segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O amor não tira nada


"O amor não tira nada. Dá." Dugpa Rimpochê resume o enorme Everest que é o amor a 6 palavras, sucinto, hermético, enigmático, mas tão claro, tão forte, tão elementar, que dá para escrever na sua superfície de translúcido cristal - o amor nada tira, nada subtrai, nada diminui, nada recusa, nada nega ou omite ou esconde ou trai - o amor nunca trai, que ama nunca trai o amante, nunca o nega, prefere morrer a negá-lo, como disse o Jesus: "Minha vida ninguém a pode tirar, eu espontaneamente a dou" -e isso é o amor em seu esplendor solar, movendo o sol e as outras estrelas.

sábado, 29 de agosto de 2009

Vontade de cantar


"Aprenda a olhar. A chave da felicidade está no olhar e no ouvir. Ouça o silêncio da paisagem do vale e das montanhas sem o pensamento, sem a rede do pensar. Quando não há “eu” nasce a felicidade, a luminosidade"(Lundrup Tashi).

Que é olhar? Como é olhar? Olhar é sair de si no objeto olhado. Ver a beleza o objeto, da luz, da cor, da montanha, do sol, da noite.

É difícil saber olhar, olhar sem pensamento, só olhar, sem julgar analisar pensar verbalizar.

Se vejo um ser belo e penso: "Que bela mulher!" já estou pensando, já não estou vendo.

A arte nos ensina a olhar. A pintura, a fotografia, a poesia.

Drummond escreveu:

“Bela
esta manhã sem carência de mito
e mel sorvido sem blasfêmia.
Bela
esta manhã ou outra possível
esta vida ou outra invenção
sem, na sombra, fantasmas.
Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.
Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.” —

Carlos Drummond de Andrade, “Novos poemas”, 1948.

A beleza não precisa de mito, invenção, fantasmas. A beleza não é “vista”, mas engolida. “Valvas, curvos pensamentos”, são as mulheres da praia, da praia de luz azul, completa. Ver é vontade de cantar, mas absoluta, “que me calo, repleto”.

“Ouça o silêncio da paisagem do vale e das montanhas sem o pensamento, sem a rede do pensar. Quando não há “eu” nasce a felicidade, a luminosidade".

(Imagem, "retrado do filho", Picasso, encontrado no Fingidor de Zemaria Pinto)

A velha casa e seus poemas

A meu poema "casa abandonada", o poeta Jefferson Bessa escreveu uma resposta:

casa abandonada (Rogel Samuel)


as janelas estavam assassinadas
assistiam a tudo
ao mar, às aves, à montanha
nunca mais fechadas
fecundas de vento
arrebatadas de sol
batidas pelo firmamento
e as janelas nunca mais se fecharam
porque não havia ninguém mais lá dentro
porque os poros da casa se abriram
às verdejantes trepadeiras
que cobriam todo passado


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Esta casa (Jefferson Bessa)

Esta casa é
O abrigo do poema.

E respiram estas paredes
A verde-planta do tempo.
Crescem por sobre a casa
O olhar presente do passado
De entre-ver nossas janelas
Que não se trancam mais.
Por lá não ter ninguém
É que elas me olham.
Por nenhuma noite mais
Fecharei minhas cortinas.

Este poema é
O abrigo desta casa.

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Minha resposta (Rogel Samuel)

Por lá não há mais ninguém
nesta casa abandonada
nem os fantasmas esguios
nem as fadas enamoradas
nem mendigos nem ninguém
mesmo o tempo por lá não encosta
mesmo as recordações se desfazem
as memórias as cansadas
naves da madrugada
cinzas do que passou
solidão das marés
esquecimento e silêncio



sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Abandonar-se ao amor?

"Abandona-te ao amor, mesmo se não lhe conheceres a finalidade misteriosa. Libertar-te-á do teu medo e cobrirá de sol todos os teus actos" (Dugpa Rinpochê).

Abandonar-se ao amor? Que é o amor? Que coisa é o amor? De que está falando Dugpa Rinpochê? Do amor ou da aceitação do amor? Do amor? Da aceitação em si? O que é aceitar aquilo que é senão abandonar-se? Vejo uma flor e a aceito bela, isto é amor? O amor nos liberta do medo? Medo de quê? Por quê? O que é o medo?

Parece que nada disso tem palavra, tem resposta. Eu pelo menos não o sei. Quem sou eu para saber o que é o amor, o medo?

Lembro-me de "Amor e medo", de Casimiro de Abreu, poeta de minha predileção.

Amor e Medo

Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes,
Eu me estremece de cruéis receios.

É que esse vento que na várzea — ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia:
Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho!

Ai! se te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...

Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos — palpitante o seio!...

Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...

Diz: — que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca — sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio,
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...

Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...


quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Rir da desgraça?

"É bom manter o otimismo, aprendendo a rir até da própria desgraça. Não há desgraça que sobreviva a uma boa gargalhada. "Sempre poderia ser pior"(Lundrup Tashi).

