quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O grande tesouro

O grande tesouro (Coroa de esmeraldas que pertenceu à Rainha Vitória)
 
O grande tesouro

Rogel Samuel


"Conheço agora
este tesouro da verdadeira liberdade,
inesgotável não só para mim
mas também para todos outros:
a lua brilha sobre a água do rio
o vento sopra nos pinheiros
fresca e pura sombra de uma larga noite.
Qual é a causa?"

Yoka Daishi. "O canto do satori imediato"



Yoka anuncia a decoberta de um tesouro, de um tesouro da liberdade, libertaçao verdadeira, inesgotável tesouro, para ele, para todos, e qual é esse tesouro? onde reside este tesouro? lá, na lua que brilha sobre o rio sem causa, no vento que sopra nos pinheiros sem causa, na fresca e pura sombra sem causa, de uma noite sem causa, de uma larga noite sem causa. A descoberta de que nada tem uma causa, de que tudo é gratuito no Universo, é a libertação absoluta, é o tesouro máximo da liberdade absuluta.


É um tesouro sem causa, e sem finalidade. O tesouro da liberdade.

"Ninguém pode prender um homem livre" , escreveu um filósofo indiano.

Temporal e apagão causam transtorno em Manaus

Temporal e apagão causam transtorno em Manaus

Queda de árvores atrapalhou o trânsito em diversas vias da cidade. Vários bairros ficaram sem luz após um temporal que durou cerca de uma hora; quantidade de chuva chegou a 45 milímetros com ventos de até 60 km/h

  • O temporal gerou destelhamentos e queda de dezenas de árvores em Manaus
    FOTO: Clóvis Miranda
  • O temporal gerou destelhamentos e queda de dezenas de árvores em Manaus
    FOTO: Clovis Miranda/ACRITICA
  • No São Jorge, uma árvore e um muro caíram em cima deste carro
    FOTO: Bruno Kelly
  • O temporal gerou destelhamentos e queda de dezenas de árvores em Manaus
    FOTO: Clovis Miranda/ACRITICA
  • O temporal gerou destelhamentos e queda de dezenas de árvores em Manaus
    FOTO: Clóvis Miranda
O temporal que atingiu Manaus na noite de terça-feira (30) deixou dezenas de casas destelhadas, árvores caídas, placas retorcidas, veículos destruídos e a maior parte da cidade sem energia elétrica. Os estragos deixaram o trânsito ainda mais complicado na manhã desta quarta-feira (31). Informações atualizadas do Sipam dão conta que os ventos chegaram a até 85km/h. 
Até às 12h de hoje o "apagão" permanecia em dezenas de bairros. A assessoria de imprensa da Eletrobras Amazonas Energia informou que a empresa ainda contabiliza as áreas afetadas pelo corte de fornecimento de energia e vai se pronunciar sobre o assunto.
De acordo com o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), durante a tempestade os termômetros registravam 30°C, tendo chegado a 36,3°C. Na estação automática do INMET, o registro de rajada de vento foi de 66 Km/h entre 21h e 22h. No aeroporto Eduardo Gomes, os registros de rajada reportados foram de 85 km/h às 21h20m e 65 km/h às 22h28.
A Defesa Civil em Manaus recebeu 103 ligações informando ocorrências provocadas pelo temporal. As áreas mais afetadas são os bairros das zonas Oeste e Centro-Oeste.
Conforme a Defesa Civil, foram relatados 80 casos de destelhamento de casas nos bairros São Jorge, Vila da Prata, Glória, Compensa, Redenção. Também há registro de destelhamento na Cidade Nova, Zona Norte. No bairro Ouro Verde, Zona Leste, o vento e a chuva provocaram o destelhamento de duas casas, causando alagação.
Por meio do telefone 199, número da Defesa Civil municipal, foram comunicados dezesseis tombamentos de árvores na Glória, Centro e Cidade Nova, além de outros três registros de árvores tombadas em vias públicas no Adrianópolis, Ponta Negra e Dom Pedro, mas a Secretaria Municipal de Limpeza recebeu 90 comunicados de árvores derrubadas pela ventania.
Segundo informações do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) em Brasília, durante a primeira hora do temporal, iniciado por volta de 21h20 de terça à noite, choveu o equivalente a 45 milímetros – o que é considerado uma quantidade alta neste espaço de tempo, segundo funcionária do órgão – o Sipam não informou o total estimado para o período. A assessoria do Sipam em Manaus deve divulgar mais dados nesta quarta-feira (31), pois o órgão só funciona até às 21h.  
De acordo com a assessoria do Sipam em Manaus, um alerta avisando sobre a vinda de tempestades deste porte foi enviado à Defesa Civil duas horas antes do temporal.
PAC's
Em nota, a Ouvidoria do Estado do Amazonas informou que as unidades do Pronto Atendimento ao Cidadão dos bairros Alvorada, Compensa e Educandos estão com os serviços suspensos por conta da falta de energia elétrica em decorrência do temporal que atingiu Manaus na noite desta quarta-feira, 30 de outubro. Já os serviços oferecidos pelas demais unidades do PAC estão funcionando normalmente. 
Destruição
Segundo com a Infraero, os ventos chegaram a 60km/h durante a primeira hora da tempestade, velocidade que pode ter variado nas zonas de Manaus onde não há estação para medir os ventos.

Estragos foram comtabilizados na manhã desta quarta-feira (31). Árvores caíram, atingiram estoque de tijolos e carro de desembargadora, em oficina. (Foto: Clóvis Miranda)
No bairro São Jorge, em frente ao Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), uma árvore caiu e interrompeu o fluxo de veículos pelo local. Fios de alta tensão também foram derrubados. Agentes da Manaustrans tentavam organizar o trânsito na área.
Ainda no São Jorge, na rua Paraguaçu, uma árvore e um muro caíram em cima de um carro modelo Celta. De acordo com o estudante Billy Gram, o acidente aconteceu por volta das 21h30. "Não dá pra calcular o quanto de prejuízo, mas será grande", afirmou.
A faculdade Esbam, do bairro Aleixo, Zona Sul, localizado em uma travessa da Avenida Umberto Calderaro, teve seu telhado arrancado pelo forte vento. Há relatos dando conta de uma série de outros destelhamentos em moradias e pontos comerciais em diversos bairros das Zonas Norte, Oeste e Sul.
Um dos principais ocorreu próximo à Ponte Rio Negro, na Zona Oeste. De acordo com internautas, uma telha de zinco atingiu os fios de alta tensão e provocou curtos circuitos.
A arquiteta Cris Sotto Mayor postou em seu mural da rede social Facebook que no apartamento onde mora, no bairro Vieiralves, chegou a chover granizo. "Gente, aqui no 10º andar o 'Jr.' (temporal) entrou e alagou tudo. Tinha granizo também. Estavam jogando seixo na janela", comentou.
Estragos

