontrava, e envolto no peso de sua surpresa e fama, o lendário, o mítico, o infinito Seringal Manixi - 40 dias depois de minha partida de Belém, 3 meses e 5 dias desde que minha partida de Patos.

O amante das amazonas, 20




Rogel Samuel: O amante das amazonas, 20


SETE: DESAPARECE.


O leitor não dará crédito ao que vou narrar, pois eu vi prodígios que ainda agora me surpreendem. Que, sem regressar a concluir seus estudos de Paris - estava ele com 18 anos de idade, em 1918 - José Bataillon foi-se deixando ficar no Igarapé do Inferno e passou a viver no exótico, pela singularidade, da vida afastada dos costumes e expectativa gerais, os seringueiros arredados várias léguas do Palácio, confinados os Caxinauás e o que restava deles nos confins da Amazônia: Desçamos agora a este mundo ignoto.

Habitavam ali, naquela ocasião, além da índia Maria Caxinauá, do bugre caboclo Paxiúba, o menino Mundico, e sua mãe, a cozinheira do Palácio, Isaura Botelho - mãe de Benito Botelho, que morava em Manaus, levado, como disse, por Frei Lothar e entregue depois aos cuidados de Padre Pereira, do Internato Vassourinha. Lá estava também eu, o ainda jovem Ribamar de Souza, que viera de Patos em busca de seu irmão Antônio e de seu tio Genaro - ambos agora mortos. Também o índio Arimoque, cujas estórias fantásticas ainda circulam até hoje pela região. João Beleza, o coxo, e alguns homens da guarda ficavam no barracão, a certa distância. A maacu Ivete já estava casada com Antônio Ferreira e morava em Manaus, - Ferreira se separado da sua Glorinha Lambisgóia, filha do Comendador Gabriel Gonçalves da Cunha, e era citado freqüentemente na crônica social do Amazonas Comercial, com certa ironia. O proprietário do jornal, Abraão Gadelha, inimigo político do Comendador, tinha estado à beira da falência, mas fora salvo pela interferência de D. Constança das Neves, esposa de Juca das Neves, que desembolsara a fortuna em obras sociais.


MAS não percamos tempo.
Quando a urutu pica, dói muito e incha a carne, que vai ficando escura e roxa, até o aparecimento da hemorragia e da morte. Já a picada da cascavel ataca o sistema nervoso central, a dor desaparece, a vista se perturba, vai ficando cega lentamente, começa a perder os movimentos do corpo, a princípio os dedos. Aí vêm dores na nuca, cada vez mais fortes, a paralisia vai subindo, a gente via ferver o progresso da morte, das extremidades para o centro, o corpo ficando rijo, duro, a morte vem pela rigidez viscosa, por asfixia, quando o diafragma enrijece. A morte vence o corpo, e a coral, obra de ourivesaria, é linda, vermelho-amarelo, cores vivas, e presas curtas, mas raramente pica. Mas não seja enganosa esta beleza, pois picando, mata. Mas pior de todas é a surucucu, grande, agressiva, forte e que, ao contrário das outras, vem e ataca. Tem muito veneno e permanece na tocaia das margens escuras de rios e lagos.

Mas silenciosos, sozinhos, sigamos nós, leitor.
Pois do que pude conseguir de jornais da época e de cartas de familiares, o desaparecimento de Zequinha Batelão nas margens do Igarapé do Inferno se deu em janeiro de 1912. Não fosse essa uma obra de ficção e poderia citar, em notas de pé de página, as fontes de onde obtive tal informação. Mas o sumiço do filho de Pierre Bataillon, um homem que vivia debaixo de ouro no Alto Juruá, permanece encoberto de tal mistério, sempre um acontecimento mitificado na imaginação do povo amazonense e acreano, e todas as hipóteses, levantadas então, não se puderam justificar, nem explicar, pelo menos para mim, motivo por que depois recorri àquelas fontes alternativas que tive a felicidade de encontrar, ainda vivas, depoimento dos principais personagens envolvidos que, lastimavelmente, tenho de omitir, mas que o leitor arguto pode logo descobrir se conhecer minha família. Entretanto sei, e de antemão o digo, que esta é apenas urna obra de ficção, e portanto mentirosa, dentre as várias que há na literatura amazonense, e espere o leitor e a leitora o surpreender-se com o que, apesar disso, o fio do destino vai descobrir. Todos os fatos, aqui expostos, foram realidades notáveis e aconteceram realmente para a minha imaginação, e se não tal exatamente como descrevo, até bem mais extraordinariamente talvez se não fosse eu quem estivesse escrevendo, nas peças das partes da composição deste complexo relato.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A iluminada



