sábado, 12 de setembro de 2015

MEDITAÇÃO DE NOVEMBRO



MEDITAÇÃO DE NOVEMBRO

AFONSO DE CARVALHO

A tua não será uma vida em berço de rosas e sempre haverá pequenos obstáculos através da estrada que se abrirá a teus pés de peregrina impenitente. Será pouco o arrimo com que contarás, e teus amigos serão ainda menos, porque foste escolhido sob o signo desditoso das traições. Tem cuidado com eles, portanto. A tua será uma luta solitária e deves confiar apenas no valor de tua moral, na altivez de tua consciência, na pujança dos teus próprios méritos pessoais, se algum tiveres a teu favor — foi assim que Ela me disse quando eu nasci. E assim tem sido, ó companheiro que me segue, ó corcéis do tempo que passam, velozes, carregados de essências cósmicas no rumo inacabável das noites sem fim. Sim, a vida é bela, ó companheiro, mas os lagos azuis estão encapelados e ouço um rumor de torrente através das idades, que nascem e desaparecem como espumas, e só duas vozes amigas eu encontrei: a tua voz, minha mãe, e a tua,- querido amor do coração. Terei, talvez, um destino luminoso? Ou serei o último dos facínoras? Ou o mais execrável e repelente dos monstros? Creio que o meu será o destino que quiseres, ó espírito humilde de minha mãe, ó coração bondoso do meu amor. Lançarei meu rosto sobre a poeira das estradas, calcarei um ferro em braza sobre o coração dolorido e por certo morrerei, amor, morrerei por ti. Que importa a dor suprema do holocausto? Ainda haverá pelo mundo uma valsa de Strauss, uma Apassionata de Beethoven, uma Serenata de Shubert e o riso cristalino das crianças, que estes nunca morrerão, querida amiga, nunca morrrerão. 
Minha mãe, e tu. meu amor, tão próximo e tão longe de mim. Chegou Novembro, o nono mês das meditações. O meu desejo e minha necessidade é apenas de preces. Estarei contente. 

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