domingo, 28 de fevereiro de 2010

Morre José Mindlin


Morre José Mindlin, homem culto, da ABL, uma grande figura nacional.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Saiu a 5a edição









Saiu a 5a edição do nosso "Novo manual de teoria literária", Editora Vozes.

O texto é o mesmo do da 4a edição, revista e ampliada. Esperamos que este manual continue a servir a todos que à literatura se dedicam.

8532626726
NOVO MANUAL DE TEORIA LITERÁRIA - edição revisada e ampliada


Editora: Vozes
Rogel Samuel

232 páginas
Formato (largura x altura): 13.7 x 21.0 cm cm
Peso: 196 gramas
5ª edição (2010)
Assunto: Letras e literatura



Manual básico de Teoria Literária, o qual apresenta os conceitos básicos e as modernas pesquisas feitas sobre os gêneros literários. Estuda também as teoria críticas, a literatura comparada e as teorias "pós-modernas".

SUMÁRIO
Conceitos básicos da teoria literária.
Natureza do fenômeno literário.
O belo. O mito. O trágico. O fantástico.
Gêneros literários.
As teorias críticas
Século Dezenove
A dialética hegeliana
Nietzsche e a crítica dos valores
Século Dezenove no Brasil
Século XX
Formalismo russo
Estilística
New criticism
Estruturalismo
Semiologia
A hermenêutica literária
A crítica de Bachelard
A crítica psicanalítica
A crítica marxista e neo-marxista
Literatura e História.
Literatura comparada.
Best-seller, cinema e TV.
As teorias "pós-modernas".
A Modernidade.
A pós-modernidade.
Teoria da recepção.
Pós-estruturalismo.
Michel Foucault
Desconstrução.
Teoria pós-colonial.
A crítica feminista
A estética da contingência.
Poesia e filosofia da linguagem.
Interpretação e crítica.
Literatura e Internet.
A terceira margem da crítica como exemplo de leitura de texto.
Bibliografia.


O caminho é vazio












O caminho é vazio


Rogel Samuel


Diz o TAO:

"O caminho é vazio.
Embora ele possa ser usado
Nunca será preenchido".


Tenho meditado sobre isso. Sem chegar ao fim do conceito.

O caminho é vazio. De quê? Vazio de quê?

Sim ele é vazio de ego de pensamento de ciúme de raiva de desejo de dor de sujeito de objeto de criador de criado.

O vazio do caminho é luminoso. É luminosamente vazio. É claridade e vacuidade, por isso expansão do espaço.
Talvez eu nunca compreenda esse super-conceito, esse não conceito.
Usado mas não preenchido ou gasto.
O caminho não se satura de si, pois é vazio.
E o que é vazio vigora no espaço da liberdade.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Jorge Tufic avisa










Aos nobres amigos e amigas participo que a Assembléia Legislativa do Amazonas marcou a data de 09 de março próximo para me outorgar o título de Cidadão do Amazonas. Mais informações com a Sra. Izaura, através do e-mail cerimonial@aleam.gov.br. Nos veremos por lá! Jorge Tufic

A morte da matriz


A morte da matriz

Rogel Samuel

O tema central do romance de Dilson Lages Monteiro, “O morro da casa grande” (Nova Aliança, Teresina, 2009) é a demolição da Igreja Matriz de Barras.
Quem diz matriz diz mãe, marco inicio fundação. A vidas das pessoas ressurge ao redor daquela igreja, daquele Cristo de Braços Abertos no alto da edificação. Quando demolida, em 1963, seu mundo todo morre desaparece, o mundo antigo, básico, matriz.
A vida do livro depende disso, veio para isso, clama contra isso: a igreja morta.
“As casas nascem, vivem, adoecem e morrem, como as pessoas”, diz Drummond no início do livro. E a doença da igreja se manifesta, é uma rachadura na parede. “Naquele 1957, algumas rachaduras de cima abaixo levavam o povo a dizer que a igreja despencaria”.
A casa da fazenda nem é o centro da família. Seu centro simbólico é a igreja, construída pelo patriarca José Carvalho de Almeida, o bisavô que nasceu ali mesmo, em Barras, em 1770.
Tudo era ele, o Patriarca, o Cristo entre as duas torres, as dez portas laterais, as muitas janelas.
A presença da Igreja e sua significação garantia “a abundância luminosa das águas”.
Sua demolição matou o sentido de Barras.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

POEMA DA AMANTE


POEMA DA AMANTE





Adalgisa Nery





Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos,
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.
Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita dos tempos
Até a região onde os silêncios moram.
Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.
Eu te amo
Em tudo que está presente,
No olhar dos astros que te alcançam
E em tudo que ainda está ausente.
Eu te amo
Desde a criação das águas,
Desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.


(Mundos oscilantes. José Olympio, 1962, RJ )


Gosto deste poema porque ele ama o vazio, a intensidade do vazio, nos ventos, sombras e tempos, nas voltas dos medos, nas tristeza e nos caminhos dos astros, desde a criação das águas, desde a grande nebulosa até a queda do universo suave.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

LANÇAMENTO EM MANAUS









O livro excelente. Estou lendo-o. Não perca.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Annie Gerault








Annie Gerault


Rogel Samuel


(foto R. Samuel, Bournemouth, UK, 2007)


Minha amiga Annie Gerault de Paris morreu. A polícia acha que foi suicídio, mas ainda está investigando. Eu a conheci no Landre de 2000, e fiquei muitas vezes no seu apartamento.

Estou abalado. Não sei o que dizer. No mesmo dia enviei-lhe um email. Dizia:

"dear Annie

what news?

will you go to same dharma meeting?

all the best"

Mas ela já estava morta.

Recebi hoje um email de Corinne:

"Annie Gerault
Dear Rogel,

I'm so sorry but I come to you with a very bad news.
Annie died last Tuesday.
The Police think this was a suicide, but an investigation is in process, and I will let you know as soon as I know more about this.
I'm really sorry.
Do not be desperate. It's not too late to help her. We can practice.
Friendly yours,
Corinne

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Aderson Dutra







Aderson Dutra


Rogel Samuel



Eu me lembro de Aderson Dutra jovem, na varanda de nossa ex-casa, na Av Getulio Vargas, nos dias de aniversário. Rindo, como sempre contando fatos, não tinha pose de Procurador Geral de Justiça, ou de Reitor, mas de amigo. Foi lá que deu emprego a um jovem químico, assim:

- Que você está estudando, perguntou ele ao rapaz.
- Estou-me formando em engenharia química este ano, respondeu;
- Estamos precisando de químicos lá na CEM.

