terça-feira, 4 de agosto de 2015

MEU PAI



ROGEL SAMUEL (NA FOTO, COM SUA IRMÃ)
Meu pai tocava piano, e passou a vida estudando violino. Certa vez, viajava pelo interior do Amazonas, como sempre fazia, e começou a praticar a partita de Bach. Ele usava sua própria lancha, acompanhado de um jovem caboclo calado, índio silencioso, que lhe servia de marinheiro. 
Meu pai aprendera a tocar violino em Strasburgo. Desde criança. Era francês. A partita tinha de ser repetida, horas repassavam as partes difíceis, A viagem prosseguia. Suas viagens eram longas, ele se ausentava de nossa casa às vezes por um mês, a serviço do BASA, onde era "fiscal rural", ou seja, quem verificava os seringais e plantações de juta. 
Passaram-se muitos anos. 
Um dia, bem mais velho meu pai, viajava pelo Rio Juruá teve de pernoitar onde se realizava a festa. Bebia-se e dançava-se durante a noite, e ele foi convidado, no lugar todo funcionário público (ou privado) era "autoridade". Uma indelicadeza recusar. 
Num intervalo da festa um dos músicos se apresentou: 
-- Não me conhece, sr. Samuel? 
Meu pai não se lembrava. Aí o homem perguntou:
-- O senhor ainda toca aquela musiquinha? 
E tocou a Partita n. 1 de Bach ao violão.

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