quarta-feira, 23 de agosto de 2017
segunda-feira, 21 de agosto de 2017
domingo, 20 de agosto de 2017
sábado, 19 de agosto de 2017
quinta-feira, 17 de agosto de 2017
DA SOMBRA DOS VENTOS AO ADEJAR DOS URUBUS
DA SOMBRA DOS VENTOS AO ADEJAR DOS URUBUS
ROGEL SAMUEL
Em “Capoeira de espinhos” Dílson Lages criou um
gênero – fundiu conto, crônica, novela – construiu um texto – suas memórias
ficcionais, o personagem percorre as ruas de seu passado em passos tristes,
misturando fatos de um passado com as “modernidades” presentes, como no carrinho de Chico
Laranjeira que vendia melancias e CDs. Tudo mudado, tudo estragado pelos seus
olhos desgastados de velho. Não mais as andorinhas do céu. O tempo morto, a
vida morta, o relógio de pulso se quebra, é a morte.
Há uma frase que se repete: “quanto tempo ainda
tenho?” – o livro todo é uma reflexão sobre a morte, sobre a decadência dos
objetos, dos seres, das casas. O relógio roda, por horas, cada vez menos tempo
de vida, cada segundo é a vida que retrocede, menor, menor, gira assim para
trás, marcando o seu fim, - no fim o relógio se quebra, no chão - e a Pomba
Gira, nas ruas de Aldeia Viva (aldeia morta), fabricando vento, a sombra do
vento, no vermelho de suas saias, sem nome, sem destino, ou Chico Laranjeira,
vendendo melancias e CDs – os CDs dos escândalos.
Apesar de poucas ruas, a cidade parece enorme, dali
até as margens do Marataoã, o tempo para, o som dos ventos, tudo passa em
bicicletas, em Monaretas, em sonhos.
Outro motivo constante é uma estranha colher de
pedreiro, que atua como a de um coveiro do tempo, Aldeia Viva não é mais que
morta, uma espera da morte, como um cemitério. Pois a cidade está poluída de
fofocas, de mentiras, de histórias que são arapucas, conflitos, maledicências,
esquecimentos, de cochichos por trás dos muros, que o personagem, o professor
Constantino, um velho aposentado, sente-se hostilizado pelos muros das casas e
calçadas, pelas janelas fechadas, pela falta de seu passado, pela decadência
moral daquela vila, pela incerteza do futuro, como nos versos do Poeta Caçador:
“A mentira, a calúnia, a infâmia, o embate, / A vil
maledicência, a impudicía / a fraude...”
Nas últimas linhas de seu dizer: “Quanto tempo
ainda tinha?” [...] “Procurei as andorinhas no céu. Urubus, urubus.”
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quarta-feira, 16 de agosto de 2017
domingo, 13 de agosto de 2017
MEU PAI
MEU PAI
Rogel Samuel
Um homem corta a grama
Do outro lado da rua.
Meu pai se foi há muitos anos,
Mas a lembrança dele me desperta.
Vem de certa cena antiga
Onde aparece com seu sorrir
E o mesmo jogo de andar
Lançando os braços para trás.
Um homem corta a grama no seu quintal.
E muito tempo se passou
E não sei por que subitamente
Choro sua morte.
Tudo está em seu lugar
E por que me vejo triste?
Meu pai já não existe
Ele se decompôs no ar.
Um velho corta a grande grama
Da outra margem desta rua.
(Walden, New York, julho 2003)
Rogel Samuel
Um homem corta a grama
Do outro lado da rua.
Meu pai se foi há muitos anos,
Mas a lembrança dele me desperta.
Vem de certa cena antiga
Onde aparece com seu sorrir
E o mesmo jogo de andar
Lançando os braços para trás.
Um homem corta a grama no seu quintal.
E muito tempo se passou
E não sei por que subitamente
Choro sua morte.
Tudo está em seu lugar
E por que me vejo triste?
Meu pai já não existe
Ele se decompôs no ar.
Um velho corta a grande grama
Da outra margem desta rua.
(Walden, New York, julho 2003)
segunda-feira, 7 de agosto de 2017
LAVRADORES BEM-AVENTURADOS!
LAVRADORES BEM-AVENTURADOS!