E o rapaz estava empregado.

Certa vez fui visitá-lo e ele me presenteou com o grande livro de Samuel Benchimol "Amazônia", que tenho até hoje.

Ele era assim. Generoso. Ele e Norma, sua esposa, instituíram uma cesta básica para minha avó, que sempre passou necessidades, e todo mês o chofer ia levar os mantimentos para ela.

Ele vivia para os outros.

Gostava de política e era um democrata. Sabendo da minha paixão pelo PT, sempre que me via perguntava, rindo:

- Como vai a Erundina? - então prefeita de São Paulo.

Ele era assim.

t.s.eliot - quarta-feira de cinzas


t.s.eliot


rogel samuel



Nesta quarta-feira me retomo a t.s.eliot, com sua voz grave, com sua substância obscura, com seu ritmo lento, não pretendo retornar, não, nem conhecer, o tempo é sempre o tempo, sim...




QUARTA-FEIRA DE CINZAS

I

Porque não mais espero retornar
Porque não espero
Porque não espero retornar
A este invejando-lhe o dom e àquele o seu projeto
Não mais me empenho no empenho de tais coisas
(Por que abriria a velha águia suas asas?)
Por que lamentaria eu, afinal,
O esvaído poder do reino trivial?

Porque não mais espero conhecer
A vacilante glória da hora positiva
Porque não penso mais
Porque sei que nada saberei
Do único poder fugaz e verdadeiro
Porque não posso beber
Lá, onde as árvores florescem e as fontes rumorejam,
Pois lá nada retorna à sua forma

Porque sei que o tempo é sempre o tempo
E que o espaço é sempre o espaço apenas
E que o real somente o é dentro de um tempo
E apenas para o espaço que o contém
Alegro-me de serem as coisas o que são
E renuncio à face abençoada
E renuncio à voz
Porque esperar não posso mais
E assim me alegro, por ter de alguma coisa edificar
De que me possa depois rejubilar

E rogo a Deus que de nós se compadeça
E rogo a Deus porque esquecer desejo
Estas coisas que comigo por demais discuto
Por demais explico
Porque não mais espero retornar
Que estas palavras afinal respondam
Por tudo o que foi feito e que refeito não será
E que a sentença por demais não pese sobre nós

Porque estas asas de voar já se esqueceram
E no ar apenas são andrajos que se arqueiam
No ar agora cabalmente exíguo e seco
Mais exíguo e mais seco que o desejo
Ensinai-nos o desvelo e o menosprezo
Ensinai-nos a estar postos em sossego.

Rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte
Rogai por nós agora e na hora de nossa morte.

II

Senhora, três leopardos brancos sob um zimbro
Ao frescor do dia repousavam, saciados
De meus braços meu coração meu fígado e do que havia
Na esfera oca do meu crânio. E disse Deus:
Viverão tais ossos? Tais ossos
Viverão? E o que pulsara outrora
Nos ossos (secos agora) disse num cicio:
~raças à bondade desta Dama
E à sua beleza, e porque ela
A meditar venera a Virgem,
É que em fulgor resplandecemos. E eu que estou aqui
dissimulado
Meus feitos ofereço ao esquecimento, e consagro meu amor
Aos herdeiros do deserto e aos frutos ressequidos.
Isto é o que preserva
Minhas vísceras a fonte de meus olhos e as partes indigestas
Que os leopardos rejeitaram. A Dama retirou-se
De branco vestida, orando, de branco vestida.
Que a brancura dos ossos resgate o esquecimento.
A vida os excluiu. Como esquecido fui
E preferi que o fosse, também quero esquecer
Assim contrito, absorto em devoção. E disse Deus:
Profetiza ao vento e ao vento apenas, pois somente
O vento escutará. E os ossos cantaram em uníssono
Com o estribilho dos grilos, sussurrando:

Senhora dos silêncios
Serena e aflita
Lacerada e indivisa
Rosa da memória
Rosa do oblívio
Exânime e instigante
Atormentada tranqüila
A única Rosa em que
Consiste agora o jardim
Onde todo amor termina
Extinto o tormento
Do amor insatisfeito
Da aflição maior ainda
Do amor já satisfeito
Fim da infinita
jornada sem termo
Conclusão de tudo
O que não finda
Fala sem palavra
E palavra sem fala
Louvemos a Mãe
Pelo Jardim
Onde todo amor termina.

Cantavam os ossos sob um zimbro, dispersos e alvadios,
Alegramo-nos de estar aqui dispersos,
Pois uns aos outros bem nenhum fazíamos,
Sob uma árvore ao frescor do ~a, com a bênção das areias,
Esquecendo uns aos outros e a nós próprios, reunidos
Na quietude do deserto. Eis a terra
Que dividireis conforme a sorte. E partilha ou comunhão
Não importam. Eis a terra. Nossa herança.

III

Na primeira volta da segunda escada
Voltei-me e vi lá embaixo
O mesmo vulto enrodilhado ao corrimão
Sob os miasmas que no fétido ar boiavam
Combatendo o demônio das escadas, oculto
Em dúbia face de esperança e desespero.

Na segunda volta da segunda escada
Deixei-os entrançados, rodopiando lá embaixo;
Nenhuma face mais na escada em trevas,
Carcomida e úmida, como a boca
Imprestável e babugenta de um ancião,
Ou a goela serrilhada de um velho tubarão.

Na primeira volta da terceira escada
Uma túmida ventana se rompia como um figo
E além do espinheiro em flor e da cena pastoril
A silhueta espadaúda de verde e azul vestida
Encantava maio com uma flauta antiga.
Doce é o cabelo em desalinho, os fios castanhos
Tangidos por um sopro sobre os lábios,
Cabelos castanhos e lilases;
Frêmito, música de flauta, pausas e passos
Do espírito a subir pela terceira escada,
Esmorecendo, esmorecendo; esforço
Para além da esperança e do desespero
Galgando a terça escala.

Senhor, eu não sou digno
Senhor, eu não sou digno

mas dizei somente uma palavra.

