quinta-feira, 19 de maio de 2011

William Faulkner






"Depois sai. À janela novamente, Hightower vê-o passar e seguir rua acima, em direcção aos arrabaldes da cidade e ao seu passeio de três quilómetros, transportando os seus embrulhos de comida envoltos em papel. Desapareceu de vista andando direito e a bom ritmo; uma passada daquelas que um homem velho que já criou carnes e curto fôlego, um homem velho que já passou demasiado tempo sentado, não poderia ter acompanhado. E Hightower fica ali encostado à janela, no calor de Agosto, esquecido do odor em que vive - esse cheiro das pessoas que desde há muito já não vivem na vida: esse odor a dissecação sumamente balofa e linho a cheirar a mofo, como que um precursor da sepultura - a escutar os pés que parece ouvir ainda por muito tempo, pensando: «Deus o abençoe. Deus o ajude»; reflectindo: «Ser jovem. Ser jovem. Não há nada como isso. Não há nada mais no mundo.» Ele pensa calmamente: «Eu não deveria ter perdido o hábito de rezar.» Depois já não ouve os passos. Agora ouve unicamente os numerosos e intermináveis insectos, encostado à janela, respirando o cheiro quente e ricamente maculado da terra, pensando em como ele tinha amado a escuridão enquanto era jovem, um jovem que andava ou ficava sentado sozinho entre árvores, à noite. Depois o solo, as cascas das árvores, tornaram-se verdadeiros, selvagens, repletos, evocativos, estranhos e desgostosos meios prazeres e meios horrores. Tinha medo disso. Temia; amava tendo medo. Era como se uma porta se tivesse fechado algures. Já não tinha medo da escuridão. Simplesmente a odiava; costumava fugir dela para a proximidade de paredes, para a luz artificial. «Pois é», pensa ele, «eu nunca deveria ter perdido o hábito de rezar.» Afasta-se da janela. Uma das paredes do escritório está forrada de livros. Pára em frente a eles, procurando até encontrar aquele que procura. É de Tennyson. Está deformado por um uso abundante. Tem-no desde o tempo do seminário. Senta-se debaixo do candeeiro e abre-o. Não demora muito. Em breve a linguagem fina e galopante, o definhar desvitalizado repleto de árvores sem seiva e luxúrias desidratadas começa a pairar meloso, veloz e pacífico. É melhor do que rezar, sem se dar ao trabalho de pensar em voz alta. É como estar numa catedral a ouvir cantar um eunuco numa língua que ele nem sequer precisa de entender."

ENVIADO POR AMELIA PAIS


William Faulkner - Luz em Agosto,

(trad. Jorge Telles de Menezes), Diário de Notícias Bibliotex Editor, 2003.

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