segunda-feira, 29 de agosto de 2011
NATUREZA MORTA
NATUREZA MORTA
De Walmir Ayala um poema, intitulado ESTAÇÃO, que sempre releio. Ayala, poeta excelente, não sei por que esquecido.
Na geladeira as frutas
escurecem de mortas
O quadro ele começa. A geladeira das frutas. Mortas. Geladas. Frutas. Personalizadas. Com o matiz erótico que caracteriza a poesia dele. Frutas mortas, natureza morta, alma morta, amor morto. Na mesa da geleira, deste Himalaya morto, neste Instituto Médico Legal da autópsia do pomar.
as pêras são secretas
usinas de água doce,
— no ventre das pêras o que está é sua secreção, a suculenta feminilidade, sua pose de ovário e úvula, a complexidade singela, aquela sua capacidade de oferta, de entrega, de lamúria das águas paradas mortas internas secretas dos entraves dos pântanos doces das almas das mais líquidas partes da natureza do amor, as estivais qualidades da natureza das carícias do corpo úmido e cúmplice, dos corpos entregues a si mesmos, que é quando são partes do mais tátil amor que se dá às mãos que deles fazem seus no prazer e no mergulho, nos gozos internos e usos, no segredo do maior e cavernoso introduzir hipodérmico da sua capacidade de sentir e de pulsar. Que é? A água doce do amor, usina do suco impulso do amor. São os líquidos amorosos, langorosos, das umidades humanas.
um mamão decepado
mostra a íntima carne
O mamão macho, o masculino mamão, castrado porém, digo, amputado, calado, prostrado, exibindo entranhas estranhas, na carne devastada, intimidade devassada.
O mamão porte de guilhotina — mamão revolução do estraçalhado. Mamão carne vegetal gengiva mole e aberta.
e as goiabas oloram
seu verão serenado.
O cheiro das goiabas, o perfume do verão no inverno do refrigerador, em antífrase feliz as perfumadas açucaradas e brandas goiabas. O verão olorizado de sereníssimo repouso. Oferecidas ao seu saboroso cheiro do pomar tropical.
Mas são mortas e lentas
neste ofertório as frutas.
Oh, tudo está morto, tudo está congeladamente morto, com frieza da morte, a morte 'lenta', a morte eterna, mumificada, gelada, branca, na porta aberta desta geladeira tumular, deste ofertório poético.
Um vapor congelado
contorna seu mistério.
Envoltas no nevoeiro, envoltas no seu mistério frio, branco, hospitalizado, as obscurecidas frutas medicalizadas, no branco arrepio da poesia misteriosa, do mistério da poesia...
E elas posam no ardor
do branco cemitério
de seu grave pomar.
Fotógrafo, o poeta abre, no seu cemitério doméstico e culinário, na escrita de seu receituário de forno e fogão, na gravitação polar de sua tematização estival (e não outonal). No seu bosque enclausurado.
E a geladeira inventa
surdo primaverar.
Em outro poema, no AQUÁRIO ACESO, os peixes dormem, no suspensório de seus sonhos:
Os peixes submersos dormem
Nadando um sonho enorme
- o aquário é breve e claro,
com selvas silenciosas
que o todo-poderoso
nutre de grão e larva.
É a poesia-aquário cujo conteúdo tem peixes que nadam sem acordar, sem perturbar, entre árvores silenciosas águas e selvas, eternizados pela luminosidade da escrita do todo-poderoso deus que o escreve e nutre de grão e larva, Ayala pesca na profundidade de si mesmo um labirinto de submersão de tentáculos poéticos onde se move como um polvo.
No entanto os peixes dormem.
Qualquer tremor das águas
e nadam aclarados
sonhando-se acordados
sonhando-se acordados.
E o leitor se enreda, se embriaga e sonha. Sonha dentro deste aquário verbal. Treme nessas águas de cristal líquido, o leitor sonha que lê, o poeta sonha-se lido, aclarado, viagem e volta ao íntimo gozo de seu interminável passeio, na lente suspensa das (m)águas.
No seu POMAR ABERTO, erótico, encontra entre as árvores do bosque o objeto de seu amor, esta vegetação da linguagem impossível de sua gestualidade desejante, o desconhecido toque de musa submersa, o paraíso pomar de pomos de luar e perfume do ar, as suculentas frutas, a poesia de Ayala reflete para sempre o domínio do delírio paradisíaco perdido, coro de laranjais em adágio e flores de laranjeiras.
Teu doloroso cheiro de laranjas
inventa este pomar que me embriaga
O prazer doloroso pomar em que se perde e inventa um labirinto embriagante cheio de sucos de invenção poética. As vespas de fogo rasgam de luz a venenosa atmosfera de seu ferrão, o luar do amor abre no peito a rosa amarga do ferrão do gemido gozo e do desenho do rosto grego, estátua em pedra que não está mais que estátua eterna e solitária, igual às frutas no verão da geladeira, mortas. Um paraíso em pomos de ouro a transportar e a ler.
há vespas inflamadas e um luar
enclausura em teu peito a rosa amarga
deste gemido em que és como o desenho
de um rosto antigo, de um sorriso em pedra
(eterno e solitário).
Estranho gemido de chumbo do amoroso langor do gozo que enfim o sorriso corta como a lâmina da faca, com a lâmina dos fios da noite.
Este sorriso que de repente no silêncio medra
e corta os fios da noite em que viajo
para os sempres de mim, tão decididos:
então nos laranjais escuto o adágio,
e o coração que ocultas é sonoro
como a ilha do amor em que me perco
e onde me salvo, e para sempre choro.
Sim, Amor é Ilha, lá onde se salva o que se perde, e lá onde se perde o que se salva, e onde pela contínua solidão como sempre chora.
Porque o amor é natureza morta.
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2 comentários:
natureza morta;é uma obra de excelencia;onde se retrata o poder das palavras.assim é walmir ayala.o que me chamou atenção foi que apos o anuncio de morte de CHICO ANYSIO;me veio a memoria o comentario dele AYALA sobre CHYCO ;em sua vernissagem em vitoria;na qual estive presente e pude ter o prazer de estar com estes DOIS GRANDIOSOS MESTRES;e guardo como joia o planfleto que tem o autografo destes dois...hoje para mim é um tesouro,valeu chyco,,,suas risadas seus comentarios,sua passagem por vitoria.fatima leandro.
homenagem a chico anysio////
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