quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O PALÁCIO NAS SELVAS


Lucilene Gomes Lima - FICÇÒES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS
Estudo comparativo dos romances A selva, Beiradão e O amante das amazonas

Um dos pontos mais marcantes nos estudos históricos e na ficção do ciclo, o elemento que se caracteriza como o explorador, é retomado em O amante das amazonas sob um olhar distinto daquele que se convencionou na maioria das obras ficcionais. O que se torna central no romance não é a abordagem maniqueísta em torno desse elemento, mas sua relação com um processo econômico mais abrangente do que a monocultura local. No romance, a personagem Pierrre Bataillon, proprietário do seringal Manixi, em nada se assemelha às tradicionais personagens de seringalistas. Divergindo dessas personagens, Pierre representa uma linhagem “[...] nobre, neto de Duque de Cellis, uma das mais nobres famílias de Espanha, que vinha da antiga Roma, inteligente, culto, falando fluentemente várias línguas [...]”,[223] vivendo como um “[...]fidalgo engastado na floresta, cercado de todo o luxo e de muitos livros [...]”.[224] Pierre não significa apenas o oposto do arrivista bronco enriquecido, seus hábitos e o palácio que constrói no meio da selva sintetizam o aspecto voraz do capital internacional e da cultura estrangeira, impondo sua hegemonia sobre a cultura local através de uma ostentação delirante e esquizofrênica:

 [...] O palácio era imagem em busca de sua natureza profunda. Ali se dispunha de uma sala de música onde se ouvia principalmente Beethoven, com um piano Pleyel, a vitrine onde Pierre Bataillon ostentava sua coleção de violinos (o Guarnerius, o Begonzi, o Klotz, o Vuillaume), as gravuras representando Viotti, Baillot, David, Kreuzer, Vieuxtemps, Joachim; a máscara mortuária de Beethoven, laureado em bronze, de Stiasny. A biblioteca, em que alguém uma noite leu em voz alta versos de Lamartine. E salas e salas se interrogando para quê, salões e galerias e cômodos se intercomunicando por portas sucessivas que se abriam em galerias e corredores restritos, que se fechavam em si mesmos, ao som do piano de Pierre Bataillon [...] no silêncio rigoroso do gabinete inglês; na dinâmica, na morfologia prostituta do divã de Delanois; na unidade e variante elíptica do canapé – e nos cipós, íris, cardos, insetos estilizados, poliformes, incorporando-se aos móveis e às linhas dos painéis franceses num delírio neo-rococó como não quis a natureza: estátuas sobre lambrequins, rocalhas e rosáceas ecléticas, urnas nas cimalhas dos balcões simbolizando a energia, a ontologia e o desejo do capitalismo de tudo consumir, de tudo gastar, de tudo produzir, de tudo poupar e de tudo faltar e apropriar-se, transbordando e abortando na loucura, na miséria e na morte – cariátides, capitéis, folhagens da selva ...[...][225]

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