IV

Quem caminhou entre o violeta e o violeta
Quem caminhou por entre
Os vários renques de verdes diferentes
De azul e branco, as cores de Maria,
Falando sobre coisas triviais
Na ignorância e no saber da dor eterna
Quem se moveu por entre os outros e como eles caminhou
Quem pois revigorou as fontes e as nascentes tornou puras

Tornou fresca a rocha seca e solidez deu às areias
De azul das esporinhas, a azul cor de Maria,
Sovegna vos

Eis os anos que permeiam, arrebatando
Flautas e violinos, restituindo
Aquela que no tempo flui entre o sono e a vigília, oculta

Nas brancas dobras de luz que em torno dela se embainham.
Os novos anos se avizinham, revivendo
Através de uma faiscante nuvem de lágrimas, os anos,
resgatando
Com um verso novo antigas rimas. Redimem
O tempo, redimem
A indecifrada visão do sonho mais sublime
Enquanto ajaezados unicórnios a essa de ouro conduzem.

A irmã silenciosa em véus brancos e azuis
Por entre os teixos, atrás do deus do jardim,
Cuja flauta emudeceu, inclina a fronte e persigna-se
Mas sem dizer palavra alguma

Mas a fonte jorrou e rente ao solo o pássaro cantou
Redimem o tempo, redimem o sonho
O indício da palavra inaudita, inexpressa

Até que o vento, sacudindo o teixo,
Acorde um coro de murmúrios
E depois disto nosso exílio

V

Se a palavra perdida se perdeu, se a palavra usada se gastou
Se a palavra inaudita e inexpressa
Inexpressa e inaudita permanece, então
Inexpressa a palavra ainda perdura, o inaudito Verbo,
O Verbo sem palavra, o Verbo
Nas entranhas do mundo e ao mundo oferto;
E a luz nas trevas fulgurou
E contra o Verbo o mundo inquieto ainda arremete
Rodopiando em torno do silente Verbo.

Ó meu povo, que te fiz eu.

Onde encontrar a palavra, onde a palavra
Ressoará? Não aqui, onde o silêncio foi-lhe escasso
Não sobre o mar ou sobre as ilhas,
Ou sobre o continente, não no deserto ou na úmida planície.
Para aqueles que nas trevas caminham noite e dia
Tempo justo e justo espaço aqui não existem
Nenhum sítio abençoado para os que a face evitam
Nenhum tempo de júbilo para os que caminham
A renegar a voz em meio aos uivos do alarido

Rezará a irmã velada por aqueles
Que nas trevas caminham, que escolhem e depois te desafiam,
Dilacerados entre estação e estação, entre tempo e tempo, entre
Hora e hora, palavra e palavra, poder e poder, por aqueles
Que esperam na escuridão? Rezará a irmã velada
Pelas crianças no portão
Por aqueles que se querem imóveis e orar não podem:
Orai por aqueles que escolhem e desafiam

Ó meu povo, que te fiz eu.

Rezará a irmã velada, entre os esguios
Teixos, por aqueles que a ofendem
E sem poder arrepender-se ao pânico se rendem
E o mundo afrontam e entre as rochas negam?
No derradeiro deserto entre as últimas rochas azuis
O deserto no jardim o jardim no deserto
Da secura, cuspindo a murcha semente da maçã.

Ó meu povo.

VI

Conquanto não espere mais voltar
Conquanto não espere
Conquanto não espere voltar

Flutuando entre o lucro e o prejuízo
Neste breve trânsito em que os sonhos se entrecruzam
No crepúsculo encruzilhado de sonhos entre o nascimento e a
morte
( Abençoai-me pai) conquanto agora
Já não deseje mais tais coisas desejar
Da janela debruçada sobre a margem de granito
Brancas velas voam para o mar, voando rumo ao largo
Invioladas asas

E o perdido coração enrija e rejubila-se
No lilás perdido e nas perdidas vozes do mar
E o quebradiço espírito se anima em rebeldia
Ante a arqueada virga-áurea e a perdida maresia
Anima-se a reconquistar
O grito da codorniz e o corrupio da pildra
E o olho cego então concebe
Formas vazias entre as partas de marfim
E a maresia reaviva o odor salgado das areias

Eis o tempo da tensão entre nascimento e morte
O lugar de solidão em que três sonhos se cruzam
Entre rochas azuis
Mas quando as vozes do instigado teixo emudecerem
Que outro teixo sacudido seja e possa responder.

Irmã bendita, santa mãe, espírito da fonte e do jardim,
Não permiti que entre calúnias a nós próprios enganemos
Ensinai-nos o desvelo e o menosprezo
Ensinai-nos a estar postos em sossego
Mesmo entre estas rochas,
Nossa paz em Sua vontade
E mesmo entre estas rochas
Mãe, irmã
E espírito do rio, espírito do mar,
Não permiti que separado eu seja
E que meu grito chegue a Ti.

Tradução de Ivan Junqueira, do original:
Collected Poems 1909-1962, para a
Editora Nova Fronteira em 1981.





t.s. eliot

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Um amor que deixou de sonhar-se







Um amor que deixou de sonhar-se


Rogel Samuel


O "Largo Lamento" de Pedro Salinas é uma extraordinária reflexão sobre o sonho, a natureza do sonho. Os sonhos não são apenas sonhos, desprezíveis sonhos, se sonhamos, se continuamos sonhando a realidade é um sonho, como o que corre sob as águas dos rios de nossos sonhos, porque os sonhos se disfarçam de realidade, se deixarmos de sonhar a realidade morre, e principalmente o amor que só em sonho se sustenta.

E assim traduzimos:


Não despreze os sonhos por serem apenas sonhos
todos os sonhos podem
ser reais, se não se acaba o sonho.
A realidade é um sonho. Se sonhamos
que a pedra é pedra, isso é a pedra.
O que corre nos rios não é a água,
é o sonhar, a água, cristalina.
A realidade disfarça
seu próprio sonho, e diz:
"Eu sou o sol, os céus, o amor".
Porém nunca se vai e nunca passa,
se fingimos crer que é mais que um sonho.
E vivemos sonhando-a.
Sonhar é o modo que a alma
tem para que nunca se lhe escape
o que escaparia se deixássemos
de sonhar que é verdade o que não existe.
Só morre
um amor que deixou de sonhar-se
feito matéria que se busca na terra.

Bilac Pinto


Creio que foi Olavo Bilac Pinto (Santa Rita do Sapucaí, 8 de fevereiro de 1908 — Brasília, 18 de abril de 1985) quem participou da banca de catedrático de Aderson Dutra.

