sexta-feira, 27 de outubro de 2017

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

"COELHO NETTO E SUA OBRA" DE PÉRICLES MORAES

No Brasil, a fecundidade literária do sr. Coelho Neto é um exemplo isolado. Pode-se dizer que nas nossas letras, desde que a nossa literatura deixa de ser uma ficção para tomar forma e se revelar, não se conhece outro escritor dotado de maior ou de igual disciplina de trabalho. Prosador nato, dos melhores de nossa língua, a sua obra aperfeiçoa-se de dia para dia, ramifica-se, irradia-se, exerce influências, determina uma época literária; e muito embora a crítica de hoje, desconfiada e bisonha, faça restrições ao seu valor intrínseco, não há como recusar-lhe a primazia com as de maior nomeada. Não afirmaremos que o escritor tivesse tido sempre as palmas da vitória em todas as experiências que o diletantismo de seu espírito praticou. Mas, se como poeta o sr. Coelho Neto foi apenas um delicado amador, se não há notícia de suas incursões na tragédia, é soberano o seu principado no conto e no romance, que os concebeu e realizou com a mesma inexcedível perfeição dos mais eminentes mestres universais. É certo que a sua obra nem sempre foi meditada e sentida nos silêncios inspirativos do gabinete, o espírito calmo, o homem desobrigado da vida nos travores de suas exigências materiais cotidianas. Alguns dos volumes de sua bibliografia se ressentem da precipitação com que foram planejados e compostos, o escritor operando o milagre de viver das letras, sob a pressão de um ambiente refratário e hostil a quaisquer manifestações da inteligência. Ainda assim do tumulto desses conflitos desiguais, traído pela inveja, sitiado pela indiferença, emparedado entre as muralhas dos obstáculos crescentes da vida, quantas maravilhosas obras-primas. Obra-prima o “Tubilhão”, escrito assim, na azáfama do jornal, para o cumprimento da tarefa diária; obras-primas o surto flaubertiano do “Rei Fantasma” e, ainda, essa linda fantasia oriental do “Rajah de Pendjah”, ambas realizadas da mesma forma, para o folhetim cotidiano, e que revelam de pronto o escritor, a sua visão simultânea de colorista e de imaginativo através do frêmito alucinado que lhe convulsiona as ideias. Já houve, aliás, quem atribuísse a vitalidade das obras-primas, estudando-lhes a gênese, ao impulso instantâneo do pensamento, à transição epilética que age e hipnotiza o criador no instante da criação. Apenas Flaubert, excepcionalmente, transgrediria a regra. Porque Saint Victor viveu assim as páginas todas do “Hommes et Dieux”; Paul Adam escrevia na redação do vespertino em que colaborava os capítulos da “Critique des Moeurs”; Anatole somente começava a compor as páginas de crítica da “Vie Littéraire”, reunidas depois nos quatro volumes célebres, quando o chasseur do jornal lhe vinha buscar os autógrafos; e Sainte-Beuve fazia precipitadamente, ainda sob a impressão de sua última leitura, cada um dos notáveis estudos das “Causeries du Lundi”. Quem leu a correspondência de Barbey d”Aurevilly dirigida a Léon Bloy, sem nenhuma notoriedade naquele tempo, humilde revisor de provas do impiedoso demolidor, avalia a desordem dos processos de composição do autor das “Diaboliques”, sobretudo quando dinamitava os seus contemporâneos. Faz-se mister acentuar, em proveito do escritor patrício, a diversidade flagrante de concepção do que diz respeito às suas ideias.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

"COELHO NETTO E SUA OBRA" DE PÉRICLES MORAES - em e-book

"COELHO NETTO E SUA OBRA" DE PÉRICLES MORAES - em e-book - O MAIOR LIVRO DA LITERATURA AMAZONENSE DE TODOS OS TEMPOS, COM PREFÁCIO DE ROGEL SAMUEL... LEIA EM http://concultura.manaus.am.gov.br/…/Coelho-Neto-e-sua-obra…