Parte do muro do Estádio da Colina foi destrído durante temporal, bairro São Raimundo, Zona Oeste. (Foto: Clóvis Miranda)
Energia
Os bairros São Raimundo, Alvorada, São Jorge, Compensa, Flores, Distrito Industrial, Cidade Nova, Parque das Laranjeiras, Petrópolis, Aleixo, Conjunto Kissia, Nova Floresta, Conjunto Galiléia, Chapada e Vila da Prata ficaram às escuras.
Na Colônia Oliveira Machado, na Zona Sul, houve dois desbatamentos de muros e na Glória, região Centro-Oeste de Manaus, duas casas apresentam risco de desabar - uma na Glória e outra no Alvorada.
A coordenação da Defesa Civil informou que está com todo o efetivo distribuído em cinco equipes para fazer o atendimento das ocorrências. Eles contam com o suporte da Academia de Bombeiros Civis do Amazonas (ABCAM), grupo de voluntários que colabora nessas ocasiões.
A coordenação informa, ainda, que não recebeu nenhum alerta do Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) sobre a possibilidade de ocorrência de temporal na intensidade do ocorrido na noite de ontem.  

SANDY


Sandy já matou 48. Destes,18 em Nova York

Renata Giraldi*
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Em dois dias de passagem do Furacão Sandy pela Costa Leste dos Estados Unidos, os dados ainda estão sendo levantados. Os números mais recentes indicam que 48 pessoas morreram em consequência do furacão, das quais 18 na região de Nova York. A falta de energia, as inundações em alguns setores e a queda de árvores causaram os principais danos na área.
"Foi uma tempestade devastadora, talvez a pior a que assistimos", disse o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg. O furacão segue dos Estados Unidos para o Canadá, depois de ter passado pelo Caribe, onde pelo menos 67 pessoas morreram.
O Hospital da Universidade de Nova York foi obrigado a transferir mais de 200 pacientes, inclusive bebês e crianças, devido à falta de energia e ao fato de o gerador não ter funcionado.
Reação de Obama
O governo dos Estados Unidos dará prioridade ao abastecimento de combustível e energia em todo país. A decisão foi anunciada pelo presidente norte-americano, Barack Obama, que chamou a medida de “prioridade máxima”. A passagem do Furacão Sandy pela Costa Leste do país provocou o desabastecimento de combustível principalmente nas áreas de Nova York e Nova Jersey.
O país também sofreu com a falta de energia que atingiu mais de 8 milhões de pessoas, em 15 estados norte-americanos. O assunto foi tema de conversa do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, com os representantes dos setores de energia e combustíveis no país.
Em comunicado, Obama informa as orientações transmitidas ao secretário da Energia, Stephen Chu, ao administrador da Agência Federal para a Gestão de Emergências, Craig Fugate, e aos executivos de empresas de eletricidade.
Obama disse ainda que as agências federais colaborarão com as empresas e governos estatais possam cumprir restabelecer o fornecimento. “A orientação é para que as agências eliminem qualquer burocracia que possam enfrentar as empresas e que suas equipes evitem atrasos nos esforços para a retomada do abastecimento de eletricidade”, diz a nota.
O secretário de Transportes dos Estados Unidos, Ray LaHood, disse que a agência gastou US$ 13 milhões para ajudar os estados de Nova York e Rhode Island nas ações de limpeza e reconstrução. O governo norte-americano deve repassar recursos para outras regiões do país.
*Com informações da agência pública de notícias de Portugal, Lusa.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Marinha americana resgata 14 náufragos em meio ao furacão Sandy

Marinha americana resgata 14 náufragos em meio ao furacão Sandy

Tripulação foi encontrada após abandonar navio; duas pessoas ainda estão desaparecidas

iG São Paulo
A marinha dos Estados Unidos resgatou 14 tripulantes que abandonaram um navio próximo à costa da Carolina do Norte nesta segunda-feira. As autoridades informaram que ainda há dois desaparecidos. A tripulação do HMS Bounty, réplica de uma embarcação histórica americana, foi encontrada no período da manhã após sofrer com o mau tempo causado pela aproximação do furacão Sandy.
AP
Marinha dos Estados Unidos patrulha área próxima à Estátua da Liberdade, em Nova York
A diretora da organização que controla o navio, Tracie Simonin, afirmou que a tripulação começou a enfrentar dificuldades por volta das 22h30 do domingo, quando a embarcação começou a perder potência e o sistema para bombear água deixou de funcionar. "Nesse momento nós entramos em contato com a marinha americana e pedimos socorro", disse.
As primeiras informações apontavam que havia 17 tripulantes a bordo do HMS Bounty, porém apenas 16 abandonaram o navio em botes de salva vidas. Segundo relatos da rede canadense CBC, horas depois do resgate, o navio afundou. Simonin, porém, não soube confirmar a informação.
O HMS Bouty é uma réplica de um famoso navio de 1789, utilizado inclusive nos filmes da série Piratas no Caribe. Sua estreia no cinema foi em 1962, no longa-metragem O Grande Motim, com o astro Marlon Brando no papel principal.
Com AP e BBC

Prezada Wikipedia:

Por Redação Link
Philip Roth quis corrigir o verbete sobre um de seus livros, mas a enciclopédia não o considerou ‘confiável’. Daí esta carta aberta
Philip Roth*
Ilustração: CARLINHOS MÜLLER/ESTADÃO
Prezada Wikipedia:
Sou Philip Roth. Tive motivos recentes para ler pela primeira vez o verbete da Wikipedia discutindo meu romance A Mancha Humana. Ele contém um sério equívoco e gostaria que fosse removido. Ele entrou na Wikipedia não do mundo da veracidade, mas dos balbucios das tagarelices literárias – não há nenhuma verdade nele.