ROGEL SAMUEL
A famosa Elegia de Camões que começa com 'Poeta Simónides, falando' tem para nós especial importância pois é lá que se vê pela primeira vez a beleza digamos ecológica.
Qual beleza? A beleza desses versos:
Oh, lavradores bem-aventurados!
Se conhecessem seu contentamento,
como vivem no campo sossegados!
É um trecho da Elegia, um comentário. Depois
de relatar as suas agonias e experiências más como marinheiro, como amante e soldado, o grande poeta suspira pelo bucólico paraíso do campo:
Oh, lavradores bem-aventurados!
Se conhecessem seu contentamento,
como vivem no campo sossegados!
E começa o encantamento da terra: ' Dá-lhes a justa terra o mantimento ' - das águas: ' dá-lhes a fonte clara a água pura ' - das casas
se suas casas d'ouro não se esmaltam,
esmalta-se-lhe o campo de mil flores,
onde os cabritos seus, comendo, saltam.
É tudo o que o poeta nunca teve: a paz do campo.
Ali amostra o campo várias cores,
vêm-se os ramos pender co fruto ameno,
A mansidão de um lar, que parece nunca Camões teve:
Ditoso seja aquele que alcançou
poder viver na doce companhia
das mansas ovelhinhas que criou!
O poeta chega a fazer a apologia da simplicidade:
Vive um com suas árvores contente,
sem lhe quebrar o sono sossegado
o cuidado do ouro reluzente.
Camões sabe ser terno, e fazer no verso simples o imortal cantar de uma felicidade de calma, de paz:
Ali amostra o campo várias cores,
vêm-se os ramos pender co fruto ameno,
ali se afina o canto dos pastores:
O que é a sua meditação de um simples repousar, do ' descanso honesto '.
Enfim, por estas partes caminhou
a sã justiça para o Céu sereno.
Os lavradores ' Não vêm o mar irado, a noite escura, /
por ir buscar a pedra do Oriente; / não temem o furor da guerra dura.'
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LAVRADORES BEM-AVENTURADOS!
sexta-feira, 4 de agosto de 2017
FLORBELA ESPANCA
FLORBELA ESPANCA
ROGEL SAMUEL
Para Florbela Espanca a dor é, e estranhamente, um convento. No seu famoso soneto «A minha dor», escreveu ela: « A minha Dor é um convento»:
A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias...
A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...
Florbela era mulher bonita e uma extraordinária poetisa. A maior de seu tempo. Chamava-se Flor Bela de Alma da Conceição. Mas seu sucesso é posterior e recente. Otto Maria Carpeaux não a conhece, na sua gigantesca História da Literatura Ocidental. A arte de Florbela é antiquada, seu «Livro das Mágoas», publicado em 1919, livro não modernista numa época em que apareceu a Bauhaus, em Weimar, fundada por W. Gropius, em que aparece Miró, com seu «Nu com espelho». Ela continua cultuando o velho soneto à moda parnasiana. Hernâni Cidade referirá "a violenta contradição entre o conceito de poesia de duas épocas distantes ou próximas". Mas é, possivelmente, António Ferro que, em artigo do Diário de Noticias, logo em Janeiro de 1931, chama a atenção para a poesia de Florbela.
O primeiro verso canta:« A minha Dor é um convento ideal». Como interpretar esse verso, esse convento? Talvez pela solidão, abandono... mas isso é uma deformação do sentido ideal de convento. As freiras lá não estão senão porque comungam e comungam com Deus, com Cristo. Um convento doloroso é uma contradição de termos, idéia de que alguém lá tivesse sido colocado à força, algo como uma prisão solitária, vazia e sinistra. De forma que esse verso, « A minha Dor é um convento ideal» determina as significações do inteiro soneto. E mais:
« Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.»
- mantém um segredo, ou melhor, uma «bela» contradição, pois que, se ali há claustros, sombras, a pedra em convulsões sombrias, há também «requinte», ou seja, apuro, refinamento, elegância, esmero, elevação, perfeição, volutas simétricas, arcos belos de pedras convulsionadas, Florbela transpôs, contagiou o seu secreto claustro com toda a sua sensualidade feminina, com o seu erotismo amante, esses arcos nada místicos ou de um misticismo tântrico, amoroso, sexualizado, corporal, poderosamente inscrito nas paredes, reescrito nas curvas, nas ancas, nas pernas daquela construção ideal e reservada à sua agonia amorosa, onde « os sinos têm dobres de agonias Ao gemer, comovidos, o seu mal...», o seu pecado, o seu som de funeral. Há lírios, mas belos, há:
«Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!»