domingo, 22 de outubro de 2017

O BULLYING NÃO É COISA NOVA

O BULLYING NÃO É COISA NOVA

ROGEL SAMUEL


Há anos já existia. Eu assisti bullying muitas vezes. A diferença, hoje, está redes sociais. Florestan Fernandes conta como sofreu por ser filho de mãe solteira, na Universidade. Os mais sofredores são os alunos negros, gays e trans. Um dia eu tinha nas mãos um velho cartão-postal. E uma edição deLa vida es sueño. Era uma velha loja no centro velho da cidade, uma loja de coisas usadas, talvez um bazar beneficente. Estava cheia de trastes cobertos de uma poeira decadente. Quando entrei fui logo atraído pela pilha de livros a um canto, onde descobri o livro de Calderón. Depois descobri uma caixa de sapato cheia de velhas fotografias. O cartão postal. Era uma foto velha, mas muito nítida, meio sépia, da minha cidade natal. A rua era aquela. Pude reconhecer cada pedra, cada porta, cada janela. Sabia mesmo quem habitava ali. Na grande casa da esquina morava o meu amigo de infância X. Quando sua mãe estava grávida, uma vidente lhe disse: ia ser menina. A família preparou um enxoval de menina. Nasceu menino. Quando tinha sete anos de idade, disse para a mãe: queria ser bailarino. A mãe se persignou. Nada disse para o marido, que era violento. Quando tinha doze anos entrou para aquela escola, onde o conheci. Como era muito louro, belo, alto e feminino, na escola só encontrou inimigos. Ninguém se aproximava. Na rua os moleques freqüentemente tentavam agredi-lo. Ele chorava. Quando passavam pela frente de sua casa, gritavam palavrões, faziam gestos indecentes e jogavam pedras. Por isso quase não saía de casa. Mas se vestia muito bem. Família rica e conhecida na cidade. Usava umas blusas de seda branca, que dizem ele mesmo fazia. A mãe todos os dias ia levá-lo ao colégio. A mãe era amiga de nossa família. Mas nossas mães nos proibiam de falar com ele. Ele só se aproximava de algumas meninas, no recreio. Mas era um bom aluno e excelente desenhista. Quando tinha cerca de quinze anos, o pai o surpreendeu vestido com roupa da mãe, todo pintado. Espancou-o tão violentamente que ele ficou vários dias sem poder ir à escola, com hematomas no rosto. Logo no fim do ano eu me mudei para o Rio de Janeiro e o perdi de vista. Soube que o pai o expulsara de casa. Foi morar com umas tias, no Rio. As tias o rejeitavam, mas o pai era rico e pagava bem. Quando o pai soube que ele dormia fora suspendeu o pagamento. Sem pagamento, as tias o expulsaram. Contam que ele vivia nas ruas, onde se prostituía. Depois trabalhou como cabeleireiro e manicuro. Aquela loja estava cheia de trastes velhos, cobertos de uma poeira decadente. Quando fui pagar, a velha que me atendeu falou, com  estranha voz: “Eu nasci aí, nesta cidade”. Era ele, o meu amigo X. Não me reconheceu. Aquela mulher tinha os dentes estragados, o ralo cabelo branco mal pintado, amarrado para atrás. Era um ser em ruína. Eu nada disse, paguei e saí da loja, sobraçando o livro de Calderón,   La vida es sueño

HEIDEGGER

HEIDEGGER

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A QUESTÃO FUNDAMENTAL DA METAFÍSICA 