Mas quando, por meio de um interlocutor oficial, pedi à Wikipedia que deletasse o equívoco, fui informado pelo “Administrador da Wikipedia em Inglês” – numa carta de 25 de agosto – que eu, Roth, não era uma fonte confiável: “Compreendo seu ponto de que o autor é a maior autoridade em seu próprio trabalho”, escreveu, “mas exigimos outras fontes.”
Assim nasceu esta carta aberta. Depois de não conseguir uma mudança feita pelos canais usuais, não sei de que outra maneira proceder.
Meu romance A Mancha Humana foi descrito no verbete como “alegadamente inspirado na vida do escritor Anatole Broyard”. Essa afirmação não é minimamente substanciada pelos fatos. A Mancha Humana foi inspirado num evento infeliz na vida meu amigo Melvin Tumin, já falecido, professor na Universidade de Princeton. Um dia, no outono de 1985, quando Mel, que era meticuloso em todas as coisas, estava meticulosamente fazendo a chamada numa turma de sociologia, notou que dois de seus alunos ainda não haviam frequentado uma só aula ou tentado se encontrar com ele para explicar a ausência, embora já se estivesse no meio do semestre.
Terminada a chamada, perguntou à classe sobre os dois alunos que nunca havia encontrado. “Alguém os conhece? Elas existem ou são fantasmas? (spooks, em inglês)” – infelizmente, as mesmíssimas palavras que Coleman Silk, o protagonista de A Mancha Humana, usa na pergunta que faz a sua turma no Athena College em Massachusetts.
Quase imediatamente, Mel foi convocado pelas autoridades universitárias para justificar seu uso da palavra “spooks” já que os alunos faltantes, nas circunstâncias, eram ambos afro-americanos, e “spook”, nos Estados Unidos da época, era uma designação pejorativa para negros. Seguiu-se uma caça às bruxas durante os meses seguintes da qual o professor Tumin – como o professor Silk em A Mancha Humana – saiu ileso, mas somente depois de ter dado depoimentos demorados declarando-se inocente da acusação de discurso do ódio.
Circulou um sem-número de ironias, pois Mel havia adquirido proeminência nacional entre sociólogos, ativistas de direitos civis e políticos liberais ao publicar, em 1959, o estudo sociológico Desegregation: Resistance and Readiness, e depois, em 1967, com Social Stratification: The Forms and Functions of Inequality, que se tornou referência. Antes de vir para Princeton, ele fora diretor da Comissão Municipal de Relações de Raça, em Detroit. Quando morreu, em 1995, a manchete no obituário do New York Times dizia “Melvin M. Tumin, 75, especialista em relações raciais”.
Nenhuma dessas credenciais contou quando os poderes do momento tentaram tirar o professor Tumin de seu elevado cargo acadêmico sem nenhuma razão, como o professor Silk foi tirado em A Mancha Humana.
E foi isso que me inspirou a escrever A Mancha Humana: não algo que possa ou não ter ocorrido na vida, em Manhattan, da figura literária cosmopolita de Anatole Broyard, mas que realmente ocorreu na vida do professor Melvin Tumin, cem quilômetros ao sul de Manhattan, na cidade universitária de Princeton, onde conheci Mel no começo dos anos 60.

Assim como ocorreu com a distinta carreira acadêmica do protagonista de A Mancha Humana, a carreira de Mel foi conspurcada da noite para o dia por ele ter supostamente destratado dois alunos nos quais jamais havia posto os olhos. Até onde tenho conhecimento, nenhum evento remotamente como esse manchou a longa e bem-sucedida carreira de Broyard nos mais altos cumes do mundo do jornalismo literário.
A ocorrência com “spooks” é o incidente inaugural de A Mancha Humana. O núcleo do livro. O romance não existe sem ela. Coleman Silk não existe sem ela. Cada novidade que ficamos sabendo sobre Silk, no curso de 361 páginas, começa com sua perseguição desenfreada por ter pronunciado “spooks” em voz alta numa sala de aula de faculdade. Nessa palavra, falada em absoluta inocência, jaz a fonte do ódio a Silk, suas angústia e queda.
Por ironia, essa e não seu enorme segredo de toda a vida – ele é o filho de pele clara de uma respeitável família negra em Nova Jersey, que consegue fazê-lo passar por branco desde o momento em que entra na Marinha aos 19 anos – é a causa de sua morte humilhante.
Quanto ao escritor Anatole Broyard, ele algum dia esteve na Marinha? Na prisão? Num curso de pós-graduação? Algum dia terá sido vítima inocente de perseguição institucional? Não tenho a menor ideia. Em mais de três décadas, cruzei com ele, casual e inadvertidamente, talvez três ou quatro vezes antes de prolongada batalha contra um câncer de próstata pôr fim à sua vida, em 1990.
Silk, por sua vez, é morto maldosamente, assassinado num acidente de carro planejado e premeditado quando estava com sua improvável amante, Faunia Farley. As revelações que fluem das circunstâncias específicas da morte de Silk pasmam seus sobreviventes e levam à conclusão desolada do romance num desolado lago coberto de gelo onde ocorre uma espécie de confronto entre Nathan Zuckerman e o executor de Faunia e Coleman, o ex-marido de Faunia, o atormentado e violento veterano do Vietnã, Les Farley. Nem os sobreviventes de Silk, nem seu assassino, nem sua amante tiveram origem em outro lugar que não a minha imaginação. Na biografia de Anatole Broyard não há qualquer pessoa ou evento comparável, até onde eu sei.
Eu não conhecia nada da vida privada de Broyard e, no entanto, os aspectos mais delicadamente privados da vida privada de Coleman Silk constituem praticamente toda a história narrada em A Mancha Humana.
Nunca conheci, falei com ou, até onde sei, estive na companhia de uma única pessoa da família Broyard. A decisão de ter filhos com uma mulher branca e, possivelmente, ser exposto como negro pela pigmentação de seu filho é um motivo de grande apreensão de Silk. Se Broyard sofreu essa apreensão, não tinha nenhuma maneira de saber.
Jamais fiz uma refeição com Broyard, jamais saí com ele para um bar ou um jogo de beisebol, nunca o vi numa festa à qual poderia ter ido nos anos 60 quando estava vivendo em Manhattan e em raras ocasiões socializava em festas. Nunca cruzei acidentalmente com ele na rua, embora uma vez – se não me engano, nos anos 80 – nós nos encontramos na loja de roupas masculinas Paul Stuart na Madison Avenue, onde estava comprando sapatos. Como Broyard era a essa altura o resenhista de livros intelectualmente mais refinado do Times, lhe disse que gostaria que ele se sentasse na cadeira ao meu lado e me permitisse comprar-lhe um par de sapatos, na esperança, admiti francamente, de aprofundar seu apreço por meu próximo livro. Foi um encontro alegre, divertido, que durou dez minutos se muito, e foi o único encontro do tipo que tivemos.
Nós nunca nos demos ao trabalho de ter uma conversa séria. Caçoadas de passagem eram nossa especialidade, com o resultado de que nunca soube quem eram seus amigos ou inimigos, não soube onde e quanto ele havia nascido e crescido, nada sobre sua condição econômica, nada de sua política ou times favoritos ou se tinha algum interesse por esporte. Não sabia nada sobre a sua saúde mental ou seu bem-estar físico, e só fiquei sabendo que ele estava morrendo de câncer muitos meses depois de ele ter sido diagnosticado, quando ele escreveu sobre sua luta com a doença na New York Times Magazine.
Eu o conhecia somente como um crítico em geral generoso de meus livros. No entanto, após admirá-lo por sua coragem no artigo sobre sua morte iminente, consegui o número do telefone de Broyard de um conhecido comum e liguei para ele. Foi a primeira e última vez que falei com ele por telefone. Ele foi encantadoramente efusivo, extremamente exuberante, e riu com gosto quando o lembrei de nós em nossa mocidade, lançando uma bola de futebol americano em uma praia em Amagansett, em 1958, que foi onde e quando eu o conheci.
Na época, eu estava com 25 anos, ele com 38. Era um belo dia de verão, e me lembro de ter ido até ele na praia para me apresentar e lhe dizer como havia apreciado seu brilhante conto What the Cystoscope Said. A história havia aparecido em meu último ano de faculdade, 1954, no quarto número da mais soberba das revistas literárias da época, Discovery.
Logo havia quatro de nós – escritores recém-publicados quase da mesma idade. Aqueles vinte minutos de bola constituíram o envolvimento mais íntimo que Broyard e eu tivemos, e elevaram a um total de trinta o número de minutos que gastaríamos na companhia um do outro.
Antes de sair da praia, naquele dia, alguém me disse que havia rumores de que Broyard era um “oitavão” (expressão que indica pessoa com descendência de etnias diferentes). Não dei muita atenção a isso ou, lá em 1958, dei pouco crédito. Em minha experiência, oitavão era uma palavra raramente ouvida fora do sul dos EUA. Não é impossível que eu a tenha procurado no dicionário mais tarde para compreender seu significado preciso.
Broyard era na verdade filho de dois pais negros. Não sabia disso, na época nem quando comecei a escrever A Mancha Humana. Sim, alguém havia me dito um dia, por acaso, que o homem era o filho de um “quadrarão” (outro termo do tipo) com uma negra, mas esse trecho de um disse me disse improvável foi tudo que eu jamais soube sobre Broyard.
Contudo, com o passar dos anos, não foram poucas as pessoas que se perguntaram se, por causa de certas feições suas aparentemente negras – seus lábios, seus cabelos, seu tom de pele – Mel Tumin, que era inflexivelmente judeu na Princeton avassaladoramente branca e protestante de seu tempo, não pudesse ser um afro-americano se passando por branco. Outro fato na biografia de Mel Tumin que nutriu minhas primeiras imaginações de A Mancha Humana.
Meu protagonista, o acadêmico Coleman Silk, e o escritor real Anatole Broyard, inicialmente se passaram por homens brancos nos anos antes do movimento pelos direitos civis começarem a mudar a natureza de ser negro na América. Os que escolheram se passar (essa palavra, aliás, não aparece em A Mancha Humana) imaginaram que não teriam de compartilhar as privações, humilhações, insultos, danos e injustiças que seriam mais do que prováveis de atravessarem seu caminho se eles fossem abandonar suas identidades exatamente como as haviam encontrado. Na primeira metade do século 20, não houve apenas Anatole Broyard – houve milhares, provavelmente dezenas de milhares de homens e mulheres de pele clara que decidiram escapar dos rigores da segregação institucionalizada sepultando para sempre suas vidas negras originais.
Finalmente, para se inspirar para escrever um livro inteiro sobre a vida de um homem, é preciso ter um interesse considerável pela vida do homem, e, sinceramente, embora eu tenha admirado particularmente o conto What the Cystoscope Said quando surgiu, em 1954, no correr dos anos eu não tive nenhum interesse particular em Anatole Broyard. Nem Broyard nem ninguém associado a ele teve alguma coisa a ver com minha imaginação em A Mancha Humana.
Escrever romances é para o romancista um jogo de faz de conta. Como a maioria dos outros romancistas que conheço, tão logo tive o que Henry James chamou de “o germe”, – neste caso, a desafortunada história de Mel Tumin em Princeton – comecei a fazer de conta e inventar Faunia Farley, Les Farley, Coleman Silk, os antecedentes da família de Coleman e outros cinco mil elementos biográficos que no conjunto formam o personagem ficcional no centro do romance.
Sinceramente, Philip Roth.
/ Tradução de Celso Paciornik
*É escritor. A carta foi publicada originalmente na revista “The New Yorker

sábado, 27 de outubro de 2012

Goldberg Variations




Goldberg Variations

Rogel Samuel

PARA OUVIR CLICK EM:

