terça-feira, 6 de abril de 2010

Jorge Luis Borges - O Punhal


O Punhal


Jorge Luis Borges



A Margarita Bunge



Numa gaveta há um punhal.

Foi forjado em Toledo, em fins do século passado; Luis Melián Lafinur deu-o a meu pai, que o trouxe do Uruguai; Evaristo Carriego teve-o uma vez na mão.

Os que o vêem têm de brincar um pouco com ele; percebe-se que a muito o buscavam; a mão se apressa em apertar o punho que a espera; a lâmina obediente e poderosa folga com precisão na bainha.

O punhal outra coisa quer.

É mais que uma estrutura feita de metais; os homens o pensaram e o formaram para um fim muito preciso; é, de algum modo, eterno, o punhal que na noite passada matou um homem em Tacuarembó, e os punhais que mataram César. Quer matar, quer derramar brusco sangue.

Numa gaveta da secretária, entre borradores e cartas, interminavelmente sonha o punhal seu singelo sonho de tigre, e a mão se anima quando o dirige porque o metal se anima, o metal que em cada contato pressente o homicida para quem os homens o criaram.

Às vezes, dá-me pena. Tanta dureza, tanta fé, tanta impassível ou inocente soberba, e os anos passam, inúteis.


O Punhal

(Clarisse de Oliveira)

A mão que acaricia é aberta;
Mas quando ela se fecha
no cabo de um punhal,
ela é mortal.
Quando meu amigo Gerardo morreu,
abriram seu armário de caça,
e me mandaram escolher
o que eu quisesse.
Escolho cinco assobios de madeira
que imitam os cantos dos pássaros,
e um grande e estreito punhal,
o cabo trabalhado em prata
e pedra preciosa brasileira.
Eu percebi muito tempo depois,
que a lamina do punhal
era mais pesada que o cabo
e isso permitia
que se eu o largasse de certa altura,
ele caia fincado na madeira
sem esforço.

Tive uma vida ferida,
no seio de uma familia
que não me compreendia.
Às vezes, adolescente,
eu segurava o punhal, pensando:
- Você me tiraria desta vida,
mas pressinto
que me acompanharás
o tempo todo -
companheiro agressor,
mas sustentáculo
onde muitas vezes
o amor nos ameaça
na sombra
mas o segredo da Vida
abre Asas em nosso Espirito.






(Borges, Jorge Luís, Nova antologia pessoal, São Paulo: Difel. 1986)

3 comentários:

Jefferson Bessa disse...

punhal tão bem descrito e narrado por Borges.
o punhal sempre "outra coisa quer". é o sonho, o desejo do punhal em sua vida homicida.
Adorei a leitura de Borges, amigo.
Bom dia.
Abraços.

Jefferson Bessa disse...

Quando li sua postagem mais cedo, não havia o poema de Clarisse de Oliveira.
Tão belo quanto o texto de Borges, o poema de Clarisse deixa a marca de uma forte beleza.
Linda postagem, Rogel!

Abraços.

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

obrigado pelos 2 amigo