Paris
Rogel Samuel
Havia uma chuva fina que molha o chão das ruas e põe as folhas das árvores pensativas. Nas três vezes anteriores que estive em Paris chovia sempre. Como todo amazonense, adoro Paris. Sonho morar em Paris, como os amazonenses da época de meu avô. Manaus, réplica, miniatura de Paris. Existia a Casa Louvre, A la ville de Paris, Café da Paz, Au bon marché, Livraria Palais Royal, Casa Sorbonne, Bijou . "Manaus, pequena Paris". Boulevar Amazonas, Boulevard Álvaro Maia. "A samaritana". Manaus, toda francesa. Na "Praça da Polícia", uma réplica do "Temple d'amour", de Versailles. Quando a borracha faliu, os comerciantes quebraram, mudaram-se para Paris, Lisboa. Os jornais da época marcam anúncios, despedida. Bela maneira de ir à falência: Iam para Paris. Onde já estudavam seus filhos. Um amigo reacionário me diz, com indignação: "A filha do Lula estuda em Paris". Meu pai estudou em Paris, no entre-guerras. Na realidade, ele era francês, ainda que tivesse nascido a bordo do navio Adamastor, em Remate de Males, que eu só sei onde fica devido a um livro de Mário de Andrade. Antes que a malária matasse todas as crianças nascidas ali, meu avô, que era alsaciano, transbordou sua mulher e filho para um navio inglês que passava. O menino ficou em Estrasburgo, a bela cidade, a Catedral mais bela do mundo. Aliás, ele morava perto da Catedral. Acordava ao som de seus sinos. A catedral é maior do que a própria cidade. Um dia, estando em Frankfurt, em casa de Karl Joseph, eu disse: "Vou ver Estraburgo". E ele respondeu: "Eu levo você". Fomos, que era domingo, eu, ele e sua esposa brasileira. De Estrasburgo, mandei um cartão para meu pai, ainda vivo. Lá, depois do almoço, quiseram voltar. No dia seguinte trabalhavam. Eu disse: "Não volto sem ver e ouvir o relógio da Catedral". Passei a infância ouvindo falar daquele relógio. Karl Joseph e a mulher foram descansar num hotel, na estrada, eu esperei dar 6 horas da tarde dentro da Catedral. A primeira coisa que aconteceu foi abrir-se uma portinhola e dali sair um boneco mecânico, um esqueleto vestido de Morte, bateu com um martelinho num sininho. Aquilo ecoou por toda a nave. Ao que o grande sino da Igreja respondeu, solene. Grave. Chove sempre que estou em Paris. Com Annie Gerault, que não tem medo de chuva, cortamos o Bois de Vincennes, pelas margens do lago "des Minimes", sob chuva forte, à noite. Annie já faleceu, morava na Rue Fondary, não longe da Torre Eiffel. Um dia fomos ver a nova iluminação da Torre. Depois, já bem tarde, Annie quis passear pela noite, no Jardin du Luxembourg. Como carioca, logo pensei em assalto. O jardim estava deserto, mas a sensação era de calma. Lembrei-me então: não estávamos no Rio.
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