DOIS - A PANTERA DE ROGEL SAMUEL
Nesse casebre, à noite, sentimo-nos ameaçados.
Sabemos estar sobre o Eldorado.
Pepitas de ouro no leito do lago.
Animais noturnos nos espreitam. O cântico da mãe da
lua aterroriza, o urutau canta suas três oitavas horrorosas.
Eu durmo com Jara numa rede alta, encostado no seio
do muro do seu silêncio.
As estrelas são vivas. E gritam.
Não há mosquitos, mas um frio vem da alma, vem do
calor da noite, dos ventos sinistros dos Andes.
Naquela noite
novamente ouvimos a presença noturna da pantera negra, ao redor da casa.
Naquela noite, ouvimos
gritos e silvos, gemidos, assobios.
Miracã-uera, o
cemitério.
Moramos em cima do cemitério
do Eldorado.
Isso nos assusta, nos
ilude, no escuro, no miúdo.
Por aqui, a floresta aparece
num grande mapa, protegida.
Nenhum civilizado
pisou esses solos amaldiçoados, protegidos por demônios encharcados de ouro.
Jara quase não fala,
companheira silenciosa.
Não sei de onde ela
veio, não sei quem é. E temo que possa matar-me, enquanto durmo.
Mas fazemos o amor
selvagem.
Quando ela vê a minha
depressão, mergulha no leito do lago e vem com uma pepita de ouro puro que vou
acumulando numa mochila já tão pesada.
Depois acende um
cachimbo de ipadu, uma espécie de coca, sopra na minha face. E me obriga a
mascar algumas folhas amargas, misturadas com cinzas da palmeira motaçu, e um
cipó amargo, chamado Tchamaru. Essa mistura me revigora, sinto uma embriaguez
deleitosa, súbita euforia, e adormeço em seus braços.
- Ipadu! Ipadu! – diz ela. Ipadu, motaçu, Tchamaru!
E eu me reconheço, e eu me recupero.
Sei que ela pressente o perigo, a guerra. O
incompreensível perigo.
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