sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

As capitanias hereditárias


As capitanias hereditárias

Rogel Samuel

- Mas não me diga!
- Sim, senhor – reafirmou D. Diogo, com um gesto de cabeça.
E bebeu um gole de seu chá. Era um chá com especiarias indianas que somente os homens mais ricos podiam consumir. Trouxera das Índias aquele chá seu protegido Loureiro das Neves, navegador e pequeno comerciante estabelecido em Lisboa. 
- O rei fatiou o Brasil em quinze faixas de terras...
- E o senhor ficou como uma delas, concluiu Loureiro das Neves.
- Não, nada disso. Não vale a pena. Não dá titulo de propriedade, nem há nenhuma garantia de que o negócio arriscado vai dar certo. D. João chama de “donatários”, mas não são donos. E o negócio pode acabar a qualquer momento. 
- Mas...
- O que El-Rei quer é colonizar logo aquelas terras, assegurar seus direitos. O negócio do pau-brasil está dando muito lucro, e os franceses e holandeses estão de olho, são espertos, são corsários. Os ingleses andam saqueando, é o que dizem.
E depois de um pigarro:
- Os nobres como eu não estão aceitando essas terras. São terras para proteger por capitães, daí o nome de “capitanias”. Apesar de chamarem de “hereditárias”, essas terras pertencem à coroa, e a qualquer momento o título pode desaparecer. 
E finalmente olhou para o amigo e disse:
- Vamos, a ceia está servida... Só um maluco ou um aventureiro aceitaria um donativo deste. Você tem de gastar do seu próprio bolso... E enfrentar os índios... Os índios!
Depois que sentaram à mesa, continuou D. Diogo:
- É um contrato unilateral. Não vai dar certo! É o que lhe digo, meu caro.
Loureiro das Neves bebia o seu caldo em silêncio. Depois perguntou:   
- Mas é um sistema de feitorias, não é?
- Sim, disse o outro. Um sistema assim.
- As árvores do pau-brasil estão ficando cada vez mais difíceis de conseguir.
- Por quê? – quis saber o riquíssimo D. Diogo Lopes. Afinal ele aumentara a sua fortuna no comércio do pau-brasil.
- Aquelas árvores não crescem juntas, estão dispersas dentro da mata. As do litoral já se acabaram. Agora nós temos de depender dos índios para conseguir. Os índios cortam as árvores, isso faz parte da cultura deles, e nós as compramos com tecido, facas, miçangas.
Loureiro das Neves terminou a sopa e acrescentou:
- Os índios, entretanto, estão ficando agressivos, perigosos.
- A maior ameaça não são os índios, mas os franceses, disse autoritariamente D. Diogo.
- Sim, sim, D. Diogo. Foi por isso que D. João III enviou a expedição de Martim Afonso de Sousa, argumentou Loureiro das Neves.
- Ele mesmo é um dos donatários de terra, informou D. Diogo.
- Não diga! 
- Foi o que me disse ontem o próprio rei.
- Mas ele já voltou?
- Não sei. Acho que não. Não faz mal. Todos nós o aprovamos. Martim Afonso de Sousa é um navegador experiente e um excelente militar.


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