DA SOMBRA DOS VENTOS AO ADEJAR DOS URUBUS
ROGEL SAMUEL
Em “Capoeira de espinhos” Dílson Lages criou um
gênero – fundiu conto, crônica, novela – construiu um texto – suas memórias
ficcionais, o personagem percorre as ruas de seu passado em passos tristes,
misturando fatos de um passado com as “modernidades” presentes, como no carrinho de Chico
Laranjeira que vendia melancias e CDs. Tudo mudado, tudo estragado pelos seus
olhos desgastados de velho. Não mais as andorinhas do céu. O tempo morto, a
vida morta, o relógio de pulso se quebra, é a morte.
Há uma frase que se repete: “quanto tempo ainda
tenho?” – o livro todo é uma reflexão sobre a morte, sobre a decadência dos
objetos, dos seres, das casas. O relógio roda, por horas, cada vez menos tempo
de vida, cada segundo é a vida que retrocede, menor, menor, gira assim para
trás, marcando o seu fim, - no fim o relógio se quebra, no chão - e a Pomba
Gira, nas ruas de Aldeia Viva (aldeia morta), fabricando vento, a sombra do
vento, no vermelho de suas saias, sem nome, sem destino, ou Chico Laranjeira,
vendendo melancias e CDs – os CDs dos escândalos.
Apesar de poucas ruas, a cidade parece enorme, dali
até as margens do Marataoã, o tempo para, o som dos ventos, tudo passa em
bicicletas, em Monaretas, em sonhos.
Outro motivo constante é uma estranha colher de
pedreiro, que atua como a de um coveiro do tempo, Aldeia Viva não é mais que
morta, uma espera da morte, como um cemitério. Pois a cidade está poluída de
fofocas, de mentiras, de histórias que são arapucas, conflitos, maledicências,
esquecimentos, de cochichos por trás dos muros, que o personagem, o professor
Constantino, um velho aposentado, sente-se hostilizado pelos muros das casas e
calçadas, pelas janelas fechadas, pela falta de seu passado, pela decadência
moral daquela vila, pela incerteza do futuro, como nos versos do Poeta Caçador:
“A mentira, a calúnia, a infâmia, o embate, / A vil
maledicência, a impudicía / a fraude...”
Nas últimas linhas de seu dizer: “Quanto tempo
ainda tinha?” [...] “Procurei as andorinhas no céu. Urubus, urubus.”
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