Rir da desgraça? Rir, ironizar a dor, mantendo o otimismo?

Diz um provérbio tibetano: "Se o problema tem solução, para que se preocupar? Se o problema não tem solução, para que se preocupar?

O tibetanos aprenderam a sorrir. Em Katmandhu, você vai andando por uma rua de Bhoudanath, reduto tibetano, e as pessoas abrem um largo sorriso ao encontrar você, como se você fosse um velho conhecido. Mas eles são todos pobres exilados, às vezes miseráveis.

Essa história de que "rico ri a toa" não é lá muito verdadeira.

Enfim, olhar a própria pena: "Sempre poderia ser pior".

(risos)

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Anibal Beça





Anibal Beça

Rogel Samuel


Anibal era um daqueles amigos que eu via raramente. Mas quando nos encontrávamos era como se sempre estivessem juntos.

A última vez que o vi foi no Armando, quando fui até a sua mesa elogiá-lo por sua participação no CD de Luiz Baccelar.

Faz anos, muitos anos.

Recentemente ele me mandou um email com poemas e inscreveu-se na minha lista de "seguidores do blog", onde ele está agora.

Anos antes, ele estava no nosso antigo "Site do escritor".

Por duas vezes estive em sua casa. Na primeira vez, há décadas, fui almoçar (eram famosos seus almoços, suas peixadas...).

A segunda vez foi num grupo de escritores para o encontro político com Thiago de Mello. Estavam todos lá, os escritores todos, os amazonenses, em torno do Thiago.

Anibal eram um grande poeta, premiado poeta.

Recebo de minha Amiga Amelia Pais o seguinte soneto:

"A manhã


A manhã nasce entre as muitas janelas
invadindo meu corpo fatigado,
sede dos meus caminhos sem cancelas,
na luz de muitos astros albergados.

Casa onde me recolho das mazelas,
dos louros, derroteiros, lado a lado,
para ouvir de mim, franco, das seqüelas:
Ecce Homo! Eis o triste camuflado.

Essa tristeza de há muito em residência
às vezes se constrói em face alegre
máscara sem eu mesmo em aparência

num carnaval escuro no seu frege.
O que me salva, cor nessa vivência,
é saber que a poesia é quem me rege.



outubro 3 de uma manhã chuvosa
na primavera amazônica.


Aníbal Beça -N.13 Set 1946/F. 25 de Agosto de 2009

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Pela vida dos outros

"O importante é não ficar pensando muito em nós mesmos, nos nossos problemas, na nossa vida. A chave da felicidade é não pensar em si mesmo o tempo todo, mas voltarmos para o exterior, para os outros, para a vida dos outros", diz Lundrup Tashi.

Que significa isso?

Nós aumentamos nossos problemas, pensando-os?

Nesse sentido, o homem mais feliz é o político, o que pensa na comunidade, na sociedade.

Político para nós é corrupto... Que engano!

O verdadeiro político luta pelos outros, pela sociedade.

Pela vida dos outros.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Da felicidade sem medo

"A felicidade entrega-se àquele que venceu o seu medo de viver, e que considera a sua vida como uma chama sagrada, na longa continuidade das eras" (Dugpa Rinpochê).

A vida é sagrada? Para ele, sim. Um luz sagrada, na longa continuidade das eras.

Difícil de acreditar.

Porém, quando ele diz que a felicidade se entrega àquele que não tem medo de viver, nós reconhecemos o fato.

Lembro-me de um amigo, cujo nome não posso ou não devo confessar, que, depois de se saber com uma doença gravíssima, em vez de se deixar mergulhar no desespero, deu uma virada existencial e se tornou vitorioso, e até quase rico.

Anthony Burgess escreveu "Laranja mecânica" depois de se saber com um câncer.

domingo, 23 de agosto de 2009

Somente o instante é eterno

"Somente o instante é eterno. Nunca apreciamos plenamente o instante", diz Dugpa Rinpochê.

Qual o apelo do instante?

Por que o instante é o eterno?

O passado é passado, nada vale. Já passou. É lembrança.

O futuro não existe, é invenção do pensamento, é fantasia, nunca será como nós o pensamos.

sábado, 22 de agosto de 2009

Do amor


Diz Dugpa Rinpochê: "Quando se ama com verdadeiro amor, a presença do ser amado é ressentida ao mesmo tempo como um sofrimento e como um prazer. É o duplo combate da sombra e da luz. Uma ameaça acrescenta-se à tua alegria, um sombrio pressentimento de fracasso que te torna infeliz. Considera a alegria e a tristeza como as duas cores de um mesmo ramo. Que uma não se erga contra a outra, e o teu amor será salvo".

Que entenderá do amor um monge budista? Ama um monge budista? Sofre as emoções do amor e da paixão, como todos nós?

Parece que sim. Sim.