A iluminada

Rogel Samuel

Há muito que ela não ria assim. A alegria é sempre uma emoção espontânea. Há muito que ela não sentia aquela coisa, uma paz, um sentimento de felicidade, contentamento, satisfação, júbilo, perto do sonho, da leveza, aquilo era felicidade. Tudo quanto alegra, contenta, jubila, exulta, tudo leve, tudo reunido, concentrado nas poucas coisas da vida, o beber um cafezinho no botequim da esquina, o ver passar as pessoas na rua, sentar-se no banco do jardim, mesmo com o lixo acumulado e os mendigos ao redor, mesmo com aqueles mendigos que olhavam para ela com espanto, os bêbados, os meninos de rua, os vadios, os cães espalhados pelas árvores, ela olhava para todos e para tudo com seu sorriso de felicidade, de bondade, de força, de eletrizada euforia, com o brilho no olhar e o sorriso nos lábios, e aquele era seu mundo, todos eram seus irmãos filhos netos sobrinhos, todos a amavam, a respeitavam, ela estava em paz e por isso todos também se sentiam em paz, se irmanavam com ela, se beneficiavam do humor dela, daquela aura de irradiação luminosa de que ela estava vestida, expandida, iluminada.
Ela contemplava em todos a dolorosa natureza da vida, e com isso se compadecia e se irmanava com todos, numa atitude em que ela não pensava em si, mas na vida, na vida dos outros, na beleza da vida dos outros. E, apesar de seus oitenta e dois anos, pôs-se a caminhar sozinha por aquela praça tão cheia de pombos, de céu luminoso, de nuvens incandescentes, de mendigos e de assaltantes que de repente poderiam assaltá-la, ou mesmo matá-la, mas que estavam felizes, realmente felizes de a ver ali.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

A última taça de champanhe







A última taça de champanhe

Rogel Samuel

- Quem descobriu o avião Air France foi um avião da TAM, me diz aquele amigo.

Todos os que viajam já o fizeram pela companhia francesa. Temos até um Flying Blue com bastante milhas. Gosto da Air France. Uma das primeiras cortesias que fazem a bordo e oferecer uma taça de champanhe. Certa vez viajei ao lado de uma freira que bebeu até cair, de lado, profundamente bêbada. Embebedar-se a bordo é muito produtivo. Principalmente agora, quando as aeronaves deixam as luzes acesas a noite toda, talvez com medo de ladrões, assédios e outras. Não, não consigo dormir com luz acesa. E já não bebo.

Porém já estive dentro de um avião em chamas. Acreditem. Não me lembro a companhia. Depois que a aeronave levantou vôo olhei pela janela e a turbina estava em chamas. Regressamos para a pista e tivemos que trocar de avião "por motivos técnicos". Talvez somente eu, dentre os passageiros, soube o que acontecera.

Mas sempre me senti seguro em vôo. E já fiz vôos longos com para a Austrália (2 vezes) e para Katmandu (3 vezes). Mas estou velho, sinto-me velho, cansado. Não sei se voltarei a viajar.

Para, como foi o caso, tomar a última taça de champanhe.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O mundo da literatura esquecida







O mundo da literatura esquecida

Rogel Samuel

Acabo de ver que não há nada sobre Magvinier de Castro na web. Nem o meu antigo site aparece, onde eu o coloquei. Meu "Site do escritor" foi o primeiro a colocar na web autores amazonenses antigos, como Magvinier de Castro. Seu melhor livro - verdadeira obra-prima - é "Amazonia panteísta", com capa de Moacyr Andrade.