Era um grande advogado, jurista e político brasileiro, que foi presidente da Câmara dos Deputados do Brasil em 1965 e embaixador do Brasil na França de 1966 a 1970.

Ministro do Supremo Tribunal Federal até 1978.

Outros membros da banca devem ter sido Enoch Reis e Áderson de Meneses.

Aderson de Meneses foi professor titular das Universidades do Amazonas e de Brasília.

Aderson de Meneses é o famoso autor da "Teoria geral do estado", manual usado até hoje nas Faculdades de Direito no Brasil.


Aderson Dutra foi o orador que representou a Ordem dos Advogados na homenagem a Waldemar Pedrosa, discurso publicado no Jornal do Comercio de 18.11.1955.



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Falece Áderson Dutra










Falece Áderson Dutra (27/01/1922 – 17/02/2010)

Rogel Samuel


Leio agora no Blog O FINGIDOR, de Zemaria Pinto: "Faleceu nesta manhã o acadêmico Áderson Pereira Dutra (27/01/1922 – 17/02/2010), natural de Parintins, deixando vaga a cadeira 24 da Academia Amazonense de Letras, que tem por patrono Joaquim Nabuco, a qual ocupava desde 1983.

Áderson Dutra, formado em Direito pela Universidade Federal do Amazonas, foi professor catedrático de Direito Administrativo e, entre 1970 e 1977, reitor da UFAM.

Dutra, que foi também secretário de Justiça do Amazonas, deixou vários títulos na área que era sua especialidade".


Dutra era casado com a prima de minha mãe, Norma Dutra, já falecida. Era um bom amigo. Quando Diretor da Companhia de Eletricidade de Manaus vinha muitas vezes ao Rio, onde eu, na época estudante, o encontrava.

Homem de grande cultura, tinha uma extraordinária biblioteca na sua casa, na rua 10 de julho, onde todos os fins de ano passávamos o reveillon.

Sempre de muito bom humor, gostava de fazer umas reflexões jocosas sobre as coisas mais sérias.

Era juiz e professor catedrático de direito administrativo da Faculdade de Direito do Amazonas, naqueles tempos em que aquela Faculdade, fundada em 1909, tinha os grandes catedráticos: Aderson Meneses, Plinio Coelho, Samuel Benchimol, Henoch Reis (Ministro do STJ), Jauary de Sousa Marinho, e outros.

Famoso foi o seu concurso para catedrático, em cuja banca estavam os maiores nomes da ciência jurídica do seu tempo. Foi Secretário de Estado do Amazonas.

Não será esquecido.

O desespero de perder-te um dia














O desespero de perder-te um dia

Rogel Samuel


SCHMIDT era meu viznho, em Copacabana. Eu morava na mesma rua, a Paula Freitas, na época. Outro dia me ironizaram por ser vizinho de Clovis Bornay. As pessoas têm muito preconceito contra gays. Agora nada vão dizer. Schmidt era um grande poeta, e um grande empresário. Dono de supermecado (Disco, creio). Ele relatado como um homem bom, amigo dos amigos, dono de um galo branco.

Schmidt morava num grande apartamento, quase esquina de Av. Atlântica. Nasceu no Rio e morreu jovem no mesmo Rio de Janeiro em 1906 – 1965, trabalhou na década de
1920, como balconista na Livraria Garnier, no centro do Rio, foi caixeiro viajante de fabricante de aguardente e álcool.

Em 1931 fundou a editora Schmidt, que publicou obras importantes como Caetés, de Graciliano Ramos, e Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre.

Ele era um poeta perfeito, magnífico, como se lê deste famoso:



Soneto


O desespero de perder-te um dia
Ou de vir a deixar-te neste mundo,
Habita o coração inquieto e triste
Enquanto a noite rola e o sono tarda.

Olho-te, e o teu mistério me penetra;
Sinto que estás vivendo o breve engano
Deste mundo, e que irás também, um dia,
Para onde foram essas de que vieste.

– Essas morenas e secretas musas,
Tuas avós, ciganas de olhos negros
Que te legaram tua graça triste.

Lembro que esfolharás na eterna noite
A rosa de teu corpo delicado,
E ouço a noite chorar como uma fonte.

SCHMIDT, Augusto Frederico. Antologia Poética. Seleção de Waldir Ribeiro do Val. Introdução de Bernardo Gersen. Rio de Janeiro: Leitura, 1962.


Eu já escrevi sobre a sua morte. Vou procurar e contar outra vez.


23 capítulos




Lucilene Gomes Lima


FICÇÒES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS
Estudo comparativo dos romances A selva, Beiradão e O amante das amazonas



Rogel Samuel, autor de O amante das amazonas, agrega duas características relevantes para nosso estudo sobre as obras literárias do “ciclo da borracha”. A primeira delas é a experiência que, em seu caso, não é direta, vem de reminiscências legadas pela memória de antepassados, como o avô, um alsaciano enriquecido pelos lucros da borracha amazônica, no início do século XX. A segunda característica motivadora do estudo desse romance surge do fato de o autor ser analista literário, atividade resultante de sua carreira no magistério.
Entendemos ser a atividade de analista empreendida por Rogel Samuel a promotora da diversificação de abordagem do romance O amante das amazonas. Não o nomeamos, contudo, um escritor-crítico, conforme concebe Leyla Perrone-Moisés por entendermos que o autor exerce a atividade de analista paralelamente a de escritor e por considerarmos que tanto a sua produção teórica quanto a sua produção ficcional não alcançaram a extensão e o nível de sistematização necessários à qualificação de escritor-crítico, como o estabelece o estudo de Perrone-Moisés. Uma vez que Samuel não pratica a análise do texto ficcional como corolário de sua atividade de escritor, podemos considerar o oposto: que sua atividade de professor e analista possibilitou a expressão de ficcionista, expressão essa que marcará a renovação da terceira fase ficcional do ciclo.
O amante das Amazonas realiza a brevidade que, segundo lembra o narrador de um romance de Ítalo Calvino, é necessária aos romances modernos: “[...] Hoje em dia, escrever romances longos é um contra-senso: a dimensão do tempo foi estilhaçada, não conseguimos viver nem pensar senão em fragmentos de tempo que se afastam, seguindo cada qual sua própria trajetória e logo desaparecem [...].” Dessa forma, o romance se divide em 23 capítulos curtos: Viagem, Palácio, Numas, Paxiúba, Ferreira, Júlia, Desaparece, Ratos, Frei Lothar, Perdida, Ribamar, Manaus, Conversas, O leque, A livraria, Benito, Rua das Flores, Encontro, Mistério, Noite, O pórtico, Jornal, Fim. São capítulos que, por sua vez, não estabelecem uma continuidade linear do enredo, alguns deles basicamente introduzem personagens, o que reforça a característica fragmentária da narrativa.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Carnaval carioca









