segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Crise nos EUA pós-11/9 atrai americanos e expatriados de volta ao Brasil




Paula Adamo Idoeta

Da BBC Brasil em São Paulo



"Lá estava muito ruinzinho mesmo. Tenho amigos que estão lá sem dinheiro para voltar, trabalhando sem receber. Falei para um deles abrir mão (do dinheiro que lhe é devido), que aqui ele vai ter trabalho."


Diante da estagnação do mercado imobiliário americano, os serviços de reforma, construção e demolição ficaram escassos. Em compensação, no Guarujá (SP), onde participa das obras de um condomínio, Coutinho diz que "não está dando conta" de tanto trabalho.

"Lá (nos EUA) estava muito ruinzinho mesmo. Tenho amigos que estão lá, sem dinheiro para voltar, trabalhando sem receber", diz. "Falei para um deles abrir mão (do dinheiro que lhe é devido), que aqui ele vai ter trabalho."

A americana Donna Roberts, de 48 anos, que veio do sul da Flórida para o Brasil em fevereiro, relata contraste semelhante.

"Lá, víamos muitos restaurantes e negócios fechando, nossos amigos perdendo suas casas", diz a documentarista e educadora ambiental. "Aqui, parece que nada está reduzindo o ritmo (da economia)."

Como maior economia do mundo, os Estados Unidos ainda têm um PIB quase sete vezes maior do que o do Brasil, e PIB per capita de US$ 47,2 mil – quatro vezes superior ao brasileiro.

Mesmo no pós-11 de Setembro, a economia americana manteve taxas de crescimento entre 2% e 3,5% até 2007, e o país continua sendo um dos mais procurados por estrangeiros em busca de oportunidades e refúgio.

Mas, em contrapartida, os Estados Unidos mergulharam em duas custosas guerras na última década, sofreram com o estouro de uma bolha imobiliária e chegaram a um endividamento limite de US$ 14,3 trilhões (cerca de R$ 23 trilhões), teto que foi elevado após uma desgastante votação no Congresso. Um mercado interno deprimido e o desemprego ao redor dos 9% desafiam os esforços do governo do presidente Barack Obama.

Aquecimento

Já o Brasil veio de anos de baixo crescimento econômico, mas domou a inflação e o desemprego, estabilizou sua dívida e criou um mercado de consumo interno forte nos últimos dez anos, decorrente da entrada de milhões de pessoas na classe C.

"(Tenho) uma dessas carreiras menos óbvias que estão cada vez mais comuns no Brasil. Seria uma bobagem deixar o país antes de 2016."

Jason Bermingham, americano que está há 15 anos no Brasil e faz locução de vídeos institucionais

Em 2008, a Standard & Poor's, mesma agência que neste ano rebaixou a nota da dívida americana, deu ao Brasil o título de grau de investimento, o que fez com que o país fosse considerado de baixo risco para aplicações estrangeiras.

O cenário se tornou mais atraente para estrangeiros: no primeiro semestre de 2011, 4.312 americanos receberam vistos do Ministério do Trabalho brasileiro, em comparação com 3.622 no mesmo período em 2010.

O professor de macroeconomia da FGV-SP Rogério Mori afirma que, enquanto os Estados Unidos tiveram um grande crescimento amparado pela expansão do crédito até 2007, no Brasil a lógica foi outra: um crescimento mais moderado, derivado do fortalecimento do mercado interno e dos altos preços das commodities.

"A diferença é que, de 2008 para cá, o motor do crescimento americano se esgotou. No caso brasileiro, as bases foram preservadas", diz.

Fertilidade

Foi justamente no pós-11 de Setembro que a paulista Isabel Franco, também cidadã americana, começou a pensar em voltar ao Brasil. Após 20 anos vivendo entre Nova York e Hong Kong, ela começou a se estabelecer em São Paulo em 2005.

"Dava uma tristeza a cada negócio não fechado por lá", diz a advogada de 55 anos, que auxilia multinacionais em seus negócios no Brasil. "Começou a fazer muito mais sentido vir para cá. Não queria perder esse trem."

A mesma sensação de que Estados Unidos e Europa estavam "desacelerando" fez com que Jennifer Iverson, de 40 anos, e seu marido, o italiano Filippo de Luca, 41, se mudassem para o Brasil em 2006, após morarem na Suíça.

