O Punhal de Clarisse de Oliveira
O Punhal de Clarisse de Oliveira
Rogel Samuel
Um dos textos mais cortantes, mais fortes, mais plenos de significados de Clarisse de Oliveira é o seu "O punhal".
Eu o leio desde que foi escrito, há muitos anos.
Já foi elogiado até por uma crítica de literatura que mora em Paris, que me perguntou: "quem é esta escritora? eu a conheço?"
Lembrei-me dele neste início de ano, após um diálogo ardente com NEUZA MACHADO a respeito de certos pontos de minha vida.
O texto lembra um poema em prosa de Borges, mas tenho certeza de que Clarisse não se inspirou nele.
Eu conheci o Gerardo de que ela fala. E já devo ter visto esse punhal no apartamento de Clarisse quando ela morava em Ipanema e onde me hospedei.
Isso já faz muitíssimos anos.
Depois que ela se mudou para um lugar distante, só acessível por carro, não a visitei mais, pois estou há uns 30 anos sem dirigir.
Clarisse mora no meio do mato, numa floresta. Ela gosta, nada se pode fazer.
Leia O punhal:
O Punhal
(Clarisse de Oliveira)
A mão que acaricia é aberta;
Mas quando ela se fecha
no cabo de um punhal,
ela é mortal.
Quando meu amigo Gerardo morreu,
abriram seu armário de caça,
e me mandaram escolher
o que eu quisesse.
Escolho cinco assobios de madeira
que imitam os cantos dos pássaros,
e um grande e estreito punhal,
o cabo trabalhado em prata
e pedra preciosa brasileira.
Eu percebi muito tempo depois,
que a lamina do punhal
era mais pesada que o cabo
e isso permitia
que se eu o largasse de certa altura,
ele caia fincado na madeira
sem esforço.
Tive uma vida ferida,
no seio de uma familia
que não me compreendia.
Às vezes, adolescente,
eu segurava o punhal, pensando:
- Você me tiraria desta vida,
mas pressinto
que me acompanharás
o tempo todo -
companheiro agressor,
mas sustentáculo
onde muitas vezes
o amor nos ameaça
na sombra
mas o segredo da Vida
abre Asas em nosso Espirito.
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