Para ele, a presença do amado levanta um sentimento duplo, contraditório, dois sentimentos contraditórios, sofrimento e prazer. Sombra e luz. Uma ameaça e uma alegria, um sombrio pressentimento de fracasso e uma leva de luzes de alegria.

Considerando os dois lados como dois lados da mesma natureza, o amor é salvo, intacto. Abandonando os dois sentimentos ao seu verdadeiro estado, vivemos o amor.

E o amor "recomeça o mundo, em cada instante" diz ele.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Tufic: Pacote poético








Tufic: Pacote poético

Rogel Samuel


(Foto do blog http://palavradofingidor.blogspot.com/)

(Rio, 30 de setembro de 1999)Recebo um pacote pelo correio, um pacote amarelo que apalpo e que sinto, há objetos dentro, possivelmente livros: sim, são cinco novos livros de Jorge Tufic que eu lhe pedi pelo telefone e eu fico me lembrando que, há quarenta e três anos atrás, ele publicava o seu já clássico Varanda de pássaros.

Como pode Jorge Tufic manter 43 anos ininterruptos de poesia apesar da crise por que passa a produção cultural brasileira e a amazonense em particular? Porque depois daquele grupo do Clube da madrugada muito pouco produziu a poesia de Manaus.

Eu adolescente e Tufic já era dono de uma poderosa poesia que se afirmava principalmente nos seus sonetos extraordinariamente inovadores. Na década de 80 nós nos correspondíamos, depois ele se foi para Fortaleza e o perdi de vista. Soube que foi homenageado no Rio de Janeiro, onde moro, mas não o vi porque estava viajando.

A última vez que o encontrei foi no ano passado, em Manaus, no Galo carijó, onde gosto de almoçar sempre que estou em Manaus (também deparei ali com o Thiago de Melo, donde se conclui ser aquele bar um ponto da poesia presente).

Agora, além de seus cinco livros, vieram várias pequenas publicações, entre as quais o belíssimo Agendário de sombras, uma coleção de sonetos dos quais cito, ao acaco:

Necessito do rio e da paisagem
que me vira partir quando menino.
da visão surpreendida ou desse quanto
pode haver em redor do meu destino.
eram coisas e seres do meu tempo,
partes de mim que a vida, em seu balanço,
foi deixando passar, nuvem sujeita
aos ventos, matéria sujeita ao ranço,
rubros sóis de verão, coleita breve
de azeitonas e ocasos, também contam.
Soldado entregue ao chumbo dos brinquedos,
ao som, talvez, das águas deste inverno,
quero sentir na pele evanescente
como eu seria agora, antigamente.

Ao poetas menores como eu, Tufic humilha, com a força da sua Linguagem: mas como pessoa ele tem a gentileza dos mais nobres corações e nos brindou com imerecidas dedicatórias. Dentre sua produção recente, no ano passado ele publicou Sinos de papel, um delicioso livro de haikais que bastaria para o consagrar:

Paineira caiada
Por uma lua de espuma
Tão cheia de nada.

Jorge Alaúzo Tufic nasceu no dia 13 de agosto de 1930 e publicou seu primeiro livro aos 25 anos. A Amazônia dele se orgulha.



(Rio, 30 de setembro de 1999)



Famoso livro é o seu "Retrato de Mãe", de onde tirei alguns poemas que se tornaram famosos
na web depois de publicados no meu antigo "Site do escritor", o primeiro a por na Internet
os escritores amazonenses. Todos os anos, no dia das mães, alguns sites como o BLOCOS ONLINE
publicavam esses poemas de homenagem às mães:




1

Venham fios de luz, aromas vivos
misturar-se às palavras, à centelha
do louvor mais profundo deste filho
que se depura e sofre com tua ausência.
Venha o trigo do Líbano, a maçã
de que tanto falavas; venha a brisa
tecer, mediterrânea, esta saudade
que vem de ti quando por ti me alegro.
Que venha a primavera, saturando
vales, planícies, colorindo os montes,
noites de luar caiando os muros altos.
Venha a pedra da igreja onde ficaste
quando em febre te ardias. Venham lírios
rebrotados de ti, dos teus martírios.

2

Teus cabelos castanhos, tuas tranças
fazem lembrar as madres de Cartago.
Doce mãe, sombra tépida, murmúrio
de sonâmbulas fontes; poucos sabem
teu nome, enquanto, fatigada embora,
dás-nos o pão, o leite, a flor e o fruto.
Poucos sabem te amar enquanto viva
e, quando morta, poucos também sabem
da fraqueza que em forças transformavas.
Ai, retrato de mãe, quanto mistério

se converte na tímida lembrança
destes álbuns que lágrimas sulcaram.
Na verdade, Ramón, só de lembrá-la
um soluço arrebenta-nos a fala.