Carnaval carioca


Rogel samuel





Clovis Bornay foi importantíssimo no carnaval carioca. Ele inventou o Baile de Gala do Municipal, os destaques das escolas de samba. Ele introduziu o luxo no carnaval. Foi um visionário que deu certo. Morava modestamente na rua Prado Junior. Eu morava na época na Av. N. S. Copacabana (creio que número 99), na década de 60, perto dele. E o via sempre, na praia, no fim do dia. Ele parecia um ser oriental, estranho, parecia um príncipe turco. Tinha classe, um misto de arrogância, nobreza e classe. Não era afeminado, mas sofisticado. Dizem que era pobre, vivia do salário de museólogo. Era símbolo de uma época de grandeza.

O amante das amazonas













Lucilene Gomes Lima


FICÇÒES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS
Estudo comparativo dos romances A selva, Beiradão e O amante das amazonas

(Foto de R. Samuel do navio Adamastor, constante no livro)


O amante das amazonas: o ciclo sob o olhar de um analista-autor

Rogel Samuel, autor de O amante das amazonas, agrega duas características relevantes para nosso estudo sobre as obras literárias do “ciclo da borracha”. A primeira delas é a experiência que, em seu caso, não é direta, vem de reminiscências legadas pela memória de antepassados, como o avô, um alsaciano enriquecido pelos lucros da borracha amazônica, no início do século XX. A segunda característica motivadora do estudo desse romance surge do fato de o autor ser analista literário, atividade resultante de sua carreira no magistério.
Entendemos ser a atividade de analista empreendida por Rogel Samuel a promotora da diversificação de abordagem do romance O amante das amazonas. Não o nomeamos, contudo, um escritor-crítico, conforme concebe Leyla Perrone-Moisés por entendermos que o autor exerce a atividade de analista paralelamente a de escritor e por considerarmos que tanto a sua produção teórica quanto a sua produção ficcional não alcançaram a extensão e o nível de sistematização necessários à qualificação de escritor-crítico, como o estabelece o estudo de Perrone-Moisés. Uma vez que Samuel não pratica a análise do texto ficcional como corolário de sua atividade de escritor, podemos considerar o oposto: que sua atividade de professor e analista possibilitou a expressão de ficcionista, expressão essa que marcará a renovação da terceira fase ficcional do ciclo.
O amante das Amazonas realiza a brevidade que, segundo lembra o narrador de um romance de Ítalo Calvino, é necessária aos romances modernos: “[...] Hoje em dia, escrever romances longos é um contra-senso: a dimensão do tempo foi estilhaçada, não conseguimos viver nem pensar senão em fragmentos de tempo que se afastam, seguindo cada qual sua própria trajetória e logo desaparecem [...].” Dessa forma, o romance se divide em 23 capítulos curtos: Viagem, Palácio, Numas, Paxiúba, Ferreira, Júlia, Desaparece, Ratos, Frei Lothar, Perdida, Ribamar, Manaus, Conversas, O leque, A livraria, Benito, Rua das Flores, Encontro, Mistério, Noite, O pórtico, Jornal, Fim. São capítulos que, por sua vez, não estabelecem uma continuidade linear do enredo, alguns deles basicamente introduzem personagens, o que reforça a característica fragmentária da narrativa.
Fragmentado é ainda o narrador do romance. Divide-se entre primeira e terceira pessoas. Em primeira pessoa, narra Ribamar, retirante do povoado de Patos, em Pernambuco, vindo para a Amazônia em 1897. Já a voz que narra alternando a primeira e terceira pessoas tece comentários, dialoga com o leitor, insere digressões e se assume como ser ficcional: “[...]sei, e de antemão o digo, que esta é apenas uma obra de ficção, e portanto mentirosa, dentre as várias que há na literatura amazonense, e espere o leitor e a leitora o surpreender-se como, apesar disso, o fio do destino do que vai descobrir é correto. Todos os fatos, aqui expostos, foram realidades notáveis e aconteceram realmente para a minha imaginação [...].”
As narrações em primeira e terceira pessoas, portanto, não se apresentam como instâncias independentes. Por vezes, a forma indireta da terceira pessoa se personaliza. Expressa-o o fato de que o romance se inicia com a narração em primeira pessoa da personagem Ribamar para, posteriormente, no capítulo dez, ser atribuída ao narrador em terceira pessoa, que destaca: “O Manixi naquela época agonizava, improdutivo. Fazia dois anos que o próprio Ferreira não aparecia, e a sede, depois da morte do Capitão João Beleza, ficara sob as ordens de um Ribamar (d’Aguirre) de Souza, oriundo de Patos, Pernambuco, conforme o primeiro capítulo desta minha narrativa.”






Depreendemos que a impessoalidade da terceira pessoa transforma-se em diversos momentos da narrativa em uma voz paralela à do narrador-personagem Ribamar. Essa outra voz que também fala em primeira pessoa (minha narrativa/Eu, o narrador) e se assume como narrador, concomitantemente cria uma noção de veracidade extratextual, entretanto, há aí também um artifício ficcional: “[...] do que pude conseguir de jornais da época e de cartas de familiares, o desaparecimento de Zequinha Batelão nas margens do Igarapé do Inferno se deu em janeiro de 1912. Não fosse essa uma obra de ficção e poderia citar, em notas de pé de página, as fontes de onde obtive tal informação [...]”
A abertura do segundo capítulo do romance apresenta-se como um dos momentos em que narrador-personagem e narrador analista se fundem. Essa passagem norteia a própria leitura que devemos fazer do romance, pois a ficção se auto-define:

[...] esta narrativa-paródia de romance histórico que define com boa precisão esta minha tardia confissão - vai-lhe revelar a vida tão surpreendente de Ribamar de Souza, aquele adolescente que eu era aparecido num inesperado dia de inverno da Amazônia dentro da chuva compacta de um ostinato extremamente percussivo em comandos de improvisação de uma partitura imaginária, ecológica, de acordes politonais sobre o que sentado estava num banco de madeira no alpendre do tapiri ao som do suporte de compassos 5/4 do Igarapé do Inferno, que sai no Igarapé Bom Jardim que sai no Rio Jordão, que sai no Rio Tarauacá, que sai no Rio Juruá, afluente do Rio Amazonas, o Solimões, aonde estamos retornando.

