domingo, 31 de julho de 2016

MANAUS: A DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO










MANAUS: A DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO


Rogel Samuel


Em 1876 corria um rio de concentrada riqueza às margens daquele rio Negro, sobre o qual se debruça a cidade de Manaus, a minha cidade natal. A extração amazonense dobrava, a cada década. De 1821 a 1830 eram 329 toneladas de borracha. Na década seguinte dá-se a expansão: 2.314 toneladas. De 1841 a 1850, 4.693 toneladas. O grande desenvolvimento foi de 1851 a 1860: 19.383 toneladas. De 1871 a 1880, 60.225 toneladas. Depois chegou a 110.048 toneladas! A cotação da borracha amazonense subia diariamente na Bolsa de Londres. Aumentava a produção dos pneumáticos. O Amazonas, único produtor de látex do mundo. Manaus rica, copiava Paris. Comerciantes enriqueciam da noite para o dia. Ostentava o Teatro Amazonas os seus espelhos de cristal. Os milionários jogavam cartas com anelados dedos pesados de diamantes, arriscando fortunas no Hotel Cassina, no Alcazar, no Éden, no Cassino Julieta. Telhas de Marselha ao luar na Rua dos Remédios, na Rua da Glória. Arquitetura art-nouveau do palácio de Ernest Scholtz - depois Palácio Rio Negro, sede do Governo. Arandelas, bandeiras, implúvio. Intercolúnio. O cunhal, o lambrequim, a voluta, o capitel, a cornija. Arquitrave. Barrete de clérigo, adufa, muxarabi, água-furtada, muiraquitã, envasadura, atleta, estípite. O enxalso, o frontão de canela. Galilé. Pequena Manaus, grande Paris! Lojas, magazines, charutarias, livrarias, alfaiatarias, ourivesarias. Bissoc. Pâtisserie. Du sucre, des fruits, de la crème. A la ville de Paris, Au bon marché, Quartier du temple, Damas do Gabinete Villeroy, Casa Louvre, Livraria Palais Royal (na rua Municipal, n0 85, com as novidades literárias de Paris), a Livraria Universal, Agência Freitas, a Casa Sorbonne (dentro do Grande Hotel), a Confeitaria Bijou, a Padaria Progresso. Faroletes de pedra de morona e de puraquequara. A bela Villa Fany, luxuosíssima. O Cais dos Barés, a Biblioteca Provincial (que incendiou fraudulentamente, para destruir os Arquivos Públicos, nos fundos). O prédio dos Educandos Artífices que deu nome ao bairro. The Amazon Steamship Navigation Co. A Alfândega é um prédio importado, peça por peça, da Inglaterra, montado aqui. Outro edifício, projeto do próprio Gustavo Eiffel, de ferro: o Mercado Municipal. Um Serviço Telefônico serve a cidade. A eletricidade ilumina as ruas de Manaus no início do Século, talvez das primeiras cidades brasileiras a ter este serviço. Calçadas da Praça São Sebastião, em pedras portuguesas pretas e brancas, em ondas que alegorizavam o “encontro das águas” do Negro e Solimões (posteriormente imitadas na praia de Copacabana). Bondes elétricos da Manaus-traways. Consome-se Veuve Clicquot, truffes, champignon. Huntley & Palmers, Cross & Blackwell. A Cork, a Pilsen, o Bordeaux, o fiambre, o Queijo da Serra da Estrella. Lagostas, a Goiabada Christalizada. Charteuse, Anizette. Champagne Duc de Reims. O Vermouth. Água de Vichy. Leite dos Alpes Suíços. Casacas inglesas, o H. J., o pongê, o filó. Bengalas de castão de ouro. Cartolas, luvas, perfumes franceses, lenços de seda. Pistolas de prata e cabo de marfim. Gramophones de Victor. Discos duplos de Caruso. Casas aviadoras. O Amazonas participa da Exposição Comercial de St. Louis, no Missouri, e posteriormente da Exposição Universal de Bruxelas, onde ganha 32 medalhas de ouro, 39 de prata, 70 de bronze, 6 Diplomas de Honra e os 13 Grandes Prêmios. Manaus-Harbour. Tabuleiro de Xadrez. Óperas, óperas, óperas. Diariamente. Prostitutas importadas. A Cervejaria Miranda Correia.