3

Lentilha, azeite doce, o acebolado
chia na frigideira de alumínio;
a casa está repLeta de convites
a janta frugal e acolhedora.
Nos arredores brinca o vento; a cerca
divisória, talvez, nada separa.
Vizinhando quintais vozes fraternas
cantam, mandam recados de ternura.
Assim te vejo, mãe, rosto suado
na lida da cozinha ou pondo a mesa.
Terrinas de coalhada, o pão redondo
a recender de ti, mais que do trigo.
Calendário sem datas, chão de outrora
como tudo passou se tudo é agora?

4



Em tudo, minha mãe, te vejo e sinto.
Neste verniz antigo, neste cheiro
Suavíssimo que vinha do teu corpo
do pólen de tuas mãos, do ortelãzinho.
Em tudo, minha mãe, teu vulto amado
se desenha mais firme, e, lentamente,
vem dizer-me aos ouvidos qualquer coisa
destes anos que pesam sobre mim.
Em tudo, minha mãe, vejo este lenço
que à passagem da dor recolhe o traço
do sorriso que foste a vida inteira.
E, mesmo quando morta, entre açucenas,
ainda ressai de ti, poder divino,
a canção que adormece o teu menino.

7

Estavas, posta no esquife, igual a todas
as defuntas convulsas, lapidadas.
Tão branca e tão distante companheira
destes ventos na pausa da agonia.
Quisera ter morrido quando foste,
nave de ti somente, abrindo rotas
na invisória partida, nesse coro
latente em nossas almas. Parecias
dormir, então, liberta como um trono.
Ó lágrimas de Orfeu, tempo escoado,
corpo de insones ânforas, mãezinha,
que sei de ti nos guantes da saudade?
Que sabemos de ti, quando te vais,
se o teu vazio é feito de punhais?


Leia alguns dos "sinos de papel" de Jorge Tufic:





oculto no dom
de não ser ninguém
o grilo é som...



pétalas de mim
cultivo num jarro velho
que já foi jardim



em tantra medito
o saber é uma pedra
a mulher, o seu grito



ah, delicadeza
a mosca, senhora tosca
baila sobre a mesa







A felicidade


"Não desesperes da felicidade. Ela não te espera no extremo oposto da terra ou numa vida futura. Ela está aí onde te encontras. Espreita o momento em que estarás enfim disposto a convidá-la, a recebê-la. Vira os teus pensamentos para ela. Basta-te simplesmente ultrapassar o teu medo", disse Dugpa Rinpochê.

Sem medo de ser feliz? Ou colocamos a felicidade sempre onde onde não estamos?

Parece que ele quis dizer que a felicidade é uma "disposição para ser feliz", uma abertura para ser feliz, um voltar-se para ela, sem medo, sem hesitação, indecisão, perplexidade, dúvida...

É isso que eu quero?

Ser feliz não é a vocação de todos? Não é de todos o destino e o objeto?

Por que é tão difícil?

Qua a cara da felicidade?


quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A felicidade


Frase estranha essa, de Dugpa Rinpochê: "A felicidade não é um paraíso fechado, separado do mundo. É, ao mesmo tempo, a nascente e o oceano".

Frase estranha, difícil, enigmática.

A felicidade. Que é a felicidade? Como pode ser definida como a nascente e o oceano?

Eu não sei. Eu nada sei. A nascente do rio é o princípio de tudo, o olho d'água na montanha. Depois a água escorre, desce um pouco, e com mais engrossa fica um fio d'água e um córrego e um riacho e um rio até o grande oceano. O grande oceano pode simbolizar a grande Realização final. Ele é a felicidade. A nascente também.

A felicidade é a fonte de tudo. Tudo nasce da felicidade e para ela se dirige.

Estranha. Muita estranha frase enigmática.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Concentração


"Concentra o teu espírito numa única coisa de cada vez, evita a dispersão. Concentra a tua vontade numa cabeça de alfinete, e conseguirás atravessar o obstáculo", escreveu Dugpa Rinpochê. Como uma lente pode aumentar a luz do sol, a ponto de fazer surgir o fogo do sol na terra, assim, talvez, é o que faz a concentração com nossa mente, "nosso espírito". A dispersão a dissolve.

Lembro-me da existência do sábio francês Gaston Paris (1839-1906). Ele deve ter sido o maior filólogo de sua época, e dominava as línguas e literaturas do mundo inteiro, inclusive do oriente. Escreveu "Les contes orientaux dans la littérature du moyen âge" (Paris, 1875).

Um dia perguntaram a ele qual o segredo da sua imensa cultura.

- Eu leio uma hora por dia, respondeu ele.

Deve ter sido sua capacidade de concentração.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Renascer


"É preciso viver como se mantém uma fogueira. Procura experimentar uma paixão, uma grande idéia, cada dia, divertindo-te com a tua audácia, sem orgulho, permanecendo humilde perante as belezas da Criação", disse o mesmo Dugpa Rimpochê.

