terça-feira, 16 de fevereiro de 2016
SERMÃO DA SEGUNDA DOMINGA DA QUARESMA - VIEIRA
SERMÃO DA SEGUNDA DOMINGA DA QUARESMA
Assumpsit Jesus Petrum, et Jacobum, et Joannem, et duxit illos in montem excelsum seorsum, et transfiguratus est ante eos.[1]
§ I
As felicidades do Monte Garizim, e as maldições do Monte Hebel. O monte da tentação e o monte da Transfiguração. A fim de desfazer a cegueira dos que seguem o demônio ao monte das tentações, porá o autor um monte à vista do outro monte; o monte das tentações à vista do monte da Transfiguração, e as glórias do mundo à vista das glórias do céu, comparando, não bem com males, senão bens com bens.
Às portas quase da Terra de Promissão, mandou Moisés apregoarem dois montes altos e opostos — com vozes que todo o exército imenso dos filhos de Israel, estendido pelos campos, milagrosamente ouvia — em um, chamado Garizim, as felicidades dos que guardassem a Lei de Deus, e em outro, que se chamava Hebel, as maldições e desgraças dos que a não guardassem. Tais se me afiguram nesta entrada da Quaresma os dois montes, também muito altos, e não só opostos, mas totalmente contrários, cuja história evangélica neste domingo, e no passado, nos representou e representa a Igreja. No primeiro monte o demônio, que ainda se chamava príncipe deste mundo, mostrou a Cristo todos os reinos do mesmo mundo, e todas as suas glórias: Ostendit et omnia refina mundi, et gloriam eorum (Mt. 4, 8). — No segundo, Cristo, verdadeiro Rei e Senhor do céu, mostrou a alguns discípulos seus mais familiares, não todo o reino, nem toda a glória do céu, porque não eram capazes de a ver os olhos humanos, mas alguma parte dela: Et transfiguratus est ante eos[2] — Oh! quanto vai de monte a monte! Oh! quanto vai de reinos a reino! Ó quanto vai de glórias a glória! Também um desses montes, e com mais razão, se podia chamar o das felicidades, e outro o das maldições. E também está bradando o pregão, em cada um deles, que as felicidades estão guardadas para os que guardarem a lei de Deus, a que Cristo transfigurado nos anima com a vista da glória do céu, e as maldições, do mesmo modo, estão aparelhadas para os que desprezam e quebrantam a mesma lei, a que o demônio tentador nos incita com a falsa aparência das glórias do mundo..
Como ambos estes montes são de glória, posto que tão diversas, a cada um deles responde a sua assunção. Ao primeiro: Assumpsit eum diabolus[3]; ao segundo: Assumpsit Jesus Petrum, et Jacobum, et Joannem[4]. — É certo que bastava ser uma assunção do diabo, e outra assunção de Jesus, para todos amarem e desejarem a assunção de Jesus, e abominarem e renegarem da assunção do diabo. Mas que é o que vemos? O caminho do Monte Tabor, por onde se vai à glória do céu, deserto, e quase sem haver quem o pise; e a estrada do outro monte sem nome, por onde se vai às glórias do mundo, cheia e rebentando de gente de todos os estados, ainda daqueles que professam o desprezo cio mesmo mundo! Lá disse Davi que todo o homem que tem fé e entendimento, o que faz muito de propósito neste vale de lágrimas é dispor a sua ascensão: Ascensines in corde suo disposuit, in valle lacrymarum, in loco quem posuit[5].– Pois,se todos desejamos e esperamos que a nossa ascensão e assunção seja para gozar eternamente as verdadeiras felicidades da bem-aventurança, como deixamos o caminho do monte por onde Cristo nos guia à glória do céu, e seguimos com tanta ânsia e contenda, não digo já a estrada, senão os precipícios, por onde o demônio, debaixo do falso nome nosso, de glórias do mundo, nos leva às maldições do inferno?
Ora, eu com a graça divina quisera hoje desfazer esta cegueira, que tantas almas tem enganado e perdido, as quais nesta vida a não conheceram, e agora sem nenhum remédio a choram. A este fim porei um monte à vista do outro monte, e umas glórias à vista da outra glória: o monte da tentação à vista do monte da Transfiguração, e as glórias do mundo à vista da glória do céu, comparando, . não bens com males, senão bens com bens. Por este meio, mais clara e manifestamente que por nenhum outro, se verá a diferença dos falsos aos verdadeiros; e já que os nossos entendimentos e vontades andam tão enganados, ao menos nos desenganarão os olhos. A luz da divina graça se sirva de no-los abrir e alumiar por intercessão da Cheia de graça: Ave Maria.
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