O entendimento do caráter parodístico atribuído pelo narrador ao romance requer algumas considerações sobre a especificidade desse tipo de discurso. Em seu estudo acerca da tipologia do discurso na prosa, Bakhtin argumenta que o procedimento parodístico do discurso se caracteriza não somente por uma remissão ao objeto referencial da fala, como também a um segundo contexto, um ato de fala de outro emissor, sendo por isso um discurso duplamente orientado ou de duas vozes. Bakhtin estabelece também a diferença entre a paródia e a imitação, fazendo notar que enquanto aquela cria um antagonismo em relação à voz na qual se aloja, essa torna própria a palavra do outro, fundindo-se a ela. Outra peculiaridade que deve ser considerada, segundo o autor, é que a fala parodiada é apenas subentendida. Bakhtin destaca que o campo de possibilidades do discurso parodístico é bastante amplo, pode lançar mão de um estilo enquanto estilo, de modos típicos de pensar social ou individualmente. A construção parodística pode se limitar a níveis da superfície verbal ou atingir níveis mais profundos. O uso parodístico da palavra do outro, lembra o autor, não se dá apenas no campo literário, ele ocorre sempre que há intenção de pôr um acento irônico nas palavras de um outro emissor, criando uma ambivalência em relação a essas palavras: “[...] Em nossa fala cotidiana, é extremamente comum este uso das palavras do outro, especialmente no diálogo em que, freqüentemente um interlocutor repete de modo textual a afirmação de outro interlocutor, investindo-a de outra intenção e enunciando-a a seu próprio modo: com uma expressão de dúvida, de indignação, de ironia, de zombaria, de troça ou algo semelhante.”
Sendo O amante das amazonas definido por seu narrador como uma paródia de romance histórico, é necessário chamar a atenção para o fato de que a maioria da produção ficcional sobre o ciclo pode ser considerada de enfoque histórico, haja vista essa ficção ter abordado aspectos em consonância com os dados históricos sobre o evento. Desse modo, os principais fatores que envolvem a história econômica do ciclo são retomados pelos ficcionistas. A ficção geralmente faz recortes desses fatores através de cenas que são comuns a muitas obras. O processo de transumância do nordestino, compreendendo os fatos antecedentes, como o sofrimento causado pela seca, a falta de perspectiva na terra natal até a decisão da partida, enfrentando a longa jornada do Nordeste ao Norte, atinge o cerne na ficção através da descrição da viagem. Nessa descrição, geralmente são enfocados o estado de submissão dos recrutados ao seringal, as condições do transporte onde são tratados como passageiros de terceira categoria, sem direito a dignas condições de higiene e à privacidade.
Em O amante das amazonas, as descrições do barco e da viagem recebem um novo tratamento por meio de uma construção parodística que acrescenta um tom irônico ao tradicional tom de denúncia de outras obras:

[...] Navio dentro do qual não cabia mais único engradado de porcos, alojando aquela horda que fedia podre, de suor, esterco de gado e urina – redes se entrecruzando e houve roubo, bebedeira, estupro, briga, facada e morte – um pai esfolou um macho surpreendido com sua filha num vão de esterco; outro, bêbado, mijava ali no chão enquanto escorria até onde dormiam muitos, no chão; sobre um garajau de galinhas um homem sacou de si e se aliviou sob a luz de um candeeiro amarelo cheio de moscas. Era um soldado.
Passamos do Farol de Acaraú ainda dentro daquele porão e paramos em Amarração para largar um cadáver, o preso e dois passageiros cobertos de varíola. Mas não tocamos em Tutóia, aportando em São Luís onde o Alfredo foi dentro d’água cercado por botes, catraias e se transformou em gigantesca fera [sic] flutuante, lá subindo todos para bordo os vendedores de camarão frito, doces e frutas. Pois não foi uma viagem maravilhosa? [...]

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O mundo todo está aqui















O mundo todo está aqui

Rogel Samuel

(Gravura Heloisa Pires Ferreira)


Dizem os mestres budistas: Liberte-se do passado: observe a respiração.

Nada mais preciso do que isto, a respiração.

É um exercício simples. Mas extraordinário.

O mundo todo está aqui, no momento presente.

Nunca somos psicologicamente infelizes no exato presente. É sempre o passado, ou o medo do futuro.

Liberte-se do passado: observe a respiração, significa voltarmos ao presente, à realidade presente.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

carnaval
















carnaval

rogel samuel

no seu calor
eu que rebolar
a minha dor

na sua voz
eu que entoar
o amor

não sinto tanto
o vazio do meu
pranto

leve retrato

o meu carnaval
é no seu prato

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Feliz ou infeliz?


Feliz ou infeliz?


Rogel Samuel



Várias consequências são capazes de se ter no que diz o mestre tibetano:

"Observa o mundo de outro modo. Muda o teu olhar sobre as coisas", Dugpa Rinpochê

escreveu.

Da infelicidade à felicidade se muda como se vira uma página.

Tudo depende de uma interpretação.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O mundo é uma interpretação















O mundo é uma interpretação



Rogel Samuel



"Observa o mundo de outro modo. Muda o teu olhar sobre as coisas", disse Dugpa Rinpochê.

Qual outro modo de ver o mundo? Ele nada diz. Mas sugere.

Sim. Sugere que o mundo é tal como o vemos. Ou seja, o mundo pode mudar se mudamos a maneira de vê-lo. Mudo o olhar, mudo o mundo. O mundo não é, então, algo fixo, um ser-aí final.

O mundo é uma interpretação.

Diário


Diário


Rogel Samuel


Calor em Minas. A piscina da pousada está suja, ninguém para limpar. Não é o calor carioca, não. Um ventilador basta. O dia está lindo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Miritiba de Humberto de Campos













Miritiba de Humberto de Campos


Rogel Samuel



Humberto de Campos nasceu em Miritiba, hoje Humberto de Campos, Estado do Maranhão em 1886 e morreu em 1934 no Rio de Janeiro. Foi um escritor de sucesso. Começou do nada, como tipógrafo, escriturário, redator de jornal. Chegou à Academia, na sucessão de Emilio de Meneses. Era um sucesso. Quem não leu Humberto de Campos naquela época? Diz Assis Brasil: "“Tido e elogiado como um prosador admirável, a fase poética de Humberto de Campos, no começo de sua carreira (1904-1915), quando publicou os dois volumes De Poeira, enquadra-se numa fase de transição, a que alguns chamam de neoparnasiana, mas sem uma característica definida. Certo, o homem de sensibilidade que também sabia fazer versos, como alguns de seus contemporâneos.”
(apud Antonio Miranda).