Antonio Mavignier de Castro nasceu no Ceará, no dia 21 de novembro de 1895, fez curso primário em Belém. Com nove anos de idade, em companhia da tia, seguiu para a França até concluir o Curso de Bacharel em Ciências e Letras. Regressando ao Brasil, entrou para a redação do jornal “A Época”, em Manaus. Em 1916, foi nomeado chefe de revisão do Diário Oficial do Estado do Amazonas. Foi repórter do jornal “O Tempo” e no “Jornal do Comércio”, de Manaus. Como Promotor Público, atuou nas Comarcas de Eirunepé, Tefé e Manacapuru, deixando-as para ser nomeado Prefeito de Moura, no interior do Amazonas. Foi professor de Francês na Escola de Comércio “Solon de Lucena”. Escreveu “Síntese Histórica e Sentimental da Evoluçao de Manaus” e
“Amazónia Panteísta”. Era membro da Academia Amazonense de Letras, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e sócio correspondente da Academia de Letras do Ceará.

Ele era um escritor forte, à moda antiga, naquele estilo que chamo de "art nouveau", como Euclides da Cunha, Eça, Rui Barbosa, Coelho Neto, os escritores impressionistas, imitadores dos franceses. Até mesmo Barthes escrevia assim. Eu os imitei no meu pobre "O amante das amazonas".

Transcrevo um capítulo de "Amazônia panteísta":

"Orfeu das selvas amazônicas"


“Leucolepia arada modulatrix”... Na classificação dos milhares de pássaros existentes nas selvas, nos campos e nos montes de todos os continentes, talvez nenhuma especificativa se ajuste melhor que a do uirapuru amazônico. Até a terminologia tupi interpreto a vulgaridade que o torna conhecido - “uirú”, (boca) e “purú”, (ruidosa, cantora).

É na quietude balsâmica das manhãs luminosas, antes do sol atingir o zênite, que, invariàvelmente, na copa de uma árvore altíssima da terra firme, um gorjeio harmonioso se foz ouvir em escala crescente de acordes enleantes, de sonidos puríssimos, tal um conjunto inefável de notas metálicas e cristalinas vibradas ao mesmo tempo, num misto aproximado de arpejo eólio e avena pastoril, cuja gama de sublimada consonância nenhum instrumento musical, por mais sonoroso, pode imitar.

Então, como que atraídos pela suave melodia, ora evanescente, ora altissonante, centenas de pássaros revoam transpondo os recessos florestais. Suas asas não tatalam e nenhum pipilo lhes sai da garganta. Crer-se-ia que temendo profanar a serenidade panteística do momento, êles se aproximam silenciosos do minúsculo orfeu plumiliforme, e, pousados a seu redor, vão matizando os ramos com as suas plumagens azuis, citrinas, purpúreas, brancas e negras.

Terminada a fantasia de côres esvoaçantes com a quietude embevecida dos alígeros ouvintes, o gorjeador faz pausa, voeja para empoleirar-se na ramagem de outra árvore, seguido triunfalmente pela profusão de penas deslumbrantes que lembram a policromia de um fogo de artifício caindo na penumbra do matagal silente.

Na sucessão dêsses rápidos intervalos, é possível, de relance, vislumbrar a tonalidade barrosa do corpo do pequeno virtuose ornitológico. Quem jamais ouviu as modulações do mago passarinho, dificilmente acreditará no estranho fascínio que a sua harmonia exerce sobre os sêres alados e, também, na extraordinária influência que ela desperta em nosso espírito.

