O
PRIMEIRO TURNO DA PRIMAVERA
Rogel
Samuel
A primavera é a estação dos risos,
Deus fita o mundo com celeste afago,
Tremem as folhas e palpita o lago
Da brisa louca aos amorosos frisos.
A primavera canta: Casimiro faz
um verso cantante, "cantabile", assim:
---------------- 4 -------------- 10
Ou:
---------------- vera ------------- risos
Na primavera tudo é viço e gala,
Trinam as aves a canção de amores,
E doce e bela no tapiz das flores
Melhor perfume a violeta exala.
O poema, no início, explode de alegria -
Na primavera tudo é riso e festa,
Brotam aromas do vergel florido,
E o ramo verde de manhã colhido
Enfeita a fronte da aldeã modesta.
A língua portuguesa canta, o verso flui, as imagens embalam. Porque:
A natureza se desperta rindo,
Um hino imenso a criação modula,
Canta a calhandra, a juriti arrula,
O mar é calmo porque o céu é lindo.
Isso tudo era o Estado do Rio, onde viveu o jovem poeta, tão jovem
morto, e tão eterno:
Alegre e verde se balança o galho,
Suspira a fonte na linguagem meiga,
Murmura a brisa: - Como é linda a veiga!
Responde a rosa: - Como é doce o orvalho!
Quando uma sombra escurece a luz dos olhos juvenis com alguma amargura, um gemido...
Mas como às vezes sobre o céu sereno
Corre uma nuvem que a tormenta guia,
Também a lira alguma vez sombria
Solta gemendo de amargura um treno.
E as flores fenecem como as esperanças tênues, para renascer. São as ironias do jovem cantor à sua menina virgem, em cujos seios intumescidos o coração se assusta. Pois a mocidade é cresça em alguma "alma menina nessa festa imensa canta, palpita, se extasia e goza."
Isso era em 1o de julho de 1858, e é hoje em 22 de setembro de 2002. Apenas 144 anos após.
São flores murchas; - o jasmim fenece,
Mas bafejado s’erguerá de novo
Bem como o galho do gentil renovo
Durante a noite, quando o orvalho desce.
A tristeza não dura senão um dia, pois a juventude é eterna! Não precisa dinheiro, não precisa nada, o jovem tem tudo à mão no brilho dos seus olhos.
Se um amargo de ironia cheio
Treme nos lábios do cantor mancebo,
Em breve a virgem do seu casto enlevo
Dá-lhe um sorriso e lhe intumesce o seio.
Ah, a vida palpita, se extasia em glória. A lira virgem do poeta jovem, a alma pura da menina amada, tudo emociona e ama, entre as flores. A garotada crente, acreditando no amor, no futuro, na felicidade. Sorri, sorri com a facilidade de quem sabe, ou de quem "não" sabe. E continua a beatitude do seu desconhecer...
Na primavera - na manhã da vida -
Deus às tristezas o sorriso enlaça,
E a tempestade se dissipa e passa
À voz mimosa da mulher querida.
Ai flores, ai dias de juventude e primavera ! Ama-se a vida - a mocidade é crença é alegria esperança e tudo!
Na mocidade, na estação fogosa,
Ama-se a vida a mocidade é crença,
E a alma virgem nesta festa imensa
Canta, palpita, s’extasia e goza.
E até um velho como eu se extasia em sonho! Como se jovem ainda fosse - nos apaixona a luz, o sol, o luar. As borboletas, as faiscações, as reverberações da superfície do mar, as árvores grandes como verdes hinos, as estradas, as recordações, os silêncios, as falas das fadas, o morno espreguiçar. Voltamos a pensar nos bosques e praias, nos poemas e sinfonias, voltamos a pensar no infinito, no horizonte, no espaço e mesmo a morte, que deve se avizinhar, nos afigura um doce enlevo repouso embriagador e em paz.
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