Trad. Emmanuel Carneiro Leão

Por que há simplesmente o ente (1) e não antes o Nada? Eis a questão. Certamente não se trata de uma questão qualquer. “Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?” - essa é evidentemente a primeira de todas as questões. A primeira, sem dúvida, não na ordem da seqüência cronológica das questões. Em sua caminhada histórica através do tempo o homem e os povos investigam muito. Pesquisam e procuram e examinam muitas coisas antes de se depararem com a questão, “Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?” Muitos nunca a encontram, não no sentido de a lerem e ouvirem formulada, mas no sentido de investigarem a questão, i.e, de a levantarem, de a colocarem, de se porem no estado da questão. 
E não obstante todos são atingidos uma vez ou outra, talvez mesmo de quando em vez, por sua fôrça secreta, sem saberem ao certo, o que lhes acontece. Assim num grande desespero, quando todo peso parece desaparecer das coisas e se obscurece todo sentido, surge a questão. Talvez apenas insinuada, como uma badalada surda, que ecoa na existência (2) e aos poucos de novo se esboroa. Assim num júbilo da alma, quando as coisas se transfiguram e nos parecem rodear pela primeira vez, como se antes nos fosse possível perceber-lhes a ausência do que a presença e essência. Assim numa monotonia, quando igualmente distamos de júbilo e desespero e a banalidade do ente estende um vazio, onde se nos afigura indiferente, se há o ente ou se não há, o que faz ecoar de forma especial a questão: Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada? 
Em todo caso, quer seja mesmo investigada ou quer, ignorada como questão, perpasse pela existência como um hálito tênue, quer nos pressione mais duramente ou quer se veja preterida e recalcada por qualquer pretexto, de fato nunca é a questão que na ordem cronológica investigamos por primeiro. 
Mas é a primeira questão em outro sentido - a saber quanto à dignidade. O que se explica de três modos. A questão, “por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?”, se constitui para nós na primeira em dignidade antes de tudo por ser a mais vasta, depois por ser a mais profunda e afinal por ser a mais originária das questões. 
A questão cobre o máximo de envergadura. Não se detém em nenhum ente de qualquer espécie. Abrange todo ente, i. e, não só o ente atual no sentido mais amplo, como também o ente, que já foi e o que ainda será. O arco da questão encontra seus limites apenas no que absolutamente nunca pode ser, no Nada. Tudo, que não for nada, cai sob seu alcance, no fim até mesmo o próprio Nada. Não certamente por ser alguma coisa, um ente, de vez que dele falamos, mas por “ser” o Nada. É tão vasto o âmbito da questão, que nunca o poderemos ultrapassar. Não investigamos esse ou aquele nem mesmo, percorrendo um por um, todos os entes, mas antecipadamente o ente todo, ou como dizemos, por razões a serem discutidas ainda, o ente como tal na totalidade. 
Com ser assim a mais vasta, a questão é ainda a mais profunda: “Por que há simplesmente o ente...? “ “Por que” significa, qual é o fundo? De que fundo provém o ente? Em que fundo descansa o ente? A questão não investiga isso ou aquilo no ente, o que ele é cada vez, aqui ou ali, como é constituído, pelo que pode ser modificado, para que serve etc... Ela procura o fundo do ente enquanto ente. Procurar o fundo, isso é aprofundar. O que se põe em questão, entra assim numa referência com o fundo. sendo, porém, uma questão, fica aberto, se o fundo (Grund) é um fundamento originário (Ur-grund), verdadeiramente fundante, que produz fundação; ou se ele nega qualquer fundação e é assim um abismo (Ab-grund); ou se o fundo não é nem uma nem outra coisa, mas dá simplesmente uma aparência, talvez necessária, de fundação, tornando-se destarte um simulacro de fundamento (Un-grund). Como quer que seja, procura-se decidir a questão no fundo, que dá fundamento para o ente ser, como tal, o ente que é. Essa questão do “por quê” não procura causas de igual espécie e do mesmo plano que o ente. Não se move em nenhuma fácie ou superfície. Afunda-se nas regiões profundas e vai até os últimos limites dos fundos. É avessa a toda superfície e planura, voltada para as profundezas. A mais vasta, é igualmente a mais profunda das questões profundas. 
Por ser a mais vasta e profunda das questões, é também a mais originária. O que se deve entender por isso? Ao refletirmos sobre todo o âmbito do que se põe em questão, o ente como tal no seu todo, depara-se-nos fàcilmente o seguinte: Afastamo-nos inteiramente de qualquer ente particular, enquanto este ou aquele. Intencionamos sim o ente em seu todo mas sem qualquer preferência. Apenas um dentre eles sempre de novo se insinua estranhamente: o homem, que investiga a questão. Não obstante, não está em questão nenhum ente particular. No sentido de seu raio ilimitado de ação Lodos os entes se equivalem. Um elefante numa floresta virgem da Índia é tão bem um ente, quanto um fenômeno de combustão química no planeta Marte ou qualquer coisa outra. 
