Manaus - Comunidades ribeirinhas de Manaus sofrem com a falta de recolhimento de lixo e ausência de serviços essenciais por causa da vazante do Rio Negro. Na região do Tarumã, zona oeste da capital, a reportagem constatou as dificuldades de pessoas que vivem com a baixa do nível das águas e a consequência da seca no transporte de pessoas e de mercadorias.
Com o olhar concentrado para a frente enquanto pilota sua canoa motorizada, popularmente chamada de ‘voadeira’, o condutor de embarcação, Norato Gomes da Costa, 59, gosta de mostrar como conhece a região dos igarapés Tarumã e Tarumã-açu. “Esta ilha aqui fica toda embaixo da água”, disse apontando para um faixa de terra recém-surgida das águas e que, segundo ele, desaparece durante a cheia dos rios.
Embora as águas do Rio Negro e seus afluentes pareçam ser generosas em volume, antes de chegarmos a uma das margens do Igarapé Tarumã Mirim, o experiente piloto avisa que a partir daquele ponto ele terá que usar o remo para a embarcação não encalhar. Dito e feito, estávamos a alguns centímetros do fundo das águas do igarapé. “É assim mesmo, não se preocupe que a gente vai levar alguns minutos para chegar”, comentou.
Segundo monitoramento do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) o Rio Negro começou o ano com a cota das águas em 19,38 metros, segundo o primeiro Boletim do órgão, em janeiro. O rio permaneceu subindo até atingir o pico de 28,62 metros em 29 de junho e, a partir desta data, as águas que banham a capital só baixaram.
No dia 4 de outubro, o Negro estava com o nível das águas em 16,85 metros. Em uma semana, a cota do rio caiu 64 centímetros. Na última semana, a cota estava em 17,49 metros. Em comparação com anos anteriores, a vazante do Rio Negro e seus afluentes deve atingir o nível mais baixo entre a segunda quinzena de outubro e as duas primeiras semanas de novembro.
De acordo com o monitoramento hidrológico da CPRM, Boletim nº 34, nos últimos dias, o Rio Negro baixou em média, oito centímetros por dia.
“A gente não pode fazer nada, só temos que nos acostumar”, lamenta o condutor de embarcação João Aquino Filho, 64, que, por falta de clientes, vive da pesca durante a vazante para garantir o alimento da família. Durante a seca a gente não trabalha. Não tem como navegar, só canoas pequenas conseguem chegar até algumas comunidades”, explicou João em seu simples e direto linguajar. Dentro da canoa do agora pescador, cerca de 10 peixes recém-tirados do igarapé ainda se debatiam antes de se transformar no almoço do senhor João e sua família.
Ao chegarmos na primeira comunidade, Nossa Senhora do Livramento, na margem direita do Igarapé Tarumã-açu, chama a atenção a visão de um pequeno córrego margeado por terras elevadas. Segundo os moradores, entre os meses de maio e junho, todo o canal por onde atualmente passa o pequeno córrego é inundado. A dona de casa Marionice Carvalho da Silva, 66, disse que o igarapé quase chega à porta da casa dela, situada numa área alta da comunidade.
Para o locutor da rádio comunitária da comunidade do Livramento, Sinésio Nascimento, 43, conviver com a vazante do rio exige criatividade e esforço dos moradores das nove comunidades do Tarumã. “Quando fica doente, tem que andar até onde a o barco do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) pode atracar. O que leva muito tempo. Recentemente, um homem caiu de uma árvore e as pessoas da comunidade carregaram ele em uma maca até lá fora para embarcar em uma lancha para Manaus. Se secar mais ainda, a lancha vai ter que ficar ainda mais longe”, alertou
Moradora da Comunidade Diúna, próxima ao Livramento, a costureira Rosângela Silva da Silva, 40, reclamou que há duas semanas o lixo não é recolhido no local. “Crianças já se machucaram por causa de cacos de vidros que não são recolhidos aqui. Isto sem contar o risco de proliferação de doenças”. De acordo com a costureira, todo ano o problema se repete.
Por meio de sua assessoria, a Secretaria Municipal de Limpeza Pública (Semulsp), informou que o recolhimento do lixo nas comunidades do Tarumã está suspenso por causa da rescisão do contrato com as empresas que alugam as balsas que transportam o lixo recolhido ao longo da orla de Manaus: da Ilha de Marapatá (zona sul) à desembocadura do Igarapé Tarumã-Açu, no Rio Negro (zona oeste).
Ainda segundo a assessoria, para a retomada dessa atividade, será necessária uma nova licitação que ainda está em fase de tramitação dentro dos órgãos responsáveis pelo encaminhamento jurídico da Prefeitura.
Geladeira na cabeça
Partimos, agora, para o novo destino: a Comunidade Ebenezer, localizada no igarapé do mesmo nome. Novamente o motor da voadeira é desligado bem antes de chegarmos à margem mais próxima, onde fica a vila de moradores. A caminhada de onde desembarcamos até a primeira residência dura quase 30 minutos, seguindo por uma trilha à margem de onde era um braço do igarapé e por onde, atualmente, está um pequeno córrego que pode ser atravessado em alguns pontos sem molhar os pés.
Para o agricultor Brasnildo Castro Gama, 47, a maior dificuldade durante a seca é a falta de transporte, porque apenas as canoas conseguem se aproximar das comunidades. “Ainda assim empurradas com uma vara para sair da lama e alcançar águas menos rasas”, ressaltou o agricultor.
Segundo ele, não é raro os canoeiros terem que descer da embarcação para empurrar a canoa com “metade da perna atolada na lama do fundo do igarapé”.
Quando estávamos deixando a comunidade, tivemos uma mostra do que foi narrado pelo agricultor: um morador do Ebenezer estava chegando de Manaus, onde havia comprado uma geladeira. A canoa aportou a certa distância da comunidade e um dos rapazes encarregados pelo transporte, colocou a geladeira em cima da cabeça e saiu caminhando. Pesquisado sobre a dificuldade na época na vazante, o proprietário se esquivou dizendo que teria cerca de dois quilômetros de percurso até chegar em casa com a geladeira.
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