http://youtu.be/N2YMSt3yfko



                Na "Ária" inicial ele faz um passeio pelas teclas do piano. Conta uma "estória", a de nossas mais antigas recordações, conta a nossa estória a nós mesmos, nos ensina a contar, a falarmos de nós mesmos, para um receptor oculto. Uma reflexão auditiva, uma argumentação instintiva, uma ária, ou seja, a música de um solitário, a música solitária, de uma só voz amante, exprime o sentimento da solidão, a cantiga do solitário, do esquecido, do ser um retrospecção de seu amor. 
         A primeira variação nos leva para um lugar em declive, rápido lugar, de onde voltamos para a ária inicial.
         Na segunda variação alçamos o campo, onde flores e cores nos recebem e nos recompensam. Os dedos passeiam pelo teclado.
         Ouço Gleen Gould, na gravação de 82, que prefiro: que é mais lenta, mais clara, mais profunda... porém mais triste.
         O genial pianista perto da morte, em declínio, suas roupas eram desalinhadas, engordara, estava cada vez pessoalmente mais difícil, mais musical, menos social, pura música, a música pura.
         Na gravação se pode ouvir que ele canta por trás do piano, pode-se ouvir sua voz, seus murmúrios. 
         Estou esperando um dia ouvir a prometida gravação do meu amigo Christopher Schindler. Ele é muito bom em Bach.
         Eu o conheci na Ilha de San Juan, em Friday Harbour. Ele estudava num velho piano dos alunos de uma escola, um piano esquecido num canto de uma sala. Aproximei-me, e quando ele parou de praticar começamos a conversar. Logo estava ele falando num excelente português. Chris fala não sei quantas línguas, inclusive a linguagem musical. Foi aluno do filho do polonês Artur Schnabel, para muitos um dos maiores de todos os tempos. Pena que as gravações de Schnabel sejam tão antigas. Por exemplo a do Concerto N. 1 de Beethoven é de 1932. Mas apesar de mono, impressionante. Schnabel deixou Berlin em 33, devido ao regime nazista. A arte de Schnabel percebe-se nos discos de 78 rotações.
         A origem da Goldberg Variations é famosa: O conde Count Hermann Carl von Keyserlingk, de Dresden, que frequentava Bach em Leipzig para receber aulas de composição, o conde sofria de insônia e pedia sempre a seu músico particular, de 15 anos, o prodigioso Johann Gottlieb (Theophil) Goldberg (1727-1756), que tocasse algo no quarto contíguo, para ajuda-lo a dormir. Durante uma visita em 1742, o Conde pediu a Bach que compusesse uma peça «de uma quietude calmante» para fazê-lo dormir, e Bach compôs a "Aria com 30 variações", BWV 988, que ficou conhecida posteriormente como Goldberg. O Conde, pela magnificência da obra, fazia Goldberg tocá-la todas as noites. E tão impressionado ficou pela música que retribuiu Bach com 100 luíses de ouro.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

HOJE: TUFIC RECEBE PRÊMIO NO RIO DE JANEIRO

JORGE TUFIC recebe hoje o prêmio Raul Bopp da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, na Academia Brasileira de Letras às 15 horas (foto de R. Samuel)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos

O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos
Com argúcia de historiador e sensibilidade literária, Denis de Moraes traça a interligação entre as várias personas de Graciliano Ramos: o menino traumatizado pelas surras na infância; o jovem autodidata que lia Balzac, Zola e Marx em francês; o mítico comerciante da loja Sincera; o revolucionário prefeito de Palmeira dos Índios; o diretor da Imprensa Oficial e da Instrução Pública de Alagoas; o preso político no inferno da Ilha Grande; o escritor sufocado por apuros financeiros; o estilista da palavra na redação do Correio da Manhã; o militante comunista aos esbarrões com a burocracia partidária.

São Paulo - Reavaliada 120 anos depois de seu início, em 27 de outubro de 1892, a extraordinária trajetória pessoal, literária, intelectual e política de Graciliano Ramos contada por seu melhor biógrafo ganha nova edição, ampliada e revisada, pela Boitempo Editorial. O velho Graça, de Dênis de Moraes, nos conduz pelos sessenta anos de história de um dos maiores narradores da literatura brasileira, com todo o rigor da documentação e dos depoimentos pessoais daqueles que o cercavam. O livro chega aos leitores com acréscimos que acentuam o conhecimento pormenorizado da vida e da obra do escritor alagoano. Entre as novidades estão um bem-cuidado caderno iconográfico, com imagens raras e até inéditas, e a mais esclarecedora entrevista concedida pelo escritor, em 1944, nunca antes publicada em livro.

Publicado pela primeira vez no centenário de Graciliano Ramos, o trabalho de Moraes foi recebido com grande entusiasmo pela crítica, por se tratar da primeira “biografia de conjunto” sobre o romancista, como classificou Carlos Nelson Coutinho no prefácio.

O estilo jornalístico do biógrafo se perfaz num rigoroso e amplo trabalho de pesquisa – com texto ao mesmo tempo leve e erudito, escrito com sóbria simplicidade, O velho Graça refaz a trajetória luminosa e sofrida de Graciliano. Tendo como objeto de estudo um escritor aferrado ao seu tempo, Moraes desenha o pano de fundo de cinco décadas de grande efervescência política e de transformações aceleradas no processo modernizador do Brasil.

A garimpagem em arquivos públicos e privados de Rio de Janeiro, São Paulo e Alagoas, assim como as dezenas de testemunhos de amigos, parentes, artistas, intelectuais e companheiros de geração enriqueceram sobremaneira o trabalho. Com argúcia de historiador e sensibilidade literária, Moraes traça a interligação entre as várias personas de Graciliano Ramos: o menino traumatizado pelas surras na infância; o jovem autodidata que lia Balzac, Zola e Marx em francês; o mítico comerciante da loja Sincera; o revolucionário prefeito de Palmeira dos Índios; o zeloso diretor da Imprensa Oficial e da Instrução Pública de Alagoas; o preso político no inferno da Ilha Grande; o escritor sufocado por apuros financeiros; o estilista da palavra na redação do Correio da Manhã; o militante comunista aos esbarrões com a burocracia partidária.

Sem cair na armadilha do biografismo, Moraes recompõe a emergência dessa complexa figura, reconstituindo no percurso dialético de seus diversos momentos alguns dilemas fundamentais de nossa formação histórica. “Temos um Graciliano sem retoques: duro, mas apaixonado; frio e áspero na superfície da fala e do gesto, mas ardente e sempre humano na fonte da vida pessoal”, diz na capa o professor Alfredo Bosi, que também encontrou na biografia o cruzamento de itinerários do homem capaz de refletir, como num jogo de espelhos, a somatória de vivências acumuladas: “a paixão pela palavra nele precedeu e acompanhou a opção política que, por sua vez, transcendeu (mas jamais renegou) a adesão partidária”.

Para o autor, remontar o quebra-cabeça de Graciliano assemelhou-se ao ofício de artesão, já que os fragmentos do passado precisavam ser pacientemente reunidos e dispostos com a máxima coerência possível, a despeito da pluralidade de suas significações.

