sábado, 6 de junho de 2015

A PANTERA 13 (ROGEL SAMUEL)

A PANTERA 13 (ROGEL SAMUEL)

Daquela varanda via-se a cúpula da Estupa de Bouldha. 
Em minha frente, o Dr. Shresta descrevia aquela história, falava pausadamente, como quem profere uma conferência num auditório:
- Tudo se resume nisso, disse ele.
E acrescentou:
- O nome da estupa é Jarungkhasor, o que significa: tudo que se lhe pedir será concedido.
Jara voltou com a bandeja de chá. 
Vestida de tibetana casada, com o avental, parecia mesmo uma tibetana. As pessoas falavam com ela em tibetano na rua, o que ela adorava. Finalmente estava num país onde a aceitavam, amavam, ainda que não falasse tibetano, nem inglês. 
Jara sentou-se e esperou. 
- A criadora de porcos já tinha morrido, mas os dois filhos terminaram a estupa.
E o doutor bebeu um gole de sua chávena de chá, chá com leite, com um pouco de manteiga de iaque, que Jara aprendera a fazer. 
- Obrigado, disse ele para Jara, sorrindo, gentilmente.
Ela, desvanecida.
- Mas como tudo começa? – perguntou Jara e eu traduzi.
- Ela era uma deusa, disse o Dr. Shresta, mas pelo seu erro de arrancar uma flor foi condenada a nascer aqui, onde se tornou criadora de porcos. 
- Um dia, continuou ele, Padmasambhava se dirigiu aos tibetanos nesses termos:
   — Jovens tibetanos, há uma estória que vocês desconhecem, ó jovens tibetanos, que necessitam saber. E é por isso que vocês estão aqui.
      Os tibetanos permaneceram em silêncio, disse o Dr. Shresta.
          — Querem vocês conhecer parte da minha extraordinária estória?
          Os tibetanos pediram que lhes contasse.
          E ele assim falou:

          — Isso se passou há muito tempo, no tempo do Buda Mahakashyapa. Minha mãe daquela época se chamava Shamvara, e tinha 4 filhos. Ela construiu a Estupa de Jarungkhasor, no distrito de Maguta, no reino do Nepal.
          Ele puxou sua capa para proteger-se do vento e prosseguiu: “Na vida anterior àquela, minha mãe se chamava Apurna, e residia no Reino dos 33 deuses. Lá, ela tirou uma flor do jardim. Aquilo que era um crime, pois matava a flor, e por isso adquiriu o carma de nascer no reino dos humanos, como uma simples porqueira de nome Shamvara”.
          “Shamvara teve quatro filhos de quatro diferentes homens. Como ficou quase rica com sua criação de porcos, e para o benefício de seus filhos, resolveu construir uma estupa para servir de receptáculo da mente de todos os Budas”.
          “Para isso, Shamvara pediu permissão do rei. E o rei autorizou”.
          “Então ela começou a construir a estupa com ajuda de seus quatro filhos. Mas à medida que a estupa ficava maior e mais bela, os ministros e o povo do Nepal desenvolvia inveja e raiva contra aquela reles porqueira. Eles se consideravam insultados, pois uma simples criadora de porcos, junto de seus quatro filhos ilegítimos, estavam construindo um tão grande e belo monumento”.
          “Movidos pelo ódio, foram ao rei e pediram ao monarca que obstruísse aquela construção, já que aquilo constituía uma humilhação para os nobres”.
          “O rei, porém, respondeu que aquela mulher era pobre, e que através de seu trabalho conseguiu economizar bastante dinheiro para, junto com seus quatro ilegítimos filhos, construir uma estupa, e que ele já tinha autorizado a construção. Portanto a autorização estava valendo, não podia mudar”.
          — Eu, como rei, só falo uma vez, concluiu. Por isso a grande estupa passou a se chamar de Jarungkhasor, o que quer dizer uma vez autorizada, nenhum obstáculo deve haver à sua construção.
          “Quando a grande estupa estava prestes a ser concluída, a porqueira previu sua morte antes da conclusão. Ela então reuniu seus quatro filhos e lhes disse:
          — Depois de minha morte, ó filhos, vocês devem concluir a obra, que é a finalidade de minha vida.
          E depois daquelas palavras ela morreu.
          Ouviram-se sinos e os deuses enviaram uma chuva de flores. Diversos arco-íris iluminaram os céus. A natureza homenageava minha mãe, pela generosidade de ter construído a extraordinária estupa.
Minha mãe atingiu o estado de Buda.
       Nós trabalhamos mais três anos, sete ao todo, e concluímos a obra.
          No fim, o Buda Mahakashyapa, acompanhado por seus filhos bodhissattvas, apareceu sobre o espaço, em cima da estupa. Também ali estavam todos os Budas e Bodissatvas das dez direções, com numerosos Arahants e os senhores dos três mundos, assim como divindades pacíficas e iradas, todos apareceram na mais auspiciosa presença com grandes sons e flores e nuvens de incenso.
          E a terra tremeu três vezes.
          E uma ilimitada luz da divina sabedoria se difundiu do corpo da assembléia dos Budas ali presente, eclipsando a luz do sol, e irradiando mesmo de noite por mais cinco dias.
          O Doutor ajeitou a capa, bebeu um gole de chá, sorriu como se lembrasse de tudo aquilo, e continuou:
          — Naquela hora eu fiz um pedido. Por causa desse pedido vocês estão aqui.
          Os tibetanos se entreolharam. Uma águia voejou no espaço, sobre a cabeça da gruta. Um vento novo varreu o vazio entre as grandes montanhas do Nepal.
Padmasambhava prosseguiu:

        — Naquela hora eu fiz o seguinte pedido aos budas e bodissatvas - que, pelo mérito de ter terminado a estupa de minha mãe, que eu pudesse levar o ensinamento para as grandes montanhas geladas do Tibet.

Todos se calaram. A noite caiu. Um grande vento frio baixou pelo vale, vindo das mais altas montanhas. O pesado silêncio pacificou a todos.
          Assim falou Padmasambhava e os guerreiros tibetanos escutaram em silêncio.

Nenhum comentário: