sexta-feira, 2 de junho de 2017

VIEIRA

VIEIRA

Rogel Samuel


Vieira é brasileiro. Veio com 6 anos de idade, aqui se fez, aqui aprendeu. Do seu extraordinário saber se conclui que a educação no Brasil em 1600 era melhor do que em 2002. Estudou ele no Colégio da Companhia de Jesus da Bahia, só foi conhecer Portugal com trinta e 
tantos anos. Vieira brasileiro, sim. Falava com sotaque brasileiro, usava modismos de linguagem do Brasil, visitou o país, foi até ao Amazonas. Com Gregório de Matos, ele é o gênio do nosso barroco. Não 
se zanguem os leitores portugueses. Temos vários leitores portugueses que lêem essas crônicas de sábado. Estão nesta lista. São gentilíssimos. 
O que os portugueses podem advogar contra o "nosso" Vieira é o nosso descaso. O descaso do Brasil com seus mitos. Um dia, estava eu no apartamento do Senhor X, famoso escritor, jornalista e político maranhense. Via-se que era homem rico, de tradicional família de políticos. Estávamos numa daquelas intermináveis reuniões de esquerda. Presentes ali lideranças políticas, representantes da "sociedade civil" (como se diz: mas que outra sociedade haverá?), músicos, artistas plásticos, escritores. O apartamento do Senhor X, amplo, ricamente decorado, frente para o 
mar, ocupava vastamente o andar inteiro da Av. Atlântica. Grande salão, onde estávamos, ao fundo majestosa, imensa biblioteca. As discussões entraram pela madrugada. Eu me enfadei, bocejava, 
palavras, palavras: estávamos ainda no regime militar. Sempre me canso em situações daquelas. As lideranças se entrechocavam. Orgulhosas e brilhantes. Onde há muitos líderes, o embate é certo. Na época ainda acreditava que somente a "revolução" podia mudar alguma coisa. Era algo mítico, heróico: eu, que não matava um inseto, sonhava com revolução branca, pacífica, democrática. Pelo voto! 
Então, uma coisa me intrigou: como aquele homem, o Senhor X., que era sólido intelectual respeitável, podia ostentar, em suas paredes, somente reproduções em papel de famosos quadros da pintura nacional, como Djanira e Di Cavalcanti?
Intrigado, levantei-me e fui por o nariz nos quadros e vi, 
terrificado, que as telas eram mesmo verdadeiras. Aquelas paredes valiam um museu!
Fui examinando um a um os quadros, espantado de emoção. 
Pinturas famosas, que todo mundo conhece, pois estão nos livros de arte conhecidos.
De repente, pressinto que havia alguém atrás de mim. Era o Senhor X.
- Mas o que tenho de mais valioso, disse-me ele, não está aqui. "Venha ver".
E pegando-me autoritariamente pelo braço me conduziu por uma série de salas e corredores do apartamento até um gabinete de trabalho, relativamente pequeno.
Na parede havia uma peça de madeira trabalhada em altos-relevos, com motivos religiosos, galhos, folhas e frutos.
- Sabe o que é isto? perguntou ele.
- Não sei, respondi eu.
- Isto é o que sobrou da porta da Igreja da Companhia de Jesus, no Maranhão, onde o Padre Vieira pregou durante vários anos. A Igreja foi demolida!
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POEMA 
Não quero rever o segredo 
o teu copo de mar 
nem a horta colher a medo 
por quem a imitação da forma 
é a porta por entrar 
a costura da imagem 
da pele mais quente amar 
que fria ou quente acessórios 
são para o tom certo aplainar 
ou a tonalidade vazia 
que nada sabe o enredo 
em que quero aprisionar 
e por onde passa o espelho 
lançado sobre o luar 
oriunda onda onde queres 
neste oceano me levar?
(Rogel Samuel)

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