Para satisfazermos, portanto, a questão, “Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?”, no sentido correto de sua investigação, devemos eliminar a preferência de qualquer ente em particular, inclusive a referência ao homem. Pois o que é esse ente! Imaginemos a terra na imensidão obscura do espaço no universo. Proporcionalmente não passa de um minúsculo grão de areia com um quilômetro de extensão, e o resto é o vácuo Em sua superfície vive rastejando em profusão um punhado entorpecido de animais pretensamente astutos, que por um instante descobriram o conhecimento (Cfr. Nietzsche, Sobre a Verdade e a Mentira no sentido extra-moral, 1873 inédito). E o que significa o espaço de tempo de uma vida humana no curso de milhões de anos? Mal uma pulsação do ponteiro de segundos, um sopro de respiração. Dentro da totalidade do ente não há razão para se privilegiar este ente, que se chama homem e ao qual pertencemos por acaso. 
Mas tão logo o ente em seu todo cai no campo de força da questão, investe-o a investigação, com a qual entra numa relação sui generis, porque única. Pois somente nela o ente em seu todo se revela como tal, se abre na direção de seu possível fundamento e assim se mantém em questão. Para ele a investigação não é um fenômeno qualquer dentro do real, como p . e. a queda dos pingos de chuva. A questão do “por quê” defronta-se por assim dizer, com o ente no seu todo. Dele como que se desliga, embora não de todo. E é justamente o que lhe confere uma distinção. Ao defrontar-se com o ente no seu todo, sem, todavia, se lhe poder escapar de todo, repercute o que na questão se investiga, sobre a própria investigação. Por que o por quê? Em que se funda a questão do por quê, que pretende pôr o ente no todo em seu próprio fundo. Será ainda esse “por que” uma questão sobre o fundo entendido, como superfície, de sorte que sempre se procura um ente para fundamento? Não é essa “primeira” questão a primeira em dignidade, considerada segundo o valor intrínseco da questão do Ser (3) e suas modalidades. 
Sem dúvida alguma — quer se ponha a questão, “Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?”, quer não, em nada se altera o ente em si mesmo. Também sem ela os planetas continuam a percorrer as suas órbitas. Também sem ela o elã da vida continua a pulsar através dos animais e das plantas. 
Se, porem, for posta de maneira devida, dar-se-á necessariamente uma repercussão, do que se investiga, sobre a própria investigação. Por isso não se investiga, sobre a própria investigação. Por isso não se trata de um fenômeno qualquer mas de um evento especial, que chamamos um acontecimento. 
Como todas as demais questões nela diretamente radica das, nas quais se desenvolve, a questão do “por quê” é irredutível a qualquer outra. Impele ã procura de seu próprio por quê. A primeira vista e considerada de um ponto externo, a questão “por que o por quê? assemelha-se a uma repetição jocosa, que se poderia repetir até ao infinito, da mesma partícula interrogativa. Parece mesmo uma especulação vazia e desvairada sobre significações verbais sem conteúdo. Certamente assim o parece. Trata-se apenas de saber, se nos deixaremos enganar por essa aparência demasiado fácil, dando logo tudo por resolvido, ou se ainda seremos capazes de experimentar na repercussão da questão do “por quê” sobre si mesma um acontecimento provocante. 
No caso, porém, de não sermos vitimas de uma ilusão de ótica, havemos de ver, que a questão do “por quê” na qualidade de questão sobre o ente como tal no seu todo, nada tem a ver com qualquer jogo de palavras. Suposto, ainda possuirmos tanta fôrça de espírito para realizarmos verdadeiramente a repercussão sobre seu próprio por quê. Pois tal repercussão não se fará certamente por si mesma. Então faremos a experiência de fundar-se essa questão eminente num salto. No salto, em que se deixa para trás (4) toda e qualquer segurança da existência seja verdadeira ou presumida. Sua investigação ou se concretiza no salto e como salto ou não se realiza nunca. O que significa aqui “salto”, esclarecer-se-á mais adiante. A questão não é o salto. Nele se deve transformar. Ela ainda se acha inocentemente ‘defronte do ente. Por ora basta saber, que o salto dá origem (er-springt) ao próprio fundamento da investigação. Saltando, ela origina para si o fundo, em que se funda. Um tal salto, que origina para si seu próprio fundamento, denominamos, de acordo com a significação verdadeira da palavra, um salto originário. (5) Ora, uma vez que a questão, “por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?” dá origem ao fundamento de toda questão verdadeira e lhe é, nesse sentido, originária, deve-se reconhecê-la, como a mais originária das questões. 
Assim, com o ser a mais vasta e profunda questão, é também a mais originária e vice-versa. 
[Introdução à metafísica. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1969.]