Jornalista e político. Foi autodidada. Getúlio o admirava. Escreveu mais de 30 livros. Leiamos "MIRITIBA":



É o que me lembra: uma soturna vila

olhando um rio sem vapor nem ponte;

Na água salobra, a canoada em fila...

Grandes redes ao sol, mangais defronte...



De um lado e de outro, fecha-se o horizonte...

Duas ruas somente... a água tranqüila...

Botos no prea-mar... A igreja... A fonte

E as grandes dunas claras onde o sol cintila.



Eu, com seis anos, não reflito, ou penso.

Põem-me no barco mais veleiro, e, a bordo,

Minha mãe, pela noite, agita um lenço...



Ao vir do sol, a água do mar se alteia.

Range o mastro... Depois... só me recordo

Deste doido lutar por terra alheia!




O soneto é extraordinário. Descreve a sua "soturna vila" natal, o rio, a água salobra, as canoas, as redes de pescar, os mangais. Tudo síntese do quadro. O horizonte, duas ruas, a igreja, as grandes dunas ao sol. A criança parte com a mãe, que agita um lenço, entra o barco no mar, na vida, no grande mar da vida, na terra alheia.

Diário







(Foto de hoje, "A dança dos bons desejos" do jornal The Nation, em Bangkok, Thailandia).


Diário


Rogel Samuel


Tarde quente. Mesmo o ar condicionado parece não dar conta. Eu não reclamo muito, nem do frio, nem do calor. Mas da tarde quente, bela, do Rio parecer amazônica. Das pedras das ruas, pedras quentes, dos passos largos das pessoas desconhecidas, antigas, e dos poucos amigos de que me lembro com saudade, de como tomamos sorvete e comentamos o filme, de como nos sentimos tão pertos e alegres naquela tarde quente, há muito esquecida, perdida, como tudo o que aconteceu ali foi perdido...

Eu confundo o passado com meus sonhos, como antigos filmes retidos pelas retinas, ilusões dessas tardes quentes imemoriais.

Só me resta sonhar.

TÚMULO DE FARIAS BRITO

TÚMULO DE EMILINHA

TÚMULO DE CRUZ E SOUZA

A GARÇA














A GARÇA

Rogel Samuel

O sol na linha do horizonte é uma bola de fogo.Do outro lado está a Ilha do Fundão. E a lua. Estou indo para o aeroporto. O mar estende seu manto por toda parte. Uma leve aragem vem vindo devagar. Mas o calor se anuncia. Pássaros pelo ar sujo. Quando jovens, nadávamos naquela praia, hoje vala negra. No caminho do Galeão havia uma praia que desapareceu. Diziam que ali estavam as perigosas viúvas negras. Mortais. Meu amigo pescava ali. Fomos, pelo meio do capim, até uma outra ilha, hoje desaparecida. Na Freguesia havia um cinema de espelhos. Era o mais belo cinema do Rio. Havia espelhos de cristal até no teto. Os astros. À noite:

A gentileza da lua
no espelho das águas
brilha, nua.

Quando eu cheguei ao Rio, vindo do Norte, passei por ali. Trazia esperanças no bolso, a juventude dos dezoito anos. Tinha uma carta para o Diretor Comercial da TV Rio, escrita por sua irmã e minha amiga Alice Senna. Logo ganhei um emprego na Redação da TV, onde trabalhavam vários rapazes desconhecidos, hoje famosos. Mas não fiquei muito tempo no emprego, porque o trabalho era de noite e eu tinha aula na Faculdade pela manhã. A TV ficava no Posto Seis, defronte do mais belo mar. Foi lá que vi Juscelino pela primeira vez. Alguns anos depois ele falou na nossa FNFi. Entrou sob vaia. Demorou para conseguir iniciar. Sua fala durou uma hora. Depois respondeu às perguntas, todas contra. Não perdia o sorriso, a gentileza. Foi o homem mais educado que conheci. Saiu dando autógrafo.
Naquele mesmo salão devia falar Lacerda, como paraninfo da ala da Direita que se formava. Nós o impedimos de entrar. Fechamos as portas. Lá de cima, gritávamos: "assassino!" Lacerda, impaciente, do outro lado da rua, mandou que a PM arrombasse a porta. Nós chamamos o Exército! De Jango. Foi terrível: de um lado o Exército, armado. Do outro a PM, chefiado pelo Governador Lacerda. Penso que o Golpe de 64 nasceu ali, no meio da rua, em frente ao prédio da Faculdade Nacional de Filosofia, hoje Casa de Itália. Depois, os dois comandantes se encontraram e evitaram o pior. O Exército se retirava, e a PM também se retirava, mas sob grande vaia. Lacerda, inconformado, queria briga. Pouco tempo depois aquela mesma tropa invadiu o prédio, quebrou tudo, bateu e prendeu. Ainda bem que, naquele dia, eu não estava ali. Mas perdemos a máquina datilográfica do centro de estudos, e os discos clássicos da discoteca. Até mulher grávida apanhou.
A política daquele tempo era assim. Assisti a Jânio Quadros em Manaus, na sua campanha à Presidência. Havia um palanque montado em frente à nossa casa, na Getúlio. Primeiro falou Plínio Coelho, hoje ainda vivo. Tinha a voz nasal e era um famoso orador. Depois Jânio. Os grande olhos abertos, a voz rouca. Alucinado, abria os braços com que dominava tudo. Como Hitler, batia frenético na plataforma: "O Brasil... já tem idade... de deixar de viver... da caridade internacional!" Era um delírio.
Impressionante foi ouvir o velhíssimo Sobral Pinto na abertura das "Diretas-Já!" Já estava curvado, já era muito frágil. "Silêncio!", ele disse. "Peço silêncio! Quero falar em nome do povo do Brasil!"
A branca e bela garça sobrevoa e baila, alcançando o escuro campo onde reina. Será mesmo uma garça? Ou será uma deusa tecida de estrelas? A massa de sua luz no céu subitamente se abre e desce, sobre a penumbra do Universo. E eu me esqueço. Me esqueço.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Rodrigo Petronio


"Da Paixão"


(Enviado por Amelia Pais)

Eis-me aqui: a mesa, a ordem das coisas.
Nunca a falta de amor foi mais clara.
Vem, chacal. Repasto de feras, meu coração aguarda, meu corpo se abre de leste a oeste para o teu solstício.
Aqui estou: altar negro esculpido pela delicadeza das ervas.
Um dilúvio se incumbe de varrer meus restos.