A necessidade de correlacionar peripécias, valores e sentimentos foi inspirada em uma passagem do prólogo de Memórias do Cárcere. O escritor consciente, assinala Graciliano, não deve esquivar-se dos zigue-zagues e tumultos próprios de uma existência. “Esforcei-me para mirar o objeto sem perder de vista suas interfaces e imbricações, tratando de averiguar convicções, dúvidas, anseios, vicissitudes e triunfos a fim de estabelecer conexões com a esfera ficcional engendrada por ele. Nas tensões entre o homem, a atmosfera social e a criação literária recolhi pistas que me levassem às motivações familiares, afetivas, estéticas, ideológicas e políticas presentes em sua intervenção na realidade concreta”, completa Moraes. O resultado é uma história de projeções e influências, de paradoxos e contrastes, mas, sobretudo, de coerência na busca incessante do que é essencial à vida.
Trecho do livro

"Fico imaginando o que Graciliano acharia de ter sido biografado. Talvez fingisse desprezo por sua escolha. O que me leva a crer nisso? Uma declaração feita por ele, em novembro de 1937, em uma carta ao tradutor argentino Raúl Navarro, que lhe pedira um currículo sumário para anexar a um conto em vias de publicação em Buenos Aires.

Os dados biográficos é que não posso arranjar, porque não tenho biografia. Nunca fui literato, até pouco tempo vivia na roça e negociava. Por infelicidade, virei prefeito no interior de Alagoas e escrevi uns relatórios que me desgraçaram. Veja o senhor como coisas aparentemente inofensivas inutilizam um cidadão. Depois que redigi esses infames relatórios, os jornais e o governo resolveram não me deixar em paz. Houve uma série de desastres: mudanças, intrigas, cargos públicos, hospital, coisas piores e três romances fabricados em situações horríveis – Caetés, publicado em 1933, S. Bernardo, em 1934, e Angústia, em 1936. Evidentemente, isso não dá para uma biografia. Que hei de fazer? Eu devia enfeitar-me com algumas mentiras, mas talvez seja melhor deixá-las para romances."
Sobre o autor

Dênis de Moraes nasceu no Rio de Janeiro em 1954. É doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-doutor pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Clacso), sediado em Buenos Aires. Atualmente, é professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). É autor e organizador de mais de vinte livros, dos quais oito foram editados no exterior (Argentina, Espanha, Cuba e México). Além de O velho Graça, publicou duas biografias de intelectuais e artistas de esquerda: Vianinha, cúmplice da paixão: uma biografia de Oduvaldo Vianna Filho (Rio de Janeiro, Record, 2000; São Paulo, Expressão Popular, no prelo) e O rebelde do traço: a vida de Henfil (Rio de Janeiro, José Olympio, 1996). Ainda, com Francisco Viana, Prestes: lutas e autocríticas (Petrópolis, Vozes, 1982; Rio de Janeiro, Mauad, 1998), obra baseada no único depoimento concedido pelo líder comunista Luiz Carlos Prestes sobre sua trajetória.

JORGE TUFIC NO RIO DE JANEIRO

JORGE TUFIC acaba de ganhar o prêmio Raul Bopp da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro.
Data da premiação: dia 26, às 15 hs, no auditório da
Academia Brasileira de Letras.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

GRACILIANO

Coletânea de textos inéditos em livro traz conto desconhecido de 1915 e artigos que mostram atividade literária e política do autor alagoano
Anunciado recentemente como o autor homenageado da edição de 2013 da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), Graciliano Ramos estará no centro de uma série de celebrações nos próximos meses, por conta dos 120 anos de seus nascimento, que se completam no próximo sábado, dia 27. Reforçando as comemorações, chegam às livrarias uma obra com inéditos e a reedição ampliada de uma biografia clássica do autor de “Vidas secas” e “São Bernardo”. 
Publicados entre 1915 e 1952, os 81 textos reunidos em “Garranchos: achados inéditos de Graciliano Ramos” (Record) podem ser lidos como uma espécie de guia para a trajetória do escritor. Dos primeiros artigos, em que, sob pseudônimos variados (X., Lúcio Guedes, Ramos de Oliveira, J.C., G.R.), discute os problemas de Alagoas e alfineta desafetos em versinhos maldosos (“Aquela carcaça ingente/ Tanta gordura juntou/ Que um dia, logicamente,/ — Tinha de ser — rebentou”), até as intervenções do autor já consagrado na vida política e literária do país, o livro mostra a consolidação da assinatura e do estilo de Graciliano.

Organizado pelo pesquisador da USP Thiago Mio Salla, “Garranchos” é composto sobretudo de textos não ficcionais, como colaborações para imprensa, ensaios breves, discursos e cartas. As exceções são um conto que escreveu aos 21 anos mas nunca publicou, “O ladrão” (leia trecho ao lado), e o primeiro ato de uma peça teatral inacabada.

— É um conjunto heterogêneo de textos, mas a partir de alguns elementos podemos perceber transformações. Ele só passa a assinar como Graciliano Ramos em 1931 e, quando observamos os textos dessa época, percebe-se a evolução de um estilo que vai se tornando mais seguro — diz Salla, chamando atenção para o conto inédito, que “emprega técnicas literárias que marcariam a obra de Graciliano, como a introspecção e a temática social”.



Campanha contra o analfabetismo

“Garranchos” complementa as duas antologias de não ficção de Graciliano publicadas depois de sua morte, em 1952, por câncer de pulmão: “Linhas tortas” e “Viventes das Alagoas” (ambas saíram em 1962). Assim como elas, o novo livro ilumina aspectos decisivos da biografia e da obra do escritor.

O Graciliano político, por exemplo, se faz notar já na série de crônicas semanais que publicou em 1921, aos 28 anos, em um jornal de Palmeira dos Índios, município do qual se tornaria prefeito no final daquela década. Em um dos primeiros textos, insiste no “grave mal que ameaça derruir a moral do povo: o analfabetismo”. E em mais de uma ocasião exige que o governo abra escolas no município e capacite os limitados professores locais, em nome dos “infelizes pais de família que veem, dia a dia, a miséria invadir-lhes o lar, onde não penetrou ainda, balsâmica e divina, a fonte do bem humano: o livro!”.

Outros textos fornecem dados relevantes (ou ao menos curiosos) para a compreensão do processo criativo de Graciliano. Na crônica “Paulo Honório”, de 1946, o escritor recorda a construção do protagonista de “São Bernardo” (1934), seu segundo romance. A figura do fazendeiro agressivo e inescrupuloso, diz Graciliano, condensa a pesquisa que fez, ainda nos anos 1920, para um conto sobre um criminoso, “resumo de certos proprietários rijos existentes no Nordeste”, que não chegou a publicar, insatisfeito com o “diálogo chinfrim” e a “sintaxe disciplinada”. Além disso, colaboraram para a composição “a carranca e fragmentos de velhas narrações” de seu pai e “a língua, as imagens rurais” dos irmãos e cunhados, conta.