Finlândia

Solveig von Schoultz, 1907-1996, Finlândia




O Coração
Solveig von Schoultz, 1907-1996, Finlândia

Demos-lhe sementes; não muitas,
mas quanto bastasse para não se cansar;
água lhe demos, apenas um dedal,
para a fonte lhe recordar.
Abrimos tão pouco a porta,
para que os céus lhe batessem no olhar
e à gaiola um pequeno espelho prendemos
para de frente a nuvem poder contemplar.
Quieta se sentava, com as asas palpitantes.
Assim ela cantava.
[ trad. josé agostinho baptista ]

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Amar e prazer

Amar e prazer





Amar e prazer

Rogel Samuel


A noite é feita para o amor, diz o poeta. No Brasil, com essas praias, com esse sol, a noite é para dormir.

Nosso amor é diurno. Ainda nos amamos? Amar é um dom precioso. Só quem sabe o amor sabe ser feliz.
Geralmente queremos ser amados, não amar.
Amar é tão mais importante que ser amado, pois nos tira de nossa solidão solipsista.

Amar não é vantajoso, pois é doação. O amor não, tira. O amor dá.

O amor que é doação
não conhece a lua sombria.

Só dando espaço ao ser amado
o teremos sempre de volta.

O poema de Byron:



Não mais prazer nos daremos



Não mais prazer nos daremos

até a noite acabar,

se bem que inda nos amemos

e como antes brilhe o luar.

A espada à bainha gasta,

as almas cansam o seio.

Coração que não se afasta

pode até ficar em meio.

Para o amor a noite é feita,

e depressa chega o dia.

Mas o prazer nos enjeita

à luz da lua sombria.



(BYRON, trad. Jorge de Sena) 

QUINZE: A LIVRARIA.


QUINZE: A LIVRARIA.


AQUELE era um cômodo sem janela, debaixo da escada, e ali dentro sentia-se muito calor, umidade e mofo.

Para Ribamar, um luxo. Naquele quarto, durante uma década, vivera a finada Benedita, velha empregada de Juca das Neves, muito asseada. Mas na parede mofada a umidade alargara duas manchas pardas. Ribamar armou a rede, deitou-se. Poderia sair sem ser visto pelas pessoas da casa, pelo corredor lateral. No primeiro andar, o piano de Melina tocava uma mazurca de Chopin. Juca das Neves já se tinha recolhido. Naquele dia, Ribamar conhecera o Hotel Cassina, em decadência, a se transformar no Cabaré Chinelo. Conhecera o Alcazar, a Livraria Royal, na Rua Municipal, 85, expostas as novidades de Garcia Redondo, de João Grave, de Júlio Brandão e Bento Carqueja - autores da moda. Ali havia um livro de Carmen Dolores, outro de Haeckel. Eram panegíricos e leitura recreativa. A “Biblioteca para o Povo”, a “Biblioteca Racionalista”. Os Serões da Aldeia, de João de Lemos. Um livro se intitulava De cara alegre, de Alfredo de Mesquita e tinha sido um best-seller. Custava $50. Juca das Neves tinha parte da biblioteca de Pierre Bataillon em casa. Melina não tocava mal. Ribamar recordava-se de Pierre Bataillon tocando Schubert. Alvarengas rebocavam pélas de borracha. Ribamar passara pela porta do London Bank. As alvarengas suaves entravam na porta do Banco. Ivete, quando era servente, vivia quase nua. Ribamar estranhou encontrá-la, agora, grande dama, casada com Antônio Ferreira.



quarta-feira, 4 de outubro de 2017

NOVA REIMPRESSÃO DA SEXTA EDIÇÃO

NOVA REIMPRESSÃO DA SEXTA EDIÇÃO


Estranho grande poema - Rogel Samuel

Estranho grande poema - Rogel Samuel


Estranho grande poema - Rogel Samuel
Escreveu Pedro Benjamín Palacios, conhecido como "Almafuerte", um estranho poema, próprio para o que vivemos nós:

"Não se dê por vencido, nem, se vencido, não se sinta escravo, nem, se escravo, não fique trêmulo de medo, imagine-se como um bravo, e ataque feroz, ainda que mal ferido, com a tenacidade do prego enferrujado que velho e gasto, mas volta a prego, sem a estupidez não covarde do pavão que amaina sua plumagem ao primeiro som, continuando como Deus que nunca chora, ou Lúcifer, que nunca lê, ou como o carvalho, cuja grandeza necessita de água, e não a implora ... que morda e se vingue rolando na poeira, sua cabeça!"

No te des por vencido, ni aún vencido,
no te sientas esclavo, ni aún esclavo;
trémulo de pavor, piénsate bravo,
y acomete feroz, ya mal herido.
Ten el tesón del clavo enmohecido
que ya viejo y ruin, vuelve a ser clavo,
no la cobarde estupidez del pavo
que amaina su plumaje al primer ruido.
Procede como Dios que nunca llora;
o como Lucifer, que nunca reza;
o como el robledal, cuya grandeza
necesita del agua y no la implora...
¡Que muerda y vocifere vengadora,
ya rodando en el polvo, tu cabeza!