quinta-feira, 6 de abril de 2017

PIOR QUE A MORTE É A MEDIOCRIDADE, DIZ FREI LOTHAR


PIOR QUE A MORTE É A MEDIOCRIDADE, DIZ FREI LOTHAR


...aquele era um violino precioso, simbolizava o que ele não tinha sido. O mau padre, o mau médico, o mau violinista. Nunca fizera nada bem. Nada inteiro. Agora estava velho, fraco, tinha pouca fé, pouca ciência, pouca técnica. Oh, pior que a morte é a mediocridade! Frei Lothar pensava, o violino gemia, ladainhas, recitações, reflexões. Assistira os doentes sem recursos, dissera missas sem paixão, e agora tocava mal a Partita. Sem remédios, sem partituras, sem higiene, sem saber. Frei Lothar tocava com imaginação. O violino era um Guarnerius. Tinha sido presente de Juca das Neves, um dos poucos homens por quem Frei Lothar tivera amizade. Na verdade, os Guarnerius não são imitação. São aprimoramento dos Stradivários e muito mais sonoros, apropriados para as salas de testes e grandes orquestras, ao passo que os Strad eram camerísticos. Ajudado pela inspiração, a Partita saía quase boa. O Barão avançava no meio da noite. De repente, o Frei se lembrou do Concerto Duplo - beleza! - e emendou a Partita num dos trechos de sua parte. No Concerto Duplo tudo era ânsia, sublimidade. Ele se imaginava no meio da orquestra, lembrava-se dos sonhos de ser músico, e não padre, mergulhava no concerto ouvindo o violoncelo e toda a grande orquestra. Via as galerias repletas, de onde explodia o sucesso, o aplauso, tudo aquilo bem longe do Amazonas, bem longe da morte. Ele foi levado pelo devaneio. Por quê? Do antigo misticismo não sobrava nada. Por quê? Tocava Brahms cortando ao meio a floresta Amazônica. Por quê? A noite corria no altíssimo, e o céu da Amazônia de repente ficou transparente e claro e coberto de estrelas que cintilavam, e tudo lhe apareceu de uma só natureza, num bloco em que ele não existia mas estava integrado num todo - e Frei Lothar, parando de tocar, correu para a amurada com lágrimas nos olhos, e de repente viu, em êxtase, que a Imensidão e a Eternidade apareciam subitamente ali na sua frente, vindo e chegando a ele, amplas, entrando por seus olhos, por seus ouvidos, e tudo era um só Incomensurável ... - e ele, integrado, eterno, deu um grito e se sentiu incompreensivelmente feliz



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