segunda-feira, 2 de abril de 2018
O AMANTE DAS AMAZONAS
O almoço fora servido por Maria Caxinauá, a índia parecia velha como a floresta. A fresca maacu expõe seus braços à imaginação do olhar. A seda acentua e escorre como cola gosmenta. Naquela hora tudo escorre. Morna, preguiçosa, sensual. O igarapé escorre em velocidade invisível, na passagem oleosa. Silencio. Rio de óleo. Chama-se “igarapé” por economia geográfica, por seus estreitamentos, sua foz escondida entre duas grandes sumaúmas. “Do inferno” significa “dos Numas”, de onde vem, do leite do látex e dos índios. A concentrada riqueza. Pierre Bataillon descobriu aquele rio em 1876. A extração amazonense dobrava, a cada década. De 1821 a 1830 eram 329 toneladas. Na década seguinte dá-se a expansão: 2.314 t. De 41 a 50, 4.693 t. Grande desenvolvimento de 51 a 60: 19.383 t. De 71 a 80, 60.225 t. Após a sua chegada: 110.048 t! Até aquele ano Pierre conseguira extrair cerca de 20 mil toneladas, amealhando uma fortuna em libras, explorando quase 500 homens que se espalhavam numa região onde caberiam alguns países europeus. A maacu olha. Ferreira se sente atravessado por um calafrio mortal. Sente frio na hora de maior calor. As carapanãs e as moscas sanguessugas zunem nos ouvidos. Os piuns incomodam muito. O calor é pesado, úmido, adocicado, de jenipapo e mel. Amolece. Fantasias, devaneios, delírios, sonhos. Aquela era a primeira viagem de Ferreira ao interior. Ele e o sogro queriam o Seringal, armavam os complicados lances de um jogo de xadrez comercial. Ferreira parecia cansado da viagem. Pierre soltava fumaça no ar. Era só cautela e espera. A qualquer momento, surpresa. Agora Pierre começava a falar dos Numas. Ferreira passava do desejo ao temor. Olhava com pavor para as árvores, como se temesse surgir um monstro. Pierre parecia calmo. Anulava seus fantasmas, as pernas cruzadas, como num café parisiense. Por que aquele homem não arregimentava sua fortuna e voltava para Paris? Pierre, o inesperado. Sua ambição era o antídoto contra o tédio amazônico. Desafiadora, Ivete (que assim se chamava a índia, Ivete Romana) considerava o jovem de longe. Ela, desafio e indução. Ferreira tossia, compunha-se na cadeira. Ivete movimentava os olhos com a elasticidade de serpente, devastadora e tátil. Ferreira recuava na cadeira, sentia-se tocado. Através das colunas de pedra do parapeito se descortinava o excessivo panorama daquele estilizado painel amazônico neo-rococó, entrelaçado de gavinhas e ramificações. A floresta fechava seu abraço. Mas o moço tentava sobreviver, na plenitude do anfiteatro das copas das sumaúmas pré-colombianas. No Juriti Velho havia uma árvore de 60 metros de altura. O edifício todo se encastelava, encapsulado de civilização da humanidade européia. Estava onde não chegavam os saberes constituídos. Como que traído, Pierre vê a possibilidade de neutralizar o visitante. Espera tirar o secreto motivo que o trouxera ali. Adivinhava cordialidades ameaçadoras. Precata-se em suas cautelas, conversas, narrativas. Os curumins brincam na ubá atracada. Fecham o nariz com dois dedos, pulam de pé. Depois correm pela margem.
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