segunda-feira, 30 de agosto de 2021

A morte no envelope


 A morte no envelope



Rogel Samuel


Bach resumiu sua "poética" na "A Arte da Fuga" (que
tem seu nome: si bemol, lá, dó, si). Conhecida um século depois.
Mas A Arte da Fuga ficou incompleta. A última fuga não acaba; continua a rolar, sem fim. Vida breve. Infinita.
A vida é breve. O Brasil não tem tradição de literatura policial. Outros gêneros literários sumiram, também. A nova poesia, os novos contistas, o novo romance. Falta mídia? Não acredito. Faltam editoras? Não faltam leitores. Coelho Neto escreveu 112 livros e 50 peças de teatro. Vida breve. Humberto de Campos recebia inúmeras cartas. Escreveu obra gigantesca, hoje quase desconhecida. "A morte no envelope" de Luiz Lopes Coelho me vem à lembrança.
A literatura não morre no envelope, mas na estante. Coelho Neto e Humberto de Campos escreveram muito, como Camilo, um gênio, que ainda se lê, com prazer. Estilo rápido,
nervoso, elétrico. A grande massa da literatura morre, morreu, ou morrerá. Balzac escrevia por compulsão. Um dos mais bem sucedidos escritores do Brasil, Jorge Amado, produzia um bom livro a cada dois anos. Mas há autores de um livro só, como Manuel Antonio de Almeida.
Assis Brasil continua escrevendo. Mais de cem livros. Vive
de literatura, produz romances, ensaios, antologias. É um mestre. A "Tragédia burguesa", de Otavio de Faria, tem quinze grossos volumes. Elogiada por Mestre Alceu, hoje desapareceu. Ele era excelente crítico de cinema. Aliás, adorava cinema. Dizem que ele saía de uma sala de cinema e entrava noutra. Tobias Barreto, dono de respeitável obra, não mais se lê.
Escreveu obras filosóficas importantes. Onde estão seus livros? Vida breve. Bach resumiu a "poética" de sua música na "A Arte da Fuga" (que contém o seu nome: si bemol, lá, dó, si). Conhecida um século depois.
Mas a Arte da Fuga ficou incompleta. A última fuga era a morte.

sábado, 21 de agosto de 2021

MEIO MAR

 



meio mar

Quando lemos quando poemas quando
fazendo-me vomitar
a fase dura do ar
a face horrível do amar

quando
quero ser simples
quero
voltei ao fundo da primeira gaveta
quero sonhar
era o parque era o nada
o simples naufragar
voltas da praia antiga
minutos no meio mar

ROGEL SAMUEL

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

POEMA


 a noite não será tão negra enquanto eu puder ouvir a sua canção

nem saberei de dor enquanto navegar
nas suas águas límpidas
nas suas imagens claras
nos seus cadernos e guardados
no seu sorriso jovem
a velhice nada significará
pois eu sei que está
junto a mim
mas tudo passa
e tudo que passa
tem a sua eternidade
tudo recebe os beijos da manhã
e a claridade da noite enluarada
envolta em sedas
de estrelas

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

POEMA


 havia uma igreja no alto

de lá se descortinava
o grande mar o asfalto
por onde a estrada passava
ficava o mundo em pedaços
a praça os recomeços
as cartas de teu regresso
ficavam nas pedras os passos
a esquiva glória de amar
os pedaços de si mesmo
o meio a linha os traços
o espetáculo no espaço
a glória curta no ar
havia uma igreja no alto
e o plano do grande mar

ROGEL SAMUEL