O fogo do interesse da vida deve ser realimentado todos os dias? O fogo do interesse de uma paixão tem de ser reanimado todos os dias? O fogo do interesse de uma grande idéia tem de ser reinventado todos os dias? A vida é dia a dia construída, criada, recriada, prazer perante a vida?

"Aprende a renascer a cada instante. Para onde quer que olhes, é aí que o universo começa, e a alegria está no seu início", diz mais, o velho monge.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O entusiasmo


"Desenvolve em ti o entusiasmo, a certeza, como o marinheiro mantém o rumo sobre um mar revolto, sem perder a esperança da meta, e o destino"(Dugpa Rinpochê).

Cresce em entusiasmo pela vida aquele que sabe despertar em si mesmo a certeza, o calor, o rumo, a meta, o destino.

Quem sabe o que quer sempre o alcança, por isso.

Saber alimentar esta chama é saber viver, desde o acordar, acordar para a beleza do ser.

"Ser é fazer", dizia Marx, e é nessa prática que no nosso dia somos. Diariamente somos. Pois "o eterno despertar de ti próprio destrói a lassidão, a tristeza, o sentimento de fracasso. É uma nascente de alegria permanente", escreveu o mesmo Dugpa Rinpochê.

Para ser, para viver, precisamos de entusiasmo.

domingo, 16 de agosto de 2009

O visível




"Deve tornar visível o objetivo que pretende alcançar, como a mandala numa meditação. Aprenda a gostar do sucesso. Fá-lo brilhar acima dos teus atos, como um sol, uma bela luz. Só então ele se entregará a ti", escreveu Dugpa Rinpoche.

Meditar no sucesso? Vê-lo, como numa fotografia. Pintura da terra pura aonde chegar. Não buscar uma abstração, num nevoeiro. Quem sabe o que quer tem a imagem delineada do lugar onde quer chegar, já o antecipa. Quem sabe o que quer já está lá, já o tem dentro de si. Platão dizia que o amador se transforma na coisa amada, por força de tanto imaginar, de tanto o ver, como no soneto de Camões. Não tenho logo o que buscar, diz Camões, por influência platônica, pois em mim já tenho a coisa amada. Eu sou o que amo quando amo. Meditar no sucesso? no amor? Não: sê-lo, por antecipação.

sábado, 15 de agosto de 2009

A sorte


"A sorte dorme desde sempre dentro de ti próprio, como um tesouro puro. Precisas simplesmente de acordá-la. A sorte procura-te, desde toda a eternidade. Na verdade, a sorte está enamorada de ti. Não vergues. Não desesperes. Deves fazer-te belo para o encontro, mostrar as tuas mais belas cores, as tuas mais belas paixões. Elas são as chaves mágicas que abrem todas as portas e tornam leves o que é pesado", escreveu Dugpa Rinpoche.

Para acordar a sorte devo tornar-me belo, cobrir-me de cores, paixões. Que será isso? Se eu me abater, a sorte vai abandonar-me. Se me desesperar. Devo manter-me formoso e alegre, otimista e ótimo. Não deixemos a sorte dormir para sempre, a vida é curta.

Será que é isso que Dugpa Rinpochê quis dizer?

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O obstáculo



Dugpa Rinpochê escreveu: "O obstáculo é o espelho das tuas próprias hesitações, das tuas confusões. Utiliza o obstáculo para te esclarecer a ti próprio. A provocação do dia a dia é sempre uma lâmpada para a alma".

Que é o obstáculo? Eu me atrabalho: isso é o meu obstáculo. Eu sou o criador da minha
lucidez e confusão.

O obstáculo me esclarece.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Nossos sonhos




Escreveu Dugpa Rinpochê: "Quem deseja a sorte sempre a alcança. Não deprecie nunca os nossos sonhos. Devemos fazer um pacto com eles. Eles são a nascente e a força inesgotável que nos levarão à vitória. Atrás do obstáculo, encontra-se uma liberdade virgem, um horizonte mais vasto".

Dugpa Rinpochê era um monge tibetano velho, que fugiu do Tibet junto com o Dalai Lama. Ele escrevia seus textos numas folhinhas de papel que enrolava como um canudo, como os textos antigos.

Faleceu em 1989. Morava em "Nagarkot, Nepal, a três mil metros de altitude, à vista dos seus três cumes lendários: o Annapurna, o Melung Tse e a cordilheira do Everest, coroados de neve".

Era ali que ele meditava nos seus pequenos textos.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Nome e forma


Nome e forma

Rogel Samuel


Que significa sem nome e forma? No caminho do Buda não tem nome, não tem forma, é um não-caminho... sem ir, sem abandonar o trabalho normal de caminhar. P'ang Yün trata do Satori, da iluminação, do não-condicionado, onde as flores do céu não têm nome nem forma, não criações do pensamento, não estão no círculo do pensar, estão livres do atribuir, do mental, do nascimento e morte.


