A QUESTÃO FUNDAMENTAL DA METAFÍSICA
MARTIN HEIDEGGER
Trad. Emmanuel Carneiro Leão
Por que há simplesmente o ente (1) e não antes o
Nada? Eis a questão. Certamente não se trata de uma
questão qualquer. “Por que há simplesmente o ente e
não antes o Nada?” - essa é evidentemente a primeira
de todas as questões. A primeira, sem dúvida, não na
ordem da seqüência cronológica das questões. Em sua
caminhada histórica através do tempo o homem e os
povos investigam muito. Pesquisam e procuram e
examinam muitas coisas antes de se depararem com a
questão, “Por que há simplesmente o ente e não antes
o Nada?” Muitos nunca a encontram, não no sentido de
a lerem e ouvirem formulada, mas no sentido de
investigarem a questão, i.e, de a levantarem, de a
colocarem, de se porem no estado da questão.
E não obstante todos são atingidos uma vez ou outra,
talvez mesmo de quando em vez, por sua fôrça
secreta, sem saberem ao certo, o que lhes acontece.
Assim num grande desespero, quando todo peso
parece desaparecer das coisas e se obscurece todo
sentido, surge a questão. Talvez apenas insinuada,
como uma badalada surda, que ecoa na existência (2)
e aos poucos de novo se esboroa. Assim num júbilo da
alma, quando as coisas se transfiguram e nos parecem
rodear pela primeira vez, como se antes nos fosse
possível perceber-lhes a ausência do que a presença e
essência. Assim numa monotonia, quando igualmente
distamos de júbilo e desespero e a banalidade do ente
estende um vazio, onde se nos afigura indiferente, se
há o ente ou se não há, o que faz ecoar de forma
especial a questão: Por que há simplesmente o ente e
não antes o Nada?
Em todo caso, quer seja mesmo investigada ou quer,
ignorada como questão, perpasse pela existência
como um hálito tênue, quer nos pressione mais
duramente ou quer se veja preterida e recalcada por
qualquer pretexto, de fato nunca é a questão que na
ordem cronológica investigamos por primeiro.
Mas é a primeira questão em outro sentido - a saber
quanto à dignidade. O que se explica de três modos. A
questão, “por que há simplesmente o ente e não antes
o Nada?”, se constitui para nós na primeira em
dignidade antes de tudo por ser a mais vasta, depois
por ser a mais profunda e afinal por ser a mais
originária das questões.
A questão cobre o máximo de envergadura. Não se
detém em nenhum ente de qualquer espécie. Abrange
todo ente, i. e, não só o ente atual no sentido mais
amplo, como também o ente, que já foi e o que ainda
será. O arco da questão encontra seus limites apenas
no que absolutamente nunca pode ser, no Nada. Tudo,
que não for nada, cai sob seu alcance, no fim até
mesmo o próprio Nada. Não certamente por ser alguma
coisa, um ente, de vez que dele falamos, mas por “ser”
o Nada. É tão vasto o âmbito da questão, que nunca o
poderemos ultrapassar. Não investigamos esse ou
aquele nem mesmo, percorrendo um por um, todos os
entes, mas antecipadamente o ente todo, ou como
dizemos, por razões a serem discutidas ainda, o ente
como tal na totalidade.
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