domingo, 25 de abril de 2010

REABILITAÇÃO DE PADRE CÍCERO


REABILITAÇÃO DE PADRE CÍCERO

Vaticano mantém silêncio



Comissão de caririenses liderada pelo bispo dom Panico, na Praça São Pedro, no Vaticano, durante viagem em defesa da reabilitação do Padre Cícero
FOTO: ANTÔNIO VICELMO


Em setembro do ano passado, papa Bento XVI prometeu acelerar a análise do processo de reabilitação do Pe. Cícero

Juazeiro do Norte Quatro anos depois da entrega do processo de reabilitação do Padre Cícero na Congregação para a Doutrina da Fé, o Vaticano mantém-se em silêncio. A demora no julgamento reacende a polêmica em torno do nomeado "Cearense do Século".

"Roma é eterna. Aqui tudo é demorado". Com esta frase, o bispo da Diocese do Crato, dom Fernando Panico, colocou uma ducha de água fria no entusiasmo do grupo de romeiros, entre os quais o então prefeito de Juazeiro, Raimundo Macedo; o presidente da Câmara Municipal, José de Amélia Junior; e alguns vigários da Diocese do Crato, que acompanharam o bispo na entrega da documentação, solicitando, ao cardeal e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Josef William Levada, a reabilitação de Padre Cícero.

A advertência de dom Fernando aconteceu no dia 31 de maio de 2006, no interior do ônibus que conduzia a comitiva de 52 romeiros do Cariri do hotel para o Vaticano. Os mais entusiasmados como o prefeito Raimundo Macedo, que atravessou a Praça de São Pedro com uma caixa de documentos na cabeça em direção ao antigo Santo Oficio, esperavam voltar ao Brasil com uma resposta positiva sobre a reabilitação do Padre Cícero.

Quatro anos depois, o Vaticano se mantém em silêncio. Em setembro do ano passado, quando da visita "ad límina" dos bispos do Nordeste ao Vaticano, o Papa Bento XVI, segundo dom Fernando, prometeu mandar acelerar a análise do processo de reabilitação. O padre Francisco Roserlândio de Souza, coordenador do Departamento Histórico Diocesano Padre Antônio Gomes de Araújo, diz que a única novidade sobre o assunto é a presença de um escritor americano que inicia, esta semana, uma pesquisa sobre o processo de reabilitação.

O então Papa João Paulo II, de acordo com o escritor Geraldo Barbosa, foi bastante objetivo, quando em visita ao Brasil, ao dizer que "o Brasil precisa de Santos". "A vida religiosa do (padre) Cícero Romão Batista foi florescente de virtudes e doações a Jesus Cristo, num apostolado que ainda hoje registra uma nação cristã romeira de 80 milhões de devotos. Nunca o Brasil testemunhou um líder cristão de tamanho poder espiritual e humano", justifica o entrevistado ao defender uma definição sobre o processo de reabilitação que tramita no Vaticano há mais de um século, uma vez que foi o próprio Padre Cícero que pediu o perdão da Igreja.

O escritor cearense e autor do livro "Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão", Lira Neto, lembra que, para o Vaticano, a veneração ao Padre Cícero tem se tornado ainda mais eloquente diante da constatação de que, a cada ano, o catolicismo perde milhares de adeptos no Brasil.

Segundo cálculos da própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a sangria de fiéis é considerada alarmante. O País continua a ser "a maior nação católica do mundo". Mas a última década assistiu à queda vertiginosa no percentual de católicos brasileiros, enquanto outras religiões se multiplicam em idêntica proporção. Deixar que o culto ao Padre Cícero permanecesse à margem da liturgia significa, na interpretação de Lira Neto, negar o acolhimento pastoral a toda uma preciosa legião de devotos.

Acusações

O escritor cearense recorda, por outro lado, que o Vaticano não desconhece as graves acusações históricas que recaem sobre padre Cícero Romão Batista. Elas não são poucas. Quando reunidas, constituem notórios obstáculos à ideia de anistiar, "post-mortem", as penas que foram impostas ao padre, em vida, pelo Tribunal do Santo Ofício.