Without Name and Form
SEM NOME E FORMA
Well versed in the Buddha way,
BEM VERSADO NO CAMINHO DO BUDA
I go the non-Way
EU VOU PARA O NÃO-IDO
Without abandoning my
SEM ABANDONAR
Ordinary person's affairs.
MEUS CUIDADOS PESSOAIS
The conditioned and
O CONDICIONADO
Name-and-form,
NOME E FORMA
All are flowers in the sky.
TODAS AS FLORES NO CÉU
Nameless and formless,
SEM NOME E FORMA
I leave birth-and-death.
DEIXO NASCIMENTO E MORTE.
P'ang Yün (龐蘊 Hõ Un)

domingo, 9 de agosto de 2009

A mulher que passa








A mulher que passa


Rogel Samuel



Passa. Ela passa, a viúva, elegante, balanço, o festão, o debrum, nobre, exata, ágil, belas
pernas de estatuária, passa, e ele a vê, do café onde bebe ele a vê, perdido, crispado,
ele a vê, a sente, a sabe, no seu olhar há o germe de um furacão, no seu olhar há a
doçura que se embala, há o frenesi que mata, o relâmpago... ou é o tempo, a noite? Ele,
a aérea beldade, e de seu olhar vem um relâmpago de renascimento... ela a verá outra vez?
ou só a verá por um instante na eternidade?

Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado - e o sabias demais.



A uma Passante

A rua em derredor era um ruído incomum,
Longa, magra, de luto e na dor majestosa,
Uma mulher passou e com a mão faustosa
Erguendo, balançando o festão e o debrum;
Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.
Eu bebia perdido em minha crispação
No seu olhar, céu que germina o furacão,
A doçura que se embala e o frenesi que mata.
Um relâmpago, e após a noite! - Aérea beldade,
E cujo olhar me fez renascer de repente,
Só te verei um dia e já na eternidade?
Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado - e o sabias demais.

BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. São Paulo: Círculo do Livro, 1995.
Tradução, posfácios e notas de Jamil Almansur Haddad.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

CHAMP DE MARS


CHAMP DE MARS

E somente porque fazia sol naquela tarde
eu não queria mais voltar pro meu país,
e somente porque fazia sol naquele canto
oh, naquela mesma imensa canção
com que, há vários anos, venho para o mesmo Campo
de Marte, em frente à Torre de Vidro
que à noite brilha como se feita
de estrelas faiscantes,
e estava, nas minhas costas
a Escola Militar onde Napoleão estudou
e na minha frente o “mur de la paix”,
inspirado no muro das lamentações,
soprando naquele panteon de assinaturas
em várias línguas dizendo a paz.

Longe a imensa Torre.

Meu pai a viu,
meu avô a viu.
A imensa Torre
aponta o céu.
(À noite brilha como se feita
de estrelas faiscantes).

Há um júbilo de estar
de ainda estar ali
depois de tantos anos
depois de tantos dias escuros e frios.
Num dia de sol.

O frio se recolheu dentro de mim.

Sofro por estar em comunhão
e porque gostaria de ficar
(não só)
porque gostaria de que Paris fosse
o subúrbio de Manaus,
que já foi no tempo do meu avô Maurice,
(no teto do Teatro Amazonas
se vê a Torre Eiffel, vista de baixo).

Sofro porque gostaria de ficar,
entre amigos
com o Cláudio Rosa, a Leila Míccolis, a Neuza Machado.

Mas em seis dias me vou,
ficará o mesmo jeito de ser
daquela ponta de praça
a mesma imensa área,
com aquele intuito amplo de conter o mundo
de a tudo reunir.
Na minha contemplação
a vida estranha
(À noite a Torre brilha como se feita
de estrelas faiscantes).

Vida estranha.
Mundo estranho.

Faz sol.

(Paris, 9 de novembro de 2006).

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Agripa Vasconcelos


Agripa Vasconcelos


Rogel Samuel

Foi um escritor de sucesso. Seus livros venderam milhares e ainda vendem. Agripa Vasconcelos escreveu "Silêncio", poemas, que o levou à Academia Mineira de Letras, aos 22 anos de idade, sucedendo a Alphonsus de Guimaraens: O livro se vendeu no Rio em 30 dias e está esgotado até hoje. "Nós e os Caminhos do Destino", foi outro êxito. O romance "Fome em Canaã" concorreu ao Concurso da Revista "O Cruzeiro", e foi premiado. "Suor de Sangue" ganhou o prêmio "Olavo Bilac", da Academia Brasileira de Letras, primeiro prêmio dos livros brasileiros de poesia, em 1949. Depois veio "A Morte do Escoteiro Caio".

Escreveu livros científicos - "De que morreu o Aleijadinho", em que diagnosticou a morte de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho: especialistas, em livros posteriores confirmam seu parecer, como o mestre Miguel Couto, que escreveu ao aluno que entregava a mão à palmatória, convencido que ficara de seu antigo erro.

* * *

Agripa escritor mineiro de corpo e alma, um verdadeiro fanatismo.
"Para ele, os poetas, os ensaístas, os romancistas mais notáveis da América são os de Minas Gerais", disse um crítico.
A Editora Itatiaia publicou ''São Chico", uma saga sobre o Rio São Francisco e "Gado Preto em ouro verde", o ciclo da cultura do café e da escravidão.

* * *

Era médico, foi para o Nordeste como cirurgião-chefe da Companhia Hidro Elétrica de Paulo Afonso, Bahia, onde construiu o "Hospital Nau Souza".
Aposentado do Banco do Brasil, do Instituto Federal e de companhias particulares no Recife, onde clinicou. Faleceu em Belo Horizonte, no dia 21 de janeiro de 1969.

* * *

Escreveu romances de sucesso: "Sinhá braba, "A vida em flor de dona Beja" (que inspirou a famosa novela), "Gongo-sogo", "Chica que manda", um excelente romance sobre Chica da Silva.

Em carta de Recife ao seu Editor, Pedro Paulo Moreira, disse:

"Minha vida nada tem de importante para seu estudo. A profissão de médico rural que fui no começo me aproximou do povo, da ralé desclassificada. E dos humildes sem justiça. Quando examino algum deles procuro conhecer vida e hábitos, o linguajar, as lendas, o folclore de sua região. Poucos conhecem o interior com mais profundidade. Homem de nenhuma vaidade, nenhum orgulho, sou um trabalhador por prazer e meus trabalhos refletem meus conhecimentos do nosso povo, daí e daqui. Uma opinião que me agradou foi a do querido Ascenso Ferreira: Seu livro sobre Beja foi o melhor romance que li". (Agripa)

Como poeta está quase desconhecido.

Era um poeta parnasiano tardio, como tantos outros.

Seu belo poema "Chuva do mar", para mim, é um clássico do gênero:

Quando Raquel casou, naquela tarde mansa
Vi desfeito de vez meu sonho de criança. . .
Um desespero atroz meu ser avassalou!
Mas alguém que conhece os mistérios do mundo
Num sussurro me disse um conselho profundo:
- Isso é chuva do mar. Vai passar.
E passou.

Quando, ainda mocinho, eu senti, doido de ira,
Que, parecendo certo, era tudo mentira
O amor que me jurara a pérfida Margot,
Quis Morrer - mas alguém que conhece essa vida
Me falou, sem calor, mas em frase sentida:
- Isso é chuva do mar: Vai passar.
E passou.

Quando Ofélia seguiu seu destino sombrio,
Senti, como ainda sinto, o coração vazio!...
Faz tanto tempo já que nem sei mais quem sou!
Mas quem viu, em meu pranto uma simples garoa
Quis em vão me dizer uma palavra boa:
- Isso é chuva de mar. Vai passar.
Não passou.

Nasceu a 12 de abril de 1900, em Matosinhos, município de Santa Luzia. Aluno de Carlos Góis e Aurélio Pires, que o consideraram o melhor aluno que tiveram.
Afrânio Peixoto, que era catedrático, quis conhecê-lo e essa amizade se prolongou até a morte do grande mestre nacional.

Na epidemia da gripe de 1918, no Rio de Janeiro, levado por Leal de Souza, prestou serviços a Coelho Neto, que o considerou sempre "amigo dos que mais viveu em meu coração".

Foi interno do mestre Miguel Couto, que escreveu, ao celebrar seu 25º aniversário como professor, no Hotel Glória, do Rio, que seus melhores internos tinham sido até então Leitão da Cunha, Otávio Aires, Gastão Crulz e Agripa Vasconcelos. A lágrima nos olhos de Miguel Couto revela que sempre o considerou como filho.

No fim do curso médico foi orador de sua turma; e Miguel Couto, paraninfo. Este começou sua oração com o elogio de seu aluno, fato até hoje inédito na oração dos paraninfos.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

PAULO JACOB


PAULO JACOB

Rogel Samuel

Sob vários aspectos, ele é o maior romancista da Amazônia.
Não é muito lido, conhecido, porque autor difícil, sofisticado.
Sua morte, no dia 7 de abril de 2004, abre questão grave quanto à divulgação da cultura nacional brasileira.
Sua morte não chamou atenção.
Não se soube.
Eu mesmo, amazonense de Manaus, onde morava o escritor, não tive conhecimento.

* * *
Vim a ouvir da boca de um chofer de táxi, em Manaus, no dia 18 de junho.
Dizia-me ele:
— ...Por ali, na rua onde morava aquele desembargador, que morreu no ano passado...
A rua, cujo nome não me ocorre, fica ao lado do Igarapé.
A casa, em frente ao igarapé, exibe a vocação de Paulo Jacob. Em Manaus, mas sempre voltado para a Floresta. Que ele conheceu bem, pois foi juiz em Canutama, no rio Purus, em 1952, e durante 10 anos viajou pelo Amazonas.
Até que, nos anos 60, foi promovido a desembargador do Tribunal de Justiça.

