OS PILARES
Rogel Samuel
Um dia me perguntou a amiga se eu gostava de
Heiddeger. Imediatamente não pude responder. Mas muito refleti. Porque
Heiddeger fez parte dos pilares da formação de minha geração: aquela que se
formou no torvelinho do governo militar, na época de João Goulart e no
movimento estudantil de 68, etc.
Um pouco antes, todos liam Sartre, talvez sem a
intensidade necessária para a formação intelectual. Sartre representava o
pensamento de vanguarda, a mescla de marxismo e fenomenologia, ou
existencialismo.
Depois, veio aquela época de Marcuse, Althusser,
Lukacs. No Brasil autores de moda. Formadores de cabeça. E mais. Apareceram
Gattari, Deleuse.
Quando estávamos fazendo pós-graduação, passamos a
buscar os autores radicais: Hegel, Marx, Freud, Nietsche, Wittgenstein. Posso
dizer que passamos uma década lendo esses pilares em que se sustaram, durante
muito tempo, os elos do nosso edifício intelectual.
E Heiddeger.
Posso dizer que começamos com Heiddeger e
Wittgenstein.
Naquela época, em que Marx era um paradoxo pouco
conhecido (afinal até então poucos tinham dominado «O capital»), era muito chic
citar Heiddeger, mesmo porque ele era aceito pelo pensamento dominante da
Direita, e tinha umas perfumarias de jogos de palavra incompreensíveis que
aformoseavam qualquer texto.
Mas Heiddeger não é bem assim só isso.
Ele é um grande poeta, antes de tudo.
Ou melhor, Heiddeger repensou a Metafísica Ocidental
como somente muito poucos puderam fazer (ou talvez só ele o fez). Seu
pensamento era nitidamente alemão, é claro. Radicalmente alemão. Passava muito
pouco longe do nazismo, todos sabem disso (principalmente certas referências ao
termo «destino», ao uso do termo «jogar» etc). Mas não se pode negar-lhe a
profundeza poética dos limites do seu pensar.
Se era nazista pouco importa para nós hoje. Naquele
tempo ali todos eram.
Martin Heidegger
nasceu em 1889 e morreu em 1976. Um dos maiores pensadores de sua época.
Foi
também vítima do nazismo. Sua obra cobre a vastidão da história da filosofia,
desde os gregos até Nietzsche. Envereda pelos caminhos perdidos do Zen-budismo.
Mergulha nas origens obscuras da poesia e da arte, tendo escrito sobre isso
textos fundamentais.
«O pensamento de Heidegger é o esforço de nos
reconduzir ao País das Maravilhas, onde o movimento de pensar é tão concentrado
na identidade de si mesmo que colhe os limites de nossos hábitos de pensar e
possibilidades de dizer nas próprias raízes de sua limitação. É, então, que se
faz silêncio no país do Pensamento. Pois o silêncio é a Linguagem no movimento
consumado do repouso, que já ultrapassou toda discursividade da língua.»
escreveu E. Carneiro Leão (Aprendendo a Pensar, 1977. pg 149).
Fui aluno de Carneiro Leão.
Pouco antes de morrer, Heiddeger deu uma entrevista
radiofônica em que disse que somente dois filósofos atingiram o significado do
seu pensamento: um foi Carneiro Leão.
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