Maria Caxinauá
NEUZA MACHADO
Aquele caminhar ficcional de dentro para fora, aquele percorrer pelos infernais e mortíferos caminhos fluviais do Amazonas (um Caronte pós-moderno), que custou ao escritor dez anos de pesquisas históricas e reformulações narrativas, para a elaboração de sua proposta de criação ficcional (sem nenhuma dúvida, uma diferenciada criação ficcional), favoreceu ao narrador principal, aquele que viria em seguida, a possibilidade de singular rendimento ficcional e de fixar as bases verossímeis de seu ato de narrar, para, com este favorecimento ímpar, convencer o leitor do valor de sua Verdade.
No segundo instante metafísico, suspenso entre o antes e o depois[liii], no momento de um segundo renovado impasse narrativo (o primeiro foi depois da morte dos “parentes” e o surgimento de Paxiúba, o conhecimento do arcabouço mítico silvícola e universal, de dentro para fora), surge o comando de Maria Caxinauá, enviando-o para Manaus (o retorno de fora para dentro). O Manixi ficcional já estava em ruínas, acenando para a possibilidade de um final narrativo não condizente com as propostas criativas do segundo narrador. O acionamento da figura mítica de Maria Caxinauá foi de fundamental importância, porque foi, por intermédio dela, que o narrador principal intuiu/intui a finalização de seu romance. Neste segundo e último impasse narrativo, novamente evidencia-se a extraordinária força do arcabouço mítico (repito, agora de fora para dentro). A deusa lunar Maria Caxinauá reenviou o personagem Ribamar até às citadinas dimensões interiorizadas e ensolaradas de Manaus (a guardiã das trevas do Manixi, a plenipotenciária das mortes dos algozes de seu povo, os seus próprios cruéis carcereiros, a poderosa agenciadora da destruição do Manixi - destruição da dimensão infernal da Floresta -, cuja missão mítico-ficcional foi/é representar seu povo, dominado por potências estrangeiras, e destruí-las), foi exatamente ela a induzir o personagem-narrador a buscar “o dinamismo dos corredores e dos labirintos da imaginação dinâmica”[liv] de quem narra.
Por que Maria Caxinauá incentivou Ribamar de Sousa a mudar-se para Manaus? Não há como negar o fato de que ela, a Maria Caxinauá, escolheu o seu máximo vingador. E este rigoroso vingador teria de ser um representante do povo (o primeiro narrador-personagem), o ungido, o assinalado pelo narrador principal para destronar as familiares potências capitalistas estrangeiras que sugaram as reservas produtivas do Estado do Amazonas (e, por extensão, do Brasil, e dos Países do chamado Terceiro Mundo) e, assim, por acréscimo, teria de ser ele, o Ribamar de Sousa, o representante da burguesia manauara da segunda metade do século XX, o escolhido para reerguer a moral de seus desesperançados e escravizados parentes retirantes e dos indígenas martirizados, fossem eles Caxinauás ou não. No titânico e histórico duelo entre classes sociais discordantes, o representante do povo - dos subjugados retirantes nordestinos e dos índios dizimados - haveria de sair vencedor, de acordo com as novas leis da recente pós-modernidade socialista.
O fogo da labareda da serpente
Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel
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