A RECONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE - 2
ROGEL SAMUEL
No mundo arcaico, a destruição da violência e a so-brevivência da sociedade eram tarefa da guerra. A trans-cendência da razão, em lugar de eliminar a violência, de-fine a violência como o mal, e confisca a violência para que fique submetida sob controle do Estado. No mundo arcaico, a violência pura não tinha assim essas caracte-rísticas de mal. O mundo moderno instaurou um dualismo entre bem e mal, tentando o império do bem sobre a vio-lência do mal. Este império do bem seria a violência sob o controle do Estado, O mundo dualista só admite a violência como forma de exclusão racional da violência individual, através das instituições do Direito e da Justiça, através do militarismo, O Bem passa a ser uma exclusão da violência de todos, destituída de todos, assumindo o Estado o papel de representante da violência coletiva. A fraqueza do mundo dualista é não oferecer um espaço de legitimação da violência, assim como o impasse do final do Século XX é a impossibilidade de um confronto entre os Impérios. A repressão da violência por parte do Estado, e por parte do Império, não a erradica, nem a libera. Acumulada, por parte do Estado ou do Império, a violência parece ainda mais ameaçadora. Se o Bem e uma exclusão da violência, isso acaba funcionando em proveito da violên-cia, pois o Bem não está excluído de usar a violência, e a violência do Bem acaba transferindo o Bem para o outro lado, já que um Bem violento aparece.
A exclusão da vingança individual do mundo moderno (transferida para o Direito) , deixa aberto um perigoso espaço a violência, que a moralidade racional não tem sabido neutralizar.
Com mediação, a própria divindade do Bem, o Cristo, sofre a violência em si, em seu “corpo”, tal qual quando havia a possibilidade da vingança individual. O “olho por olho” é transformado em “Cordeiro de Deus”, para que seja neutralizada a violência, e para que seja restabelecida a ordem perdida. A própria divindade do Bem se oferece como vítima da violência do Mal. E os Deuses gloriosos são substituídos por um Deus sacrificado” pelo homem. Trata-se de uma inversão: O Deus passa a vítima do homem. Trata-se de um Deus que sofre a violência, não mais que a exerce, revelando que o homem, para impor-se nadificou a divindade, que se torna vítima e se renuncia a si mesma. Antes, o homem se sacrificava a divindade; hoje, o homem sacrifica a divindade, O estudo deste problema é apontado aqui.
Se o homem moderno e capaz de sacrificar Deus, não devemos ter dúvidas de que é capaz de sacrificar qualquer ser (a Primeira Guerra Mundial fez treze milhões de vítimas, a Segunda cerca de trinta milhões) ou de sacrificar qualquer coisa. Porque é da natureza do homem o sacrifício. É próprio da natureza do homem a criação de mitos para serem sacrificados.
Como mediador entre o Bem e o Mal, o mito e um produto. O mundo da mediação é um produto . A finalidade da produção arcaica era a destruição do excedente improdutivo. No mundo capitalista, a finalidade passa a ser o próprio excedente, como acumulação do capital.
As sociedades modernas são edificadas para que as forças produtivas cresçam cada vez mais, e respondam às necessidades básicas da Empresa Estatal, que não hesita em sacrificar o próprio capital (como antes sacrificou o próprio Deus) sob a forma da produção de guerras econômicas.
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