Ó VIRGENS QUE PASSAI
AO SOL POENTE
Rogel Samuel
Sim, veja, leia: É assim que diz o famoso soneto de Antonio
Nobre:
Ó virgens que passai, ao Sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente,
Que me transporte ao meu perdido Lar.
Cantai-me, nessa voz onipotente,
O Sol que tomba, aureolando o Mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a Graça, a formosura, o luar!
Cantai! cantai as límpidas cantigas!
Das ruína do meu lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas
Que eu vi morrer num sonho, como um ai...
Ó suaves e frescas raparigas,
Adormecei-me nessa voz... Cantai!
Antônio Nobre é poeta simbolista, portanto no seu famoso
soneto, o «sol-poente» nos deve remeter a «algo», deve escamotear o sentido,
para alguma outra natureza, esconde o que diz.
Não seria a velhice, pois o poeta morreu jovem, com 33 anos,
em 1900.
Talvez as virgens, úberes, fartas de potencialidades, a ser
fecundadas na «fartura da seara reluzente», gozosas, obreiras dessa tarde,
desejantes, grávidas de prazeres, vitalidades...
Mas, por que «o sol poente»?
Por que não o despertar, o meio-dia, o pleno sol da tarde?
E, sendo «poente», por que «ardente»?
E sendo «ardente», por que tomba, por que cadente, no meio
dessa seara reluzente?
E se «virgens», por que «o vinho, a Graça, a formosura, o
luar!»
Sim, que de mistérios vive a poesia.
Engana o/a leitora, engana-se o/a leitora, que pensa estar,
apenas, o sujeito do poema lastimando o seu «perdido lar», as suas «ilusões
antigas», as ruínas do seu lar.
Sim, é certo.
Certo, certo de que tudo isso é assim, também.
E o que o poeta Nobre não se deve confundir com a pessoa
Nobre.
O «personagem» do poema pode ser um velho.
Mas velho possante («O Sol que tomba, aureolando o Mar»),
rico de vida, de vitalidade («A fartura da seara reluzente»).
A força, a beleza do poema reside no contraste: «suaves e
frescas raparigas» X «ruína do meu lar».
E sua canção é o hino que desperta «todas aquelas ilusões
antigas».
A oposição e o sentido está nas belas rimas poente-ardente,
cantar-lar, onipotente-reluzente, mar-luar, cantigas-raparigas,
desaterrai-cantai.
São rimas significativas, verdadeiras pontes de
significação, irradiam sentidos.
Sim.
Sim, tudo isso «eu vi morrer», de súbito, sim, o lar
despedaçado.
E o poeta precisa morrer, dormir, esquecer, fugir daquelas
lembranças do passado familiar, feliz, longe daquelas «estradas ermas», lar que
era «sol», «mar»,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a Graça, a formosura, o luar!
O poema se encontra consigo mesmo. No fim.
Toda a fantasia da dança feminina, ao cair da tarde, seus
cantos, suas suavidades reluzentes no conjunto desses evocativos versos.
Afinal são fantásticos dias de infância recuperados ao sol
poente. Na voz daquelas raparigas virgens, que passam, como passaram as vozes
familiares das mulheres da infância, das irmãs, mães tias avós que passaram
todas pela estrada.
O lar é isso. Conjunto de pessoas.
Não lar-casa. Mas grupo familiar.
Ó Primas e Irmãs, ó virgens, cantai!
Esta é a canção.
O poema envolve sonoridade corredia: é poema para ler lido
alto, em voz alta.
Poesia alta, graça, frescura, leveza.
Aureolando o Mar, límpidas cantigas.
Fartura do canto daquelas ilusões antigas de um passado, das
lembranças da infância do seu perdido lar.
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