PIOR QUE A MORTE É A MEDIOCRIDADE, DIZ FREI LOTHAR
...aquele era um violino precioso, simbolizava o que ele não
tinha sido. O mau padre, o mau médico, o mau violinista. Nunca fizera nada bem.
Nada inteiro. Agora estava velho, fraco, tinha pouca fé, pouca ciência, pouca
técnica. Oh, pior que a morte é a mediocridade! Frei Lothar pensava, o violino
gemia, ladainhas, recitações, reflexões. Assistira os doentes sem recursos,
dissera missas sem paixão, e agora tocava mal a Partita. Sem remédios, sem partituras,
sem higiene, sem saber. Frei Lothar tocava com imaginação. O violino era um
Guarnerius. Tinha sido presente de Juca das Neves, um dos poucos homens por
quem Frei Lothar tivera amizade. Na verdade, os Guarnerius não são imitação.
São aprimoramento dos Stradivários e muito mais sonoros, apropriados para as
salas de testes e grandes orquestras, ao passo que os Strad eram camerísticos.
Ajudado pela inspiração, a Partita saía quase boa. O Barão avançava no
meio da noite. De repente, o Frei se lembrou do Concerto Duplo - beleza! - e
emendou a Partita num dos trechos de sua parte. No Concerto Duplo tudo era
ânsia, sublimidade. Ele se imaginava no meio da orquestra, lembrava-se dos
sonhos de ser músico, e não padre, mergulhava no concerto ouvindo o violoncelo
e toda a grande orquestra. Via as galerias repletas, de onde explodia o
sucesso, o aplauso, tudo aquilo bem longe do Amazonas, bem longe da morte. Ele
foi levado pelo devaneio. Por quê? Do antigo misticismo não sobrava nada. Por
quê? Tocava Brahms cortando ao meio a floresta Amazônica. Por quê? A noite
corria no altíssimo, e o céu da Amazônia de repente ficou transparente e claro
e coberto de estrelas que cintilavam, e tudo lhe apareceu de uma só natureza,
num bloco em que ele não existia mas estava integrado num todo - e Frei Lothar,
parando de tocar, correu para a amurada com lágrimas nos olhos, e de repente
viu, em êxtase, que a Imensidão e a Eternidade apareciam subitamente ali na sua
frente, vindo e chegando a ele, amplas, entrando por seus olhos, por seus
ouvidos, e tudo era um só Incomensurável ... - e ele, integrado, eterno, deu um
grito e se sentiu incompreensivelmente feliz
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