* * *
Paulo Jacob escreveu muito. Muito. Cerca de 10 romances bem trabalhados.
Quase ganhou o maior prêmio nacional de literatura da sua época, o Walmap, em 1969, com "Dos ditos passados nos acercador do Cassianã", 2º lugar. Excelente livro, imenso, denso, 359 páginas de um tipo pequeno, corpo 10 (Rio de Janeiro, Bloch, 1969).
O Walmap tinha juízes como Jorge Amado, Guimarães Rosa e Antônio Olinto.
Os três deram o 4º lugar para "Chuva branca", em 1967, um dos seus mais belos livros. Outro livro, "Vila rica das queimadas", título bem atual, ecológico, também ficou entre os finalistas do Walmap. O título denuncia, como o livro: "O coração da mata, dos rios, dos igarapés e dos igapós morrendo", sobre o desmatamento. "Chãos de Maíconã" também "menção honrosa" do Concurso Walmap.

* * *

Festejado foi pela crítica, Paulo Jacob.
Leila Miccolis o considera "o Guimarães Rosa da Amazônia".
Guimarães Rosa ficou entusiasmado com "Chuva branca".
Aguinaldo Silva diz que ele fez "o primeiro grande romance da Amazônia".
Assis Brasil compara "Chuva branca" a "Sagarana" de Rosa e a "The wild palms" de Willian Faulkner.

* * *

Ler Paulo Jacob é dificuldade. Chega que ele, em "Chãos de Maíconã", anexou um vocabulário da língua ianoname, no fim do livro.
De um "Dicionário da língua popular da Amazônia" também ele é autor

* * *

Paulo Jacob nasceu em 24 de fevereiro de 1921 e faleceu no dia 7 de abril de 2004. Escreveu ainda: Muralha verde (1964), Andirá (1965), Estirão de mundo (1979), A noite cobria o rio caminhando (1983), O gaiola tirante rumo do rio da borracha (1987), além dos citados acima.

* * *

Em "Chuva branca", o personagem vai-se adentrando, vai-se assimilando na floresta, vai-se afastando da civilização, até que no fim parece que nem existiu - vira mito. No fim, na morte, ele tira a roupa, fica nu, perdido na mata, integrado nela, sabendo que vai morrer, perdido e integrado, no mitificado.

* * *
"O gaiola tirante rumo do rio da borracha" narra a viagem de um navio, um gaiola, um barco a vapor, saindo de Belém até o outro lado da Amazônia, no rio Purus até subir o rio Iaco, onde o navio naufragou e ali se soube que o preço da borracha despencara, de quinze mil réis caiu para oito, pondo na falência todos os coronéis. O personagem é o Comandante Antonio Damasceno.

* * *
Paulo Jacob foi professor universitário e Presidente do Tribunal de Justiça. Como Presidente de tribunal chegou a assumir o Governo do estado, em 1982. Sua morte deixa aberta a vaga de melhor romancista da região Norte.

sábado, 1 de agosto de 2009

É possível que os mastros se rompam...













É possível que os mastros se rompam...

Rogel Samuel

Brisa marinha

Enviado por Amelia Pais (Quadro de Manet)

Tradução: Augusto de Campos

A carne é triste, sim, e eu li todos os livros.
Fugir! Fugir! Sinto que os pássaros são livres,
Ébrios de se entregar à espuma e aos céus imensos.
Nada, nem os jardins dentro do olhar suspensos,
Impede o coração de submergir no mar
Ó noites! nem a luz deserta a iluminar
Este papel vazio com seu branco anseio,
Nem a jovem mulher que preme o filho ao seio.
Eu partirei! Vapor a balouçar nas vagas,
Ergue a âncora em prol das mais estranhas plagas!
Um Tédio, desolado por cruéis silêncios,
Ainda crê no derradeiro adeus dos lenços!
E é possível que os mastros, entre ondas más,
Se rompam ao vento sobre os náufragos, sem mastros, sem mastros,

[ nem ilhas férteis a vogar...
Mas, ó meu peito, ouve a canção que vem do mar!


Mallarmé ecoa a brisa, a brisa marinha. A tradução de Augusto de Campos é uma obra-prima. Podemos sentir a brisa entre os versos, e sua evocação, e sua evocação de fuga, sim, porque não adianta fugir através dos livros que já os tenho lidos, fugir, mas fugir mesmo, oh, só os pássaros são livres para fugir, fugir com minhas asas da imaginação para as maravilhosas ilhas da imensidão do mar, como nas aves, como nos pássaros ébrios de azul e de imensidão, os pássaros e naves que se entregam às espumas e/ou aos céus imensos, suspensos, amplos, livres, etc.