segunda-feira, 1 de outubro de 2018

AMAZONAS: OLHAR SINTAGMÁTICO x OLHAR PARADIGMÁTICO

AMAZONAS: OLHAR SINTAGMÁTICO x OLHAR PARADIGMÁTICO




AMAZONAS: OLHAR SINTAGMÁTICO x OLHAR PARADIGMÁTICO

NEUZA MACHADO


"No princípio, o texto imita os autores amazonenses do auge da época da borracha, que eram imitadores de Euclides da Cunha". (Entrevista)



Para o critério de um resultado considerável de um pensar reflexivo sobre o romance O Amante das Amazonas, de Rogel Samuel, o préstimo da Entrevista do autor à jornalista Tânia Gabrielli-Pohlmann aparecerá, aqui, como registro às minhas induções analítico-fenomenológicas sobre sua diferenciada criatividade ficcional. Por este auxílio do próprio escritor, entendo os desempenhos dos dois narradores deste relato ficcional, sobre o esplendor e decadência do Império Amazônico, como autênticas rubricas pós-modernas/pós-modernistas de Segunda Geração. Verifico, outrossim, por meio de uma reflexão teórico-crítica abrangente, que o Ribamar-Narrador poderá ser avaliado como alter ego do escritor comprometido com suas leituras diárias, e, ao mesmo tempo, propenso a impregnar-se criativamente das mesmas, transformando-as em fontes de produção literária ficcional.

Diz Rogel que, no princípio, o seu texto buscou imitar os autores amazonenses do auge da época da borracha, que eram também imitadores de Euclides da Cunha. O fato é que o escritor de Os Sertões, aquele que tanto se impressionou com os problemas do sertanejo, principalmente os habitantes do Alto Sertão (os realmente “fortes”), em confronto com os “enfraquecidos” sertanejos da caatinga (os próximos, do “brejo”, onde, à época, desnutridos, a seca os exterminava com maior facilidade), ao visitar a região amazonense, e ao escrever sobre a mesma, impressionou-se teluricamente (atentar para a etimologia da palavra), legando aos historiadores (e apreciadores de impecáveis estilos literários) sensibilíssimas páginas de puro encantamento, mas não logrou traduzir em palavras plurissignificativas ─ criativas ─ aquilo que entendo por verdadeira arte literária (fosse no âmbito da miséria humana, que grassava no Amazonas do princípio do século XX, ou da beleza estonteante de um lugar reconhecidamente de pura maravilha e incríveis singularidades). Euclides da Cunha, diferente de sua atuação como criador ímpar em Os Sertões, em seus textos sobre o Amazonas, ao ocupar-se das virtudes e/ou problemas daquela região, não alcançou (pelo meu ponto de vista), no âmbito da criação literária, suas peculiaridades riquíssimas. O festejado escritor, do início do século XX, por outro lado, ao escrever sobre o Amazonas, atuou como repórter impressionista, a observar tensamente, mas por uma ótica sintagmática, as inúmeras mazelas que assolavam aquele “paraíso” já maculado por exigências capitalistas (o que poderia ser um dado singularíssimo no espaço da criatividade paradigmática). Euclides da Cunha excluiu assim a possibilidade de recriar o ambiente da Floresta artisticamente e de obter o ensejo de transformar aqueles textos (reconhecidamente de impecáveis qualidades discursivas, no entanto, lineares) em algo “incômodo” (incomum criação literária) para os leitores de sua época e para os leitores do futuro.

Euclides da Cunha colocou o Amazonas à margem da história, pois se encontrava submisso à idéia de que a região estava separada dos ideais políticos do Novo Mundo Americano, pensamento este que já havia se instaurado em nossa história cultural desde a conquista dos espanhóis ao norte da América do Sul (século XVI) e, posteriormente, século XVII, de 1580 a 1640, quando os reis espanhóis se apropriaram do trono português e da Colônia do Brasil. A verdade é que o anterior pensamento de Euclides da Cunha permaneceu incólume até aos anos finais do século XX (ou seja, a idéia euclidiana de um Amazonas à margem da história), porque a região amazônica (desde o século XVII) resistiu aos liames da colonização espanhola nos países fronteiriços, à época colonial, e, posteriormente, após a regeneração, à colonização portuguesa da Terceira Dinastia Orleans e Bragança. Até meados do século XIX não se tornaram notórios, naquelas paragens do Estado do Amazonas e Acre, mais próximas da fronteira com Peru e Bolívia, os conhecidos, historicamente falando, assentamentos comerciais dos colonizadores de fato (Portugal/Espanha/Portugal). Esta averiguação evidencia a sobredita “marginalidade” constatada por Euclides da Cunha nos anos iniciais do século XX. O que Euclides percebeu e comprovou, em seu escrito documental sobre a região amazônica, próxima às fronteiras de domínio espanhol, foi que a “marginalidade” do território, apesar dos aventureiros que ali se estabeleceram desde o início da colonização, principalmente os não-portugueses ou pouquíssimos portugueses, se encontrava politicamente aquém do desenvolvimento colonial das outras regiões do Brasil.

Por este ângulo, percebo o Manixi rogeliano, originário do final do século XIX, um Manixi governado por um ditador sui generis de origem francesa. Enquanto os espanhóis, primeiramente, e portugueses, posteriormente, colocaram a região distanciada dos valores aproximados das antigas regras coloniais, transformando-a numa espécie de local periférico, um lugar desconhecido, onde poucos aventureiros ousavam explorar, lá pelos idos do século XVIII e início do XIX. Entretanto, aventureiros de outras nacionalidades por ali aportaram, submetendo algumas etnias indígenas e os caboclos a seus domínios. Na verdade, os colonizadores (espanhóis e portugueses) possuíam extensões de terras brasileiras menos problemáticas para a colonização e, por isto, não persistiram na busca exploratória, devido às dificuldades de locomoção, às doenças tropicais, aos ataques dos indígenas, aos ataques dos animais ferozes da Floresta, e muitos outros empecilhos. Tais embaraços não perturbavam os aventureiros de outros reinos europeus, em seus anseios de domínio e enriquecimento de livre comércio. Sobre esse itinerário dificultoso, o narrador-personagem de Rogel Samuel, o Ribamar de Sousa, iniciando a sua viagem ficcional em 1897, oferece-me informações estimáveis:


MACHADO, Neuza. O Fogo da Labareda da Serpente: Sobre O Amante das Amazonas de Rogel Samuel.

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