Entre os textos de “Garranchos”, cinco jamais haviam sido publicados: o conto “O ladrão” e os ensaios “A literatura de 30”, “Jorge Amado”, “O negro no Brasil” e “Revolução Russa”. Escrito pouco depois do lançamento de “São Bernardo”, “A literatura de 30” se alinha a uma série de exercícios críticos em que Graciliano, já um autor respeitado, comentava e defendia a produção de outros escritores nordestinos, ao mesmo tempo em que ironizava a percepção que se tinha deles no Sudeste: “O Sr. Lins do Rego faz a maior parte dos seus livros em Maceió, lugar terrível, absolutamente impróprio a esse gênero de trabalho. E a Sra. Rachel de Queiroz produziu excelentes romances numa rede”.

— Em sua atividade crítica, Graciliano defendia uma literatura que se pautava pela representação dos dramas do interior do país. Ele delineava um conflito entre a literatura do Nordeste, marcada por um realismo com inflexões políticas, e a do Sul, mais voltada para a psicologia — diz Salla, ressaltando que, em sua própria obra ficcional, Graciliano superava essa oposição, com um texto marcado ao mesmo tempo por profundidade psicológica e preocupação social.

A atuação de Graciliano no Partido Comunista, ao qual se filiou em 1945, também aparece em uma série de textos, entre os quais se destacam dois discursos na “célula Teodoro Dreiser”, formada apenas por escritores e batizada em homenagem ao autor americano socialista. Nos discursos, Graciliano rumina dúvidas sobre “como podem servir ao Partido os trabalhadores intelectuais”, dividido entre o dever de difundir as causas comunistas e a necessidade de preservar a liberdade artística.

— Publicamente, Graciliano era militante, mas nunca se furtou a fazer críticas internas aos dogmas do partido. Ele era uma um voz dissonante, questionava o dirigismo cultural — diz Salla, que prepara para 2013 um livro de entrevistas de Graciliano. — Ele tinha essa fama de arredio, mas já consegui reunir cerca de 30 entrevistas importantes.


Os impressionistas estão chegando

Depois de atrair 320 mil visitantes em São Paulo, exposição com parte da principal coleção do Museu d’Orsay 'recria' Paris no CCBB-RJ


Em um dos ambientes da exposição, há sete trabalhos de Pierre-Auguste Renoir
Foto: Daniela Dacorso / Agência O Globo
Em um dos ambientes da exposição, há sete trabalhos de Pierre-Auguste Renoir Daniela Dacorso / Agência O Globo
RIO - Lá dentro, a temperatura não pode ultrapassar os 22°C. Lá dentro, mais de dez desumidificadores trabalham dia e noite para reduzir a umidade do ar. Lá dentro, fala-se francês, vê-se Renoir, Monet, Gauguin e Cézanne. Lá dentro é (ou deveria ser) Paris.
Há uma semana, dez franceses tentam “domar” o clima carioca e converter pelo menos sete salas do Centro Cultural Banco do Brasil numa espécie de sucursal do Museu d’Orsay. O esforço terá de durar de segunda, às 19h, quando o CCBB inaugura para convidados a mostra “Impressionismo: Paris e a modernidade”, até 13 de janeiro — quando, do lado de fora, os termômetros não devem deixar por menos de 40°C.
Com 85 telas da coleção do D’Orsay, a mostra que se propõe a recriar Paris no CCBB do Rio chega à cidade com objetivos numéricos também ambiciosos: é a aposta (de R$ 11 milhões, diga-se) do centro cultural para superar seu recorde de público, registrado em 2011, na exposição do holandês M.C. Escher que, com 9.677 visitantes por dia, foi apontada pela “ArtNewspaper”, publicação especializada no mercado de arte, como a mais visitada do mundo em 2011. E o prognóstico atual soa favorável: em São Paulo, onde esteve de agosto ao início deste mês, “Impressionismo” arrebanhou 320 mil visitantes ao todo, ou 5.552 pessoas por dia.
É a primeira vez que o D’Orsay envia ao Brasil parte de sua principal coleção, a de impressionistas e pós-impressionistas. Embora o orçamento seja divulgado (os R$ 11 milhões erguidos por um pool entre a seguradora Mapfre, Cielo, Banco do Brasil e seus fundos, via Lei Rounet), nada se diz sobre as cifras do seguro para proteger as joias. Sabe-se, porém, que as 85 telas não viajam no mesmo avião. São distribuídas em seis aeronaves, como herdeiros de uma família milionária. O CCBB anuncia a mostra como o maior projeto de sua história.
Cada sala é monitorada por pelo menos duas câmeras de segurança. Para cada funcionário que toca numa tela, um conservador do museu é acionado para verificar, com lupa e lanterna, se houve danos. A iluminação é calculada de acordo com as dimensões de cada pintura — a luz tem intensidade definida pelos restauradores do D’Orsay para minimizar efeitos sobre as pinceladas. O ambiente, assim, é quase escuro, intimista. As salas, de paredes pintadas com as cores do museu parisiense (azul, vermelho e verde), devem receber apenas 50 visitantes por vez — e nada de foto. Para suprir o desejo de registro, o CCBB instalou grandes painéis na entrada com reproduções das salas do D’Orsay.
— O público vai se sentir em Paris! Isso não é incrível? — diz em entrevista ao GLOBO o diretor do museu, Guy Cogeval. — Estou encantado com esse edifício (do CCBB carioca), que é maior que o de São Paulo e está cercado de tantas construções históricas, de algo barroco, como a ópera (ele se refere ao Teatro Municipal, na Cinelândia). É mesmo como estar em Paris.
Do lado de fora da Paris carioca, o pipoqueiro em frente ao CCBB segue com as versões doce e salgada a partir de R$ 2, um grupo de moradores de rua observa o trânsito e dois ônibus interrompem a faixa de pedestres. Mas lá dentro, na Paris de até 22°C, é preciso usar casaco e pode-se comer um pain au chocolat por R$ 5 com um capuccino médio de R$ 6,40. Lá dentro, a curadora do D’Orsay, Caroline Mathieu, repete que “vocês (os brasileiros) poderão admirar sete Renoir de uma só vez!”.

domingo, 21 de outubro de 2012

Tradução de um poema de Stéphane Mallarmé (1842-1898)

Primavera

Enfermiça, tristemente, a primavera expulsou
O inverno, estação da arte serena, o inverno lúcido.
E o meu ser, a quem o sangue preside abatido,
A impotência, num longo bocejo, se espreguiçou.

