quinta-feira, 17 de março de 2016

A QUESTÃO FUNDAMENTAL DA METAFÍSICA

A QUESTÃO FUNDAMENTAL DA METAFÍSICA 

MARTIN HEIDEGGER 

Trad. Emmanuel Carneiro Leão

 Por que há simplesmente o ente (1) e não antes o Nada? Eis a questão. Certamente não se trata de uma questão qualquer. “Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?” - essa é evidentemente a primeira de todas as questões. A primeira, sem dúvida, não na ordem da seqüência cronológica das questões. Em sua caminhada histórica através do tempo o homem e os povos investigam muito. Pesquisam e procuram e examinam muitas coisas antes de se depararem com a questão, “Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?” Muitos nunca a encontram, não no sentido de a lerem e ouvirem formulada, mas no sentido de investigarem a questão, i.e, de a levantarem, de a colocarem, de se porem no estado da questão. E não obstante todos são atingidos uma vez ou outra, talvez mesmo de quando em vez, por sua fôrça secreta, sem saberem ao certo, o que lhes acontece. Assim num grande desespero, quando todo peso parece desaparecer das coisas e se obscurece todo sentido, surge a questão. Talvez apenas insinuada, como uma badalada surda, que ecoa na existência (2) e aos poucos de novo se esboroa. Assim num júbilo da alma, quando as coisas se transfiguram e nos parecem rodear pela primeira vez, como se antes nos fosse possível perceber-lhes a ausência do que a presença e essência. Assim numa monotonia, quando igualmente distamos de júbilo e desespero e a banalidade do ente estende um vazio, onde se nos afigura indiferente, se há o ente ou se não há, o que faz ecoar de forma especial a questão: Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada? Em todo caso, quer seja mesmo investigada ou quer, ignorada como questão, perpasse pela existência como um hálito tênue, quer nos pressione mais duramente ou quer se veja preterida e recalcada por qualquer pretexto, de fato nunca é a questão que na ordem cronológica investigamos por primeiro. Mas é a primeira questão em outro sentido - a saber quanto à dignidade. O que se explica de três modos. A questão, “por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?”, se constitui para nós na primeira em dignidade antes de tudo por ser a mais vasta, depois por ser a mais profunda e afinal por ser a mais originária das questões. A questão cobre o máximo de envergadura. Não se detém em nenhum ente de qualquer espécie. Abrange todo ente, i. e, não só o ente atual no sentido mais amplo, como também o ente, que já foi e o que ainda será. O arco da questão encontra seus limites apenas no que absolutamente nunca pode ser, no Nada. Tudo, que não for nada, cai sob seu alcance, no fim até mesmo o próprio Nada. Não certamente por ser alguma coisa, um ente, de vez que dele falamos, mas por “ser” o Nada. É tão vasto o âmbito da questão, que nunca o poderemos ultrapassar. Não investigamos esse ou aquele nem mesmo, percorrendo um por um, todos os entes, mas antecipadamente o ente todo, ou como dizemos, por razões a serem discutidas ainda, o ente como tal na totalidade. 

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