O CAVALO DO APOCALIPSE
ROGEL SAMUEL
Leio o mágico poema de Farias de Carvalho (1930-1997),
“Meu cavalo chegou”, meu ex-professor (sua filha a poetisa Graça Carvalho foi
minha amiga, já falecida).
A personalidade de Farias era marcante,
carismática, extraordinária e nos parecia grandioso ao falar aos alunos, a voz
possante, os gestos teatrais, abertos, os grandes olhos que lembrava Orson
Welles.
O poema começa com:
“Meu cavalo chegou (memória e nuvem),
a aurora
derramada sobre a crina.
Meu cavalo
chegou. Fome de tudo
estou
também: engoliremos mundos.”
Que significa esse cavalo? Pois sua poesia sempre
tem isso: uma reflexão sobre o tempo, os mortos, um mergulho naquele espaço
misterioso. A aurora sobre a crina, a fome sobre os mundos...
“Meu cavalo chegou. E, pressentidos,
os caminhos
me espiam de suas rédeas.
Meu cavalo
chegou. Há quanto tempo
gasto-me em
pés e olhos nesta espera...”
Os caminhos vêm das rédeas, os pés são de espera,
os olhos no horizonte.
E o cavalo vem do mito, do tempo, do vento, dos
espaços, da espera, da morte. Do sonho:
“Meu cavalo chegou. Eu despertava
quando o
vento falou-me de seus cascos
e a poeira
garantiu-me sua presença.”
E vem sob a poeira do tempo, sua presença neste
cemitério, é o fim, cumprir-me-ei, a população desse campo o cavalo vem para completar,
preencher, executar, recolher e levar os mortos:
“Meu cavalo chegou. Cumprir-me-ei.
Tanta gente
cansada nessas cruzes...
Meu cavalo
chegou. Mortos, montai!...”
Enfim, o cavalo significa a viagem, a partida, a passagem,
a perda, o transporte, a fuga, o escape para a fantasia, para o mundo dos
mortos, dos sonhos, do levar, do que arrasta, do que leva e retira, do afastar
para sempre.
O cavalo branco retira os mortos e os apaga, no
esquecimento, na névoa do nunca mais.
O cavalo chegou. Vamos partir.
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Meu cavalo
chegou (memória e nuvem),
a aurora
derramada sobre a crina.
Meu cavalo
chegou. Fome de tudo
estou
também: engoliremos mundos.
Meu cavalo
chegou. E, pressentidos,
os caminhos
me espiam de suas rédeas.
Meu cavalo
chegou. Há quanto tempo
gasto-me em
pés e olhos nesta espera...
Meu cavalo
chegou. Eu despertava
quando o
vento falou-me de seus cascos
e a poeira
garantiu-me sua presença.
Meu cavalo
chegou. Cumprir-me-ei.
Tanta gente
cansada nessas cruzes...
Meu cavalo
chegou. Mortos, montai!...
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