Sob o meu crânio se amornam alvos crepúsculos
Que em círculo de ferro encerra um túmulo velho.
Triste, perambulando, após um sonho, vago e belo
Pelos campos onde a seiva imensa se adorna.

Depois, abatido, caio de perfumes d’árvores, cansado,
E, um obstáculo cavando da minha face a meu sonho,
Mordo a terra quente na qual crescem lilases.

Afundando-me, espero que meu tédio cresça
- Entretanto, ri o Azul sobre a sebe e o despertar
De tantos pássaros, ao sol gorjeando em flor.


                       (Trad. de Cunha e Silva Filho)
 

sábado, 20 de outubro de 2012

O AMAZONENSE MARCELO GOMES EM SYMPHONY 9

Shostakovich: Symphony No.9 (BRSO, Solti) 1/3 ASSISTA NO YOU TUBE


During the course of "Symphony #9," the new ballet by Alexei Ratmansky, the ballerina Polina Semionova returns to the stage and to her partner, Marcelo Gomes, seated alone.

 (MARCELO GOMES É AMAZONENSE)

 Instead of rousing him or dancing, her first action is to place her hand tenderly over his mouth, as if to stop the words he is ready to utter. This largely ebullient and pure-dance work, whose premiere was given by American Ballet Theater on Thursday night at City Center, is studded with such private incidents, indicating a secret, darker drama we can only guess at.


Andrea Mohin/The New York Times
From left, Joseph Phillips, Eric Tamm and Arron Scott with fellow members of American Ballet Theater in "Symphony #9," choreographed to music by Dmitri Shostakovich.
The ninth symphony that Mr. Ratmansky has choreographed here is by Dmitri Shostakovich. Its premiere occurred in 1945, and the composer — an artist of secrets, codes and double messages — seems to have been addressing the largely positive mood brought on by the close of World War II. Because the end of Hitler did not mean the end of Stalin, and because some of the eventual Russian gains were to prove as appalling as the incalculable losses, postwar relief was laced with tension.
Mainly, like its music, "Symphony #9" is bright in energy. To watch it the first time is to keep finding surprises. Its dance language, its unfolding structure and its moods are dynamic, as if the terrain about it were continually shifting, like a kaleidoscope. Whereas previous Russian-themed works by Mr. Ratmansky have suggested a single imaginary world, "Symphony #9" has no such sense of fixed place. History strangely whirls through and around it.
At first the choreographic structure recalls George Balanchine's "Stravinsky Violin Concerto," with soloists chasing around (first Craig Salstein, then Simone Messmer), each accompanied by four lively supporting dancers. Meanwhile the dance language blends Balanchine (steps off balance, and foot-circling gargouillade jumps for the women) with Frederick Ashton (brisk hops on point and vividly pliant upper bodies). Mr. Salstein's role is unstoppably Puckish; Ms. Messmer is ardently playful. Often we see bodies leaning two ways at once — the lower body is forward, while the torso plunges back — but this self-contradictory mood is jubilant, unconflicted.
A second-movement pas de deux for Ms. Semionova and Mr. Gomes brings calm; the tone is trusting, loving, quietly lyrical. They too are joined, though later, by four men and four women.But when Herman Cornejo arrives, the ballet's structure veers in other directions. His role keeps it perpetually unresolved until the final curtain.
What contribution does this late arrival make? Mr. Cornejo here is part of the same world, and yet he has no retinue and partner. He is maybe the genius of the place, the force of history. The impetus and fervor of Mr. Cornejo's dancing are superb, and his personal beauty has never been better displayed. In the third movement he pounces gloriously, only then to hover on one leg in a luminously sculptural attitude. The ballet ends with him alone, spinning like a tornado. This marvelous artist, rightly, has the final bow.
On further viewings it will be fascinating to analyze how the changes of thread in Shostakovich's score have prompted aspects of Mr. Cornejo's impersonal but thrilling role. Shostakovich's third, fourth and fifth movements run together; their moods, both onstage and in the score, include the symphony's most ominous as well as the most vivacious parts. Mr. Cornejo personifies their force. But the others, especially Mr. Gomes, carry the ballet's more human and mortal feelings.
At the end of the second movement, accompanied by a solo piccolo, Ms. Semionova and Mr. Gomes lie down, as if to sleep, and yet the timing is amusing. They descend to the floor in abrupt sections, bit by bit. And no sooner do they lie there than Mr. Gomes raises a finger: he's signaling, "Wait." In the third movement Mr. Gomes waits on the floor at the back of the stage, then slowly rises. It seems to take ages for his torso and eventually his head to become upright; he is apparently coping with an immense internal burden. Like Ms. Semionova's early "hush" gesture, these dramatic images haunt the ballet without ever being explained.
In Jennifer Tipton's lighting the backdrop changes from dark to bright and back again. Keso Dekker's patterned costumes are predominantly black and white.
There will be much more to say of this ballet, which returns to New York as part of Mr. Ratmansky's all-Shostakovich, all-symphonic trilogy during American Ballet Theater's spring season at the Metropolitan Opera House. This will be an unprecedented choreographic undertaking, which Mr. Ratmansky considers as a single work.
The configurations for the corps de ballet are full of individualizing strokes as well as remarkable numerical and geometric shifts. Here we see three of them, here six, here seven. At one point we see a Semionova-Gomes scene through a passing colonnade of women slowly walking across the front of the stage. The texture of the movement is often colored by rich transitions; you feel dancers stretching their way from A to B.
After this first viewing my applause is tempered by three reservations. Though Mr. Salstein dances admirably, his need to communicate with knowing facial expressions — in a role that starts the work — misleads the audience into thinking that he holds the key to the ballet.
Ms. Semionova, though glowingly lovely, seems to dance only with Mr. Gomes's assistance, whereas he, gorgeously, often slips in sumptuous steps in between partnering in their pas de deux.
And there are too many instances of women carried with snug fondness across their men's chests, joining their arms around their partners' necks. On Thursday this fond neck hanging was all too reminiscent of the evening's previous ballet, Antony Tudor's "Leaves Are Fading," which, a friend remarked, may be the most boring (but by no means the worst) ballet ever made by a great choreographer. The program ended with "Rodeo."
Ballet Theater's season, crammed with repertory and cast changes, ends on Saturday. I look forward to reporting on it further.
The Ballet Theater season ends on Saturday at City Center, 131 West 55th Street, Manhattan; (212) 362-6000, abt.org.