sexta-feira, 17 de junho de 2016

O AMANTE DAS AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL

FOTO DE ISAAC MELO

O AMANTE DAS AMAZONAS
MAS a vida é um caminho que de repente se bifurca. E passa que, um dia, naquele dia - e eram certamente três horas da tarde, de tarde calma, quente e sobretudo verde entre árvores - estando eu sentado no tronco de espera que na Curva do Tucumã havia - bem defronte à curva plena do rio: o lugar era de pesca porque o igarapé, naquela altura, projetava-se numa rápida e solta volta quase em sacado, enseada de poço, piscoso e escuro, encobriria um homem alto logo sobre a margem, debaixo do cântico geral daqueles pássaros de bico largo e penas coloridas - quando, acintosamente, surpreendentes, de modo escandaloso e palerma, apareceram aquelas duas indiazinhas nuas.
Era certo que os Numas sempre voltavam das suas lendárias e por ninguém conhecidas montanhas peruanas. E certo também que voltavam gigantescos e ferozes, movendo-se sempre nas igualmente imaginárias áreas do Rio Pique Yaco, do Rio Toro, e do além mais. Mas nunca apareciam, qual seja: não ficavam visíveis, às claras, de frente, nítidos, senão de viés, difusamente entrevistos, só pressentidos na obliqüidade do olhar. Mas aquelas meninas - a poesia apronta um mundo, a prosa outro - estavam ali excessivamente reais, muito mais reais e humanas do que os sediciosos machos seus irmãos. Nem aquilo era mais revide a todas exações suportadas pela floresta durante a ocupação seringalista. Onde há poder, ele se exerce? Para mim, elas estavam uma na outra, se abraçando dentro d’água por baixo o que era tão fácil as mãozinhas tal como eu enxergava na minha perspectiva sexualizada. Reais, humanamente reais, lá, do outro lado - as primeiras fêmeas Numas que apareceram em todo o mundo, belas como o sol sobre a risca da Terra.
E eu sufoquei de emoção. E fui largando o anzol. E fui empurrado, abaixado chulo sobre a terra, e protegido pelo capão de mato. E sabia que os Numas estavam próximos, na vazante. Nunca os vira de todo, mas sabíamos, porque a caça desaparecera! - lugar que tem índio não tem caça, que ele come toda - o porco, o mutum, a anta - depois de as abater com flechas de cana brava e arco de palmeira, a pupunha, a bacaba, o patauá, o paracoúba, o itaúba. Tudo pau d’arcos? E as antas, principalmente as antas, de que eles gostavam muito - saborosas, passando sempre pelos lugares. Oh, sim, e sim. Que eu fiquei ali até elas se retirarem. Era o êxtase! Que nem contei para o tio e o irmão, que me perceberiam abatido se tivessem alguma vez olhado para mim. E, no meio da noite, sonhei forte. Eu estava doente e doído. Sonhei com a índia maior - inteiro corpo jungido ao meu, no meio da noite meu tio acordou com meus gemidos e veio não sei por que com a arma na mão, me sacudiu mas se foi, se aquietava, ressonando leve - meu tio, ele sempre dormia armado, sono levíssimo.


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