A primeira incriminação que incide sobre Cícero é a de ter sido um mistificador, um aproveitador das crenças do povo mais simples, um semeador de fanatismos. "Homem de ideias religiosas pouco ortodoxas, leitor de autores místicos, dado a ver almas do outro mundo e defensor de milagres não endossados pelo Vaticano, Cícero estaria mais próximo da superstição do que da fé", disseram dele os muitos adversários que colecionou no meio do próprio clero.

Decorre daí, acrescenta Lira Neto, outra incriminação, ainda mais incisiva: "a de que nas vezes em que fora repreendido por seus superiores eclesiásticos agira como um rebelde e caíra em desobediência". Na rígida hierarquia clerical, desobedecer a um superior constitui pecado gravíssimo. Almas indóceis à autoridade de bispos e cardeais não vão para o Céu, assim determina a lei da Igreja.

A constante proliferação de seitas e templos protestantes, em Juazeiro do Norte, segundo Geraldo Barbosa, pode ser motivada pelo silêncio de Roma, em não decidir sobre a reabilitação sacerdotal de Cícero Romão Batista, num processo que já começa a caducar. Os católicos sentem-se esquecidos.

Barbosa destaca que "provavelmente a CNBB, que tem interesse nessa solução, já percebeu que o povo brasileiro tem o Padre Cícero entronizado no seu coração como santo. Sua reabilitação, pela Santa Sé, seria um ato burocrático justo, que bem poderia ter evitado essa atual multiplicação das seitas, pelo menos no Nordeste.

Romarias

As romarias não são mais redutos exclusivos da Igreja Católica. O grupo protestante Jovens Com Uma Missão (Jocum) realiza um trabalho missionário entre os romeiros desde 1998 que consiste na distribuição de água, "sopão" nas madrugas, teatro infantil e adulto, concentrações noturnas nas praças e música regional intercaladas com mensagens evangélicas, utilizando uma linguagem acessível ao romeiro.

A disputa religiosa em torno da fé dos romeiros gerou uma "guerra santa regional" entre católicos e evangélicos. Em uma de suas homilias, dom Fernando criticou o modelo de evangelização de setores protestantes. Enquanto a Igreja Católica caminha a passos lentos no julgamento do processo de reabilitação do Padre Cícero, outras religiões avançam celeremente na conquista de espaços no terreiro do Padre Cícero.

O escritor Geraldo Barbosa também critica essa demora no processo de reabilitação de Padre Cícero. Ele teme que essa demora seja fator para que o Catolicismo perca sua força e poder sobre a fé dos milhares de cristãos. O escritor acrescenta que "a mudança dos tempos está a exigir da Igreja Católica, tanto no Brasil como no mundo cristão, uma busca de equilíbrio que possa competir com o eletromagnético da Internet, destituindo o ser humano de sentir a presença do Espírito e da Luz Divina nas suas vidas. O computador é o novo senhor dos povos modernos".

Na interpretação do escritor, "a Igreja Católica, em Roma, passa por momentos difíceis nas denúncias do clero mundial, em declínio moral e religioso, até então impunes. Sente-se a ausência do abraço maternal da Santa Madre Igreja Católica".

O que eles pensam
A fé resiste às intempéries

Decorridos quatro anos da entrega do pedido de reabilitação eclesial de Padre Cícero, a gente percebe que seus devotos não só de Juazeiro, mas de todo o Brasil, estão perplexos com a demora. O bispo dom Panico tenta amenizar a decepção dos devotos informando que as coisas em Roma são devagar, mas isso pouco consola, pois o que todos querem mesmo é ver o Padim reabilitado. Como é possível a Igreja Católica ficar tão passiva diante das evidências emanadas do fenômeno Padre Cícero?

Daniel Walker
escritor e historiador

Há muitos anos que nós esperávamos uma revisão do caso Padre Cícero, com a reabertura de seu processo junto à antiga Sagrada Inquisição Romana. O que foi estimulado mais recentemente pela Sagrada Congregação da Doutrina da Fé nos encheu de ânimo. Nossa ansiedade sobre como virá esta decisão é muito grande. Não será a conjuntura atual vivida pela Igreja, seja no mundo, seja em Juazeiro do Norte. O romeiro, devoto do Padre Cícero, é paciente. Tem uma fé inquebrantável.

Renato Casimiro
pesquisador

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