"Percebemos que tínhamos que olhar outras opções, e o Brasil se mostrou atraente", conta Jennifer, que, vivendo em São Paulo, presta consultoria de gestão e finanças para entidades do terceiro setor. Sempre que visita seu país de origem, ouve dos amigos conselhos para que fique no Brasil.

"Aqui há uma classe média crescente. Nos EUA, (a classe média), que era o motor da economia, está piorando, não consegue chegar ao fim do mês."

Jennifer Iverson, no Brasil desde 2006. Na foto, ela e o marido durante viagem a Fortaleza

"É quase como se Estados Unidos e Brasil tivessem trocado de papéis. Aqui há uma classe média crescente. Nos Estados Unidos, (a classe média) que era o motor da economia, está piorando, não consegue chegar ao fim do mês", opina a americana. "É a diferença entre uma economia parada e uma que passa sensação de fertilidade."

Para Rubens Barbosa, embaixador brasileiro em Washington entre 1999 e 2004, a maior relevância geopolítica e econômica já provoca mudanças de percepção sobre o Brasil nos Estados Unidos.

"Antes, o Departamento de Estado (a Chancelaria americana) via a América Latina através de México ou Cuba. Hoje, me surpreende que o encarregado de negócios tenha vivido em São Paulo e que todos (na embaixada americana) falem português. Vemos que mudou o interesse."

Barbosa rejeita a ideia de que a década passada tenha sido economicamente "perdida" para os Estados Unidos, mas aponta as mudanças de rumo iniciadas pelo 11 de Setembro.

"Os gastos públicos aumentaram e as receitas caíram por mudanças de (George W.) Bush na legislação tributária. Os ataques tiveram também um grande efeito econômico e psicológico nos americanos. Estavam em situação excelente, com alto consumo. De repente, (se viram diante de) crises habitacional e de derivativos."

Consumo

Esse panorama de altos e baixos também foi observado pelo americano Jason Bermingham, 42, no Brasil há 15 anos. "Minha geração foi acostumada a ter acesso fácil às coisas. Muitos dos meus amigos compraram ótimas coisas logo no início (de suas vidas profissionais) e se endividaram."

Bermingham chegou a pensar em se mudar do Brasil há cerca de dez anos, "mas percebi que as coisas estavam começando a melhorar e me empolguei com as possibilidades".

Hoje, ele tem um estúdio de locução, em parceria com sua mulher brasileira, produzindo áudio em português e em inglês para vídeos de empresas brasileiras que querem atuar no exterior e para empresas estrangeiras que querem projeção no Brasil.

"Os preços (no Brasil) estão muito altos, e as pessoas têm mais acesso a crédito. É preciso cuidado."

Donna Roberts e o marido adotaram o transporte público desde que mudaram para São Paulo, em fevereiro

"É uma dessas carreiras menos óbvias que estão cada vez mais comuns no Brasil. Seria uma bobagem deixar o país antes de 2016."

Mas ele observa no país o perigo de cair em algumas das "armadilhas" vividas pelos Estados Unidos na última década. "O Brasil vive uma euforia de consumo", opina. "Não sou economista, mas vejo os preços dobrarem."

Os preços altos também preocupam Donna Roberts, que veio ao Brasil em busca de uma vida "mais sustentável" e econômica, em linha com seu trabalho de educação ambiental. Mesmo morando em São Paulo, ela e sua família abandonaram o carro e preferiram uma casa menor do que a que possuíam na Flórida. Viram que sua "pegada de carbono" diminuiu exponencialmente desde a mudança de país.

"Mas os preços estão muito altos, e as pessoas têm mais acesso a crédito. É preciso cuidado para que não ocorra o mesmo que nos Estados Unidos", diz Donna, citando, porém, uma diferença: "Os Estados Unidos sempre acabam em uma situação de guerra, que exige dinheiro (que poderia ser aplicado) em educação e serviços sociais."

O economista Mori cita outra diferença ainda mais relevante: "A facilidade do crédito americano era muito mais intensa. No Brasil, com suas altas taxas de juros, os limites de endividamento são muito mais estritos."

Nenhum comentário: