domingo, 10 de julho de 2011
O MAR AZUL
O MAR AZUL
Rogel Samuel
O mar azul.
Volto de Copacabana, onde o vi. O mar, aquele mar azul.
«Vontade de cantar, mas tão absoluta, que me calo, repleto», escreveu Drummond ao vê-lo. Ao vê-lo belo. E azul. Tão azul.
O problema do mar, de sua beleza, é que sua beleza é infinita, é azul, azul profundo.
Oh, sim, estamos, entramos no Verão.Voltemos ao Verão. Que venha o verão. Como no início dos "Cantos", Ezra Pound diz:
E pois com a nau no mar,
Assestamos a quilha contra as vagas
E frente ao mar divino içamos vela
No mastro sobre aquela nave escura,
Levamos as ovelhas a bordo e
Nossos corpos também no pranto aflito,
E ventos vindos pela popa nos
Impeliam adiante, velas cheias,
Por artifício de Circe,
A deusa benecomata.
Que mar é esse? Este é o mesmo mar de Ulisses, o mesmo mar de Pessoa, de Camões, que canta:
Já no largo Oceano navegavam,
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Das naus as velas côncavas inchando;
Da branca escuma os mares se mostravam
Cobertos, onde as proas vão cortando
As marítimas águas consagradas,
Que do gado de Próteo são cortadas
Desconhecido embora, um poeta amazonense, Sebastião Norões, escreveu, há décadas, em 1956, um soneto perfeito, exemplar, único, sobre o mar. Seu título, «Mar da memória»:
Eu quero é o meu mar, o mar azul.
Essa incógnita de anil que se destrança
em ânsias de infinito e me circunda
em grave tom de inquietude langue.
O mar de quando eu era, não agora.
Quando as retinas fixavam tredas
a incompreensível mole líquida e convulsa.
E o pensamento convidava longes,
delimitava imprevisíveis rumos
viagens de herói e de mancebo guapo.
Quando as distâncias fomentavam sonhos.
Rebenta em mim essa aspersão tamanha
que a imagem imatura concebeu
de quando o mar era meu, o mar azul.
No verão, o brilho intenso, os ares claros, as nuvens brancas. O calor é pegajoso, pecaminoso.
Quando jovem, morava perto do Arpoador. Domingos de sol, festivos, de verão extremo.
O sol ficando forte, vem a vida, as canções. O metalizado brilho do passado estandartiza, nos ares, as claras visões dos cânticos do sol. É o verão do mar, que para o amor se vai abrir. Quando amar se espera. E o mar, o mar azul, «essa incógnita de anil que se destrança / em ânsias de infinito e me circunda / em grave tom de inquietude langue».
É langue todo verão, e assim esqueço, me esqueço, penso que ainda jovem. Me lembro dos dias de verão do Pier. Quem tem sonhos não morre. «O mar de quando eu era, não agora. / Quando as retinas fixavam tredas / a incompreensível mole líquida e convulsa. / E o pensamento convidava longes.»
O mar convida longes. Atravessa o longe, a linha, o afastado horizonte. Delimitando «imprevisíveis rumos / viagens de herói e de mancebo guapo.»
Naquele tempo, acampávamos nas praias desertas, e em desertas praias amávamos.
Um dia, em Búzios, um grande e luxuoso barco ancorou na praia onde acampávamos, na noite de Reveillon. De longe podíamos ver mulheres elegantes, os garçons, as champanhas. Fogos de artifícios. Ao nascer do sol, alguns vieram, num bote menor, até a praia. Algumas mulheres, de vestidos longos e brancos, ainda com as jóias, jogaram-se no mar. Outras, completamente nuas. Era a Era de 60, onde tudo se permitia, mesmo o ser feliz, nas « marítimas águas consagradas, / que do gado de Próteo são cortadas. »
E «nossos corpos também no pranto aflito, / E ventos vindos pela popa nos / Impeliam adiante, velas cheias». Sim, sim. « Por artifício de Circe, / A deusa benecomata.»
Norões nasceu no dia 7 de março de 1915, em Humaitá, Rio Madeira, Amazonas. Mas estudou em Fortaleza, daí sua fixação no Mar. Aos 18 anos voltou para Manaus, fez Faculdade de Direito. Foi meu professor no Colégio Estadual. Chefe de Polícia do Estado, onde protegeu o comunista Jorge Amado. Era professor de Geografia.
A geografia do Mar.
Quando éramos jovens, Norões foi nosso professor e Mestre. Posso vê-lo, atrás das baforadas de cigarro. As lentes grossas. Norões impressionava, carismático, culto. Nunca pensei que faria sua “apresentação”, anos mais tarde, quando escrevi um prefácio para a segunda edição de seu livro «Poesia Freqüentemente», de 1956. E é uma surpresa sempre que releio seu livro, sua poesia está mais viva ali, sua poesia é azul, lá onde o horizonte mergulha. E desponta.
O mar azul.
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2 comentários:
Que belo o soneto de Sebastião Norões. Uma satisfação poder ter lido o soneto, Rogel!
Abraço.
Jefferson.
obrigado, sou deste soneto, vejo nelo o meu mar
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