ESSES PRAZERES:
Rogel Samuel
Deixe contar. Ou cantar. Um dia eu vinha por aquela rua quando o
encontrei. No chão. Era um raro exemplar do livro de Cabral.
Arrependo-me de ter dado aquele volume.
("Terceira feira", 1961). Os antigos alfarrábios de poesia são como
vinho velho.
encontrei. No chão. Era um raro exemplar do livro de Cabral.
Arrependo-me de ter dado aquele volume.
("Terceira feira", 1961). Os antigos alfarrábios de poesia são como
vinho velho.
Só o álcool dessa garrafa
pode o vinagre e o ferrão
para a alma toda murcha
na pose fetal do não
pode o vinagre e o ferrão
para a alma toda murcha
na pose fetal do não
(Diz Cabral). Lembro-me de Ademir da Guia, com seu jogo. Lento. O
lento jogo do tempo. O chumbo, o peso, a câmara lenta. (Diz Cabral).
Outro dia, na Net: Ademir da Guia, jogando - Sim, porque:
lento jogo do tempo. O chumbo, o peso, a câmara lenta. (Diz Cabral).
Outro dia, na Net: Ademir da Guia, jogando - Sim, porque:
Ademir impõe com seu jogo
o ritmo do chumbo (e o peso)
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo.
o ritmo do chumbo (e o peso)
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo.
(Diz Cabral). Cada palavra tem um peso e densidade do chumbo, do
dentro:
dentro:
Ritmo líquido se infiltrando
no adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o.
no adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o.
João Cabral só diz aquelas "mesmas palavras", a saber, a poesia e
suas guias. Ademir joga como se um escafandro vestisse. A lerdeza do
homem submarino, a água da ambiência daquela gente “de uma Caatinga
entre secas, entre datas de seca e seca entre datas”. O simbolismo da=
suas guias. Ademir joga como se um escafandro vestisse. A lerdeza do
homem submarino, a água da ambiência daquela gente “de uma Caatinga
entre secas, entre datas de seca e seca entre datas”. O simbolismo da=
água descreve o mundo, em que o poeta se revê, graus de
materialidade, de revelação.
materialidade, de revelação.
Ritmo morno, de andar na areia,
de água doente de alagados,
entorpecendo e então atando
o mais irrequieto adversário.
de água doente de alagados,
entorpecendo e então atando
o mais irrequieto adversário.
Ademir da Guia, para ele, ser feito de água dos alagados, feito nas
águas dos alagados, gente "de uma Caatinga", que executa seu
jogo "com água". Langorosa:
águas dos alagados, gente "de uma Caatinga", que executa seu
jogo "com água". Langorosa:
A gente de uma Caatinga entre secas,
entre datas de seca e seca entre datas,
se acolhe sob uma música tão líquida
que bem poderia executar-se com água.
Talvez as gotas úmidas dessa música
que a gente dali faz chover de violas,
umedeçam, e senão com a água da água,
com a convivência da água, langorosa.
entre datas de seca e seca entre datas,
se acolhe sob uma música tão líquida
que bem poderia executar-se com água.
Talvez as gotas úmidas dessa música
que a gente dali faz chover de violas,
umedeçam, e senão com a água da água,
com a convivência da água, langorosa.
("Fazer o seco, fazer o úmido").
O jogo de Ademir da Guia, "bem poderia executar-se com água". Mas a
bola chumbo. Orbe. Maciço.
A idéia da água vai na alma encharcada da gente. Qualquer que seja o
jogo, Cabral só fala do que fala:
bola chumbo. Orbe. Maciço.
A idéia da água vai na alma encharcada da gente. Qualquer que seja o
jogo, Cabral só fala do que fala:
E as vinte palavras recolhidas
nas águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.
nas águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.
Vinte palavras sempre as mesmas
de que conhece o funcionamento,
a evaporação, a densidade
menor que a do ar.
("A lição de poesia")
de que conhece o funcionamento,
a evaporação, a densidade
menor que a do ar.
("A lição de poesia")
Ou seja: "Vivo com certas palavras / abelhas domésticas.":
Falo somente com o que falo:
com as mesmas vinte palavras
..................................................
Falo somente do que falo:
do seco e de suas paisagens.
("Graciliano Ramos")
com as mesmas vinte palavras
..................................................
Falo somente do que falo:
do seco e de suas paisagens.
("Graciliano Ramos")
Impossível separar: o futebol, a poesia, o chumbo, que "ulcera a
boca". Na verticalidade, na substância da água:
boca". Na verticalidade, na substância da água:
Só uma água vertical,
água parada em si mesma,
água vertical de poço,
água toda em profundeza,
água parada em si mesma,
água vertical de poço,
água toda em profundeza,
água em si mesma, parada
e que ao parar mais se adensa,
água densa de água, como
de alma tua alma está densa.
e que ao parar mais se adensa,
água densa de água, como
de alma tua alma está densa.
Cabral, em realidade, só fala da morte:
Talvez porque qualquer água
fique mais densa se morta
................................................
Não há dúvida, a água morta
se torna muito mais densa.
fique mais densa se morta
................................................
Não há dúvida, a água morta
se torna muito mais densa.
Como se vê, o indivíduo é a soma das impressões singulares do mundo.
É perto da água e de suas antigas imagens que o sujeito compreende
que o sonho é um universo em emanação, um sopro que sai das coisas
(Bachelard).
É perto da água e de suas antigas imagens que o sujeito compreende
que o sonho é um universo em emanação, um sopro que sai das coisas
(Bachelard).
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