Excluída a prodigiosa propriedade do canto inimitável, pouco se sabe dos hábitos do “Leucolepia arada modulatrix”. Jamais um exemplar de qualquer idade resistiu ao cativeiro. Pacientes observações, entretanto, revelaram que êle é insetívoro, nunca se alimentando com gramíneas ou frutos silvestres. A plumagem do casal é uniforme, —côr de argila escura, mais carregada que a do vulgaríssimo ‘joão-de-barro”. Não possuem, ambos, os soberbos reflexos metálicos vistos nas asas dos rouxinóis do Rio Negro; não lhes ornam as cabeças penachos carmezins como os dos “galos-de-campina”, e suas gorjeiras não ostentam as cintos douradas que refulgem no peito dos “japiins”. Em compensação, quando êles nidificam, no período nupcial, a capacidade vocal se lhes desenvolve de modo tão imprevisto que a melodia patética do gorjeio adquire, dentro do místico recolhimento da natureza, surpreendente motivo de elevação hierática, somente comparável aos temas poéticos que nos levam aos paroxismos da emotividade, como quando ouvimos, sublimadas, a execução suave, espiritualística, das extasiantes músicas sacras.
(De “Amazônia Panteísta’)

terça-feira, 2 de junho de 2009

Rio-Paris








Rio-Paris

Rogel Samuel


Duas vítimas do Vôo AF 447 me chamaram atenção, o maestro e o príncipe. O príncipe Pedro Luis de Orleans e Bragança era descendente direto de D. Pedro II, com quem se parecia. O maestro Silvio Barbato foi aluno de Cláudio Santoro, regente titular da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e Diretor Artístico do Teatro Nacional Cláudio Santoro, em Brasília. Estudou no Conservatório Giuseppe Verdi, em Milão, com Azio Corghi, com Franco Ferrara, com Romano Gandolfi no Teatro Alla Scala. Em Chicago, PhD em Ópera Italiana sob a orientação de Philip Gossett. Dirigiu artistas internacionais: Aprile Millo em Nova York, Montserrat Caballé no Teatro Arthur de Azevedo e Roberto Alagna e Angela Gheorghiu no Festival de Campos do Jordão. Foi Diretor musical do filme "Villa Lobos – Uma vida de Paixão", e era o autor do projeto "Uma Edição Crítica das 14 Sinfonias de Cláudio Santoro", Guest Conductor do Balé da Flórida, Sílvio Barbato também regeu na temporada de 1998/1999, a Chursachsische Philharmonie na Alemanha, e a orquestra Villa Lobos na Sala São Paulo". Tinha 50 anos. Escreveu a introdução do CD de Santoro, que comentei. Ia reger na Europa.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Air France


FOTO DO THE NEW YORK TIMES

GERENTE DA COMPANHIA EM PARIS DIZ QUE "NÃO HÁ ESPERANÇA".

Os pássaros de cristal




Todo dia vejo pela janela uma explosão de pássaros. Na realidade são poucos pássaros. Poucos pássaros numa estreita janela sabem se multiplicar. Eles recortam o céu com seus gritos verdes. Se espalham pelo universo. Ganham as alturas, tingem as nuvens silenciosas de sonoridades polifônicas. Mudam a direção dos ventos. Revoam, voam, luminosos, sobre as imensas flores das luzes do sol.

Todo os pássaros. Todas as imaginárias felicidades formam um grande arco de flores que escorrem nesses sss, nesses chiados seja chuva desses. Toda esperança estar em esperar os sóis, os pássaros imaginados, fugidios, enganosos, idealizados, camuflados, tímidos... mas ricos em explosões portentosas de pássaros pelo ar, em festivais de pássaros de luminoso cristal feitos de magníficos sóis...

Qualquer que seja a chuva desses campos
devemos esperar pelos estios;
e ao chegar os serões e os fiéis enganos
amar os sonhos que restarem frios.

Porém se não surgir o que sonhamos
e os ninhos imortais forem vazios,
há de haver pelo menos por ali
os pássaros que nós idealizamos.

Feliz de quem com cânticos se esconde
e julga tê-los em seus próprios bicos,
e ao bico alheio em cânticos responde.

E vendo em torno as mais terríveis cenas,
possa mirar-se as asas depenadas
e contentar-se com as secretas penas.

Jorge de Lima. Invenção de Orfeu - Canto I - XXVI