A Praça da Saudade. O Roadway, o Trapiche. Sífilis. Malária. Vidros de Quinino Labarraque. Óleo de Fígado de Bacalhau. Vinho Silva Araújo. Regulador da Madre. Pílulas Rosadas. Café Beirão. Winchesters cabo encerado de mogno. O Asilo de Mendicidade (construído pelo Comendador). A Ponte da Imperatriz, Igarapé da Cachoeira Grande. A Serraria, no Igarapé do Espírito Santo. Banhos no Igarapé das Sete Cacimbas. Buritizal. Jogos, no Parque Amazonense. Ida a Barcelos. Noite no Jirau. Muro do Leprosário do Aleixo. No recanto - o Chalé. Vista da Bomba d’Água. Viagens. Linhas. Manaus-Belém, Manaus-Santa Isabel, Manaus-Iquitos, Manaus-Marari, Manaus-Santo Antônio do Madeira, Manaus-Belém-Baião. Gonçalves Dias no Hotel Cassina. Coelho Neto no palacete da rua Epaminondas. Euclides da Cunha no chalé da Villa Municipal. Os jornais:  Amazonas Comercial, O Imparcial, O Rio Negro, Jornal do Comércio. 126 navios trafegam no interior do Amazonas. Vaticanos, gaiolas e chatas. Inaugura-se, às custas de 3,3 milhões de dólares, o Teatro Amazonas, em 1896 - a mais cara e inútil obra faraônica da História do Brasil, milionária e importada, com painéis, centenas de lustres de cristal venezianos, colunas de mármore de várias cores, estátuas de bronze assinadas por grandes mestres, espelhos de cristal, jarrões de porcelana da altura de um homem, tapetes persas - tudo o que, aliás, em 1912 desapareceu, esvaziando-se o Teatro para transformá-lo num depósito de borracha de uma firma americana. Ali o erário público foi enterrado em 10 mil contos de réis: o Teatro Amazonas custou o preço de 5 mil casas luxuosas. O dólar a 3 mil réis. Por 900 contos de réis se constrói o Palácio da Justiça. E por 1 mil e seiscentos contos de réis se constrói o Palácio do Governo, nunca concluído. O Teatro custou 10 mil vidas. Sim: Em 1919 para o Amazonas já tinham chegado 150 mil emigrantes. A borracha naqueles anos foi tão importante quanto o café. O Amazonas exportou 200 mil contos de réis em borracha, contra 300 mil contos do café paulista na mesma época. Em 1908 é fundada a mais antiga universidade do Brasil, em Manaus, com cursos de Direito (o único que sobreviveu), Engenharia, Obstetrícia, Odontologia, Farmácia, Agronomia, Ciências e Letras. Nessa época 12 milhões de francos franceses sumiram, roubados no Governo de Constantino Nery. Encampa-se, fraudulenta e inutilmente, a Manaos Improvements, por 10.500 contos de réis - o preço do Teatro Amazonas. A história de Manaus é um acúmulo de loucuras. O seu signo é o Teatro Amazonas. É difícil compreender a imagem que se tem da Amazônia e de Manaus, esta cidade colocada no meio das selvas que tem como símbolo um grande teatro. Geralmente as cidades tem um símbolo cultural. Nova Iorque é a Estátua da Liberdade, Paris é a Torre Eiffel, o Rio de Janeiro é o Pão de Açúcar. Manaus é o Teatro Amazonas. A essência dominante de Manaus é o Teatro Amazonas, como signo do lazer de uma riqueza teatral, de um luxo de opereta, pelo poder de uma classe dominante enlouquecida pelo ouro negro, ouro de uma inutilidade desvairada.


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