Florbela contradiz o seu misticismo feminino, a beleza mística, na solidão final de seus versos:
« Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...»
- onde se ouvem os sinos tocarem, nesses «em» que três vezes se repetem, em ninguém.
Filha ilegítima, nascida em 8 de dezembro de 1894, Florbela se mata em 1930. Chamava-se Flor Bela de Alma da Conceição. Não foi pobre, teve 3 maridos e 2 divórcios, algo incomum, na época. Estudou Direito, em Lisboa. Culta. Editou seus próprios livros: «Livro de mágoas» em 1919, e «Livro de Soror Saudade», em 23. Não era conservadora, como disse. Mas avançada para seu tempo. E feminista. Era. Matou-se. Sua morte ela o anunciou em carta. Não conheceu o seu grande sucesso posterior.
ROGEL SAMUEL
Para Florbela Espanca a dor é, e estranhamente, um convento. No seu famoso soneto «A minha dor», escreveu ela: « A minha Dor é um convento»:
A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias...
A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...
Florbela era mulher bonita e uma extraordinária poetisa. A maior de seu tempo. Chamava-se Flor Bela de Alma da Conceição. Mas seu sucesso é posterior e recente. Otto Maria Carpeaux não a conhece, na sua gigantesca História da Literatura Ocidental. A arte de Florbela é antiquada, seu «Livro das Mágoas», publicado em 1919, livro não modernista numa época em que apareceu a Bauhaus, em Weimar, fundada por W. Gropius, em que aparece Miró, com seu «Nu com espelho». Ela continua cultuando o velho soneto à moda parnasiana. Hernâni Cidade referirá "a violenta contradição entre o conceito de poesia de duas épocas distantes ou próximas". Mas é, possivelmente, António Ferro que, em artigo do Diário de Noticias, logo em Janeiro de 1931, chama a atenção para a poesia de Florbela.
O primeiro verso canta:« A minha Dor é um convento ideal». Como interpretar esse verso, esse convento? Talvez pela solidão, abandono... mas isso é uma deformação do sentido ideal de convento. As freiras lá não estão senão porque comungam e comungam com Deus, com Cristo. Um convento doloroso é uma contradição de termos, idéia de que alguém lá tivesse sido colocado à força, algo como uma prisão solitária, vazia e sinistra. De forma que esse verso, « A minha Dor é um convento ideal» determina as significações do inteiro soneto. E mais:
« Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.»
- mantém um segredo, ou melhor, uma «bela» contradição, pois que, se ali há claustros, sombras, a pedra em convulsões sombrias, há também «requinte», ou seja, apuro, refinamento, elegância, esmero, elevação, perfeição, volutas simétricas, arcos belos de pedras convulsionadas, Florbela transpôs, contagiou o seu secreto claustro com toda a sua sensualidade feminina, com o seu erotismo amante, esses arcos nada místicos ou de um misticismo tântrico, amoroso, sexualizado, corporal, poderosamente inscrito nas paredes, reescrito nas curvas, nas ancas, nas pernas daquela construção ideal e reservada à sua agonia amorosa, onde « os sinos têm dobres de agonias Ao gemer, comovidos, o seu mal...», o seu pecado, o seu som de funeral. Há lírios, mas belos, há:
«Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!»
Florbela contradiz o seu misticismo feminino, a beleza mística, na solidão final de seus versos:
« Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...»
- onde se ouvem os sinos tocarem, nesses «em» que três vezes se repetem, em ninguém.
Filha ilegítima, nascida em 8 de dezembro de 1894, Florbela se mata em 1930. Chamava-se Flor Bela de Alma da Conceição. Não foi pobre, teve 3 maridos e 2 divórcios, algo incomum, na época. Estudou Direito, em Lisboa. Culta. Editou seus próprios livros: «Livro de mágoas» em 1919, e «Livro de Soror Saudade», em 23. Não era conservadora, como disse. Mas avançada para seu tempo. E feminista. Era. Matou-se. Sua morte ela o anunciou em carta. Não conheceu o seu grande sucesso posterior.
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