Mas tu ainda brilhas, sempre.
Copo de lírio, vermelho vivo aceso na cama, gesto a gesto:
Meu peito, tua face, o ouro, o verbo.
Acaricio grão a grão a página solar da pele.
A casa se abre, a luz, uma fresta.
E vejo-te aqui, à minha frente, ao alcance da fala: pausada, hesitante, eterna.

Nâo contemplarei as pegadas, resíduos, fotos tardias.
Sofro pela miséria não compartilhada.
Por perfeição perdi o que em mim falta e em ti sobeja:
Amor, finitude, instantes trançados em musgo, pedras desenhando pedras.

Eu: triturado pela engrenagem dos dias.
Tu: clareira nascida no momento mais triste da minha vida.
Animal ferido, maculei tua face com minha queda.
Peço perdão, o perdão das feras, culpadas e cegas.
Enquanto o flamingo atinge a glória da lua em sua extinção,

Sei das palavras, a linguagem dita no escuro.
Murmúrios tramados em nossa caverna:
A transpiração de tua flor em cada uma das minhas células.
Sei que isso ainda vive, se conserva em um quadrante do tempo.
Vazante, amor: a despedida é infinita, nunca se completa.

Ouço teus passos, a respiração, teus olhos firmes e entregues.
Não há reparação, tu sabes.
Mas mesmo assim vens pela noite, navegas meu sangue, meu sêmen, ressurreta.

Sim: abaixo de toda a baixeza, estou sujo. Pregado.
Entre bandidos, o Senhor me abandonou - ainda vivo.
Clamo ao sol: aprofunda esta ferida, esta lepra, escave-a.
Cuspa em minha face e pise minhas vértebras.
E eu possa cumprir a minha consumação, a tua felicidade.
Mãos de cinzas, a cabeça aberta.
Peço-te o perdão da estátua, pobre em sua geometria, agônica.
Morigerante e certa demais para as formas vivas da luz.

A redenção do mal reconhece o mal, um beijo em tua boca - amada, antiga, redescoberta.
Uma vez e tudo já foi dito.
Uma vez e tudo já foi foi feito.
Plenitude, amor.
Acredite: apenas isso é o que meus passos errantes sempre quiseram.
Louco, tranlúcido, nu e sem nome, abjeto - rezo.

Peço-te um dia a mais sobre a Terra.
Tua mão, teu corpo, o deserto.

Rodrigo Petronio In "Venho de um país selvagem",

Topbooks Editora,
Rio de Janeiro, 2009,

No verão


No verão

Rogel Samuel

No meio da noite, acordo. Sufocante calor. O suor escorre. Como se estivesse febril. Tomo uma ducha. Três horas, madrugada. No silêncio, meu banho na noite abre um túnel. Dormi cedo. Vim da Cinelândia, onde jantei. No restaurante, dois velhos bêbados. Cantavam árias. Cheguei em casa. Vi "O clone". Minha amiga L. ironiza, porque vejo "O clone". Gosto. Ela é intelectual. Por princípio, intelectual não vê novela de TV. Intelectual tem princípios. Gosto de "O clone", aquelas paisagens, personagens, dignos de Jorge Amado. As classes sociais, representadas. Menos favela. Os velhos bêbados silenciam, pesados de cerveja. Aparece um vendedor de meia idade. Vende caleidoscópios. Um dos velhos compra. Agora, os velhos se divertem, metem um olho no tubo. Goles de cerveja alternam com olhadelas. Atacam de Carlos Gomes: "Quando nascesti tu". Noto que são músicos. Aposentados. Gritam. O dono do restaurante sai da cozinha, furioso por cima dos óculos, mas volta. Minha amiga L. tem Ruy Barbosa na família. Mas não diz pra ninguém. Se envergonha. "Um reacionário", diz ela. Ela se ri, quando digo que gosto de ler Ruy Barbosa. Com "y". Ela, intelectual de esquerda, tradutora. Gosto de estar com ela, na mesa de bar. Conversamos. Certa vez, no Lamas, fomos até 3 horas da madrugada. Naquela noite chegou o amigo CL, que mora em São João del Rey. Especializado em Graciliano. Os velhos têm repertório. "Senza tetto, senza cuna", d' "O guarani". Outros velhos chegam para a mesa de velhos. Reunião. Juntam-se mesas. Mais cinco velhos. Um, de bengala. Sentam-se, mas logo se espantam com os colegas bêbados. Nenhum se senta perto dos ébrios. Um deles, crítico, severo, faz careta desabonadora, balanços de cabeça. Olha para os lados. Me vê. Percebe que os observo. Rápido, recolho o olhar, surpreendido e indiscreto. Os chegados não bebem, menos um, que pede uma cerveja, enche o copo e finge. A cerveja é esquecida no copo. Decorativa. Todos próximos dos oitenta anos. O de bengala se instala com um sorriso de pedra, esfíngico, fixo. O outro, moralista, critica com levantares de sobrancelhas. Penso que está para retirar-se, envergonhado, pois os bêbados cantam alto, chamam atenção mesmo dos que passam na rua Álvaro Alvin. Aparece outro vendedor. Este vende óculos. É um oriental afeminado. Um dos cantores bêbados, eufórico, experimenta os óculos escuros. Levanta-se, gesticula, no "sento una forza indomita", de Il Guarany. Para horror de todos, convida o vendedor afeminado para a mesa. Ele se senta, feliz. Como ninguém estava perto dele, havia a cadeira vazia. O vendedor afeminado bebe do copo do anfitrião. O outro velho bêbado dorme, queixo caído, boca aberta. "Mia piccirella", entoa a pleno pulmões, o tenor. Mas estou de saída.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

A EDUCAÇÃO PELA PEDRA


A EDUCAÇÃO PELA PEDRA



Rogel Samuel


Há muitos anos, João Cabral de Melo Neto retratou, com sua habitual precisão, a dureza de um retrato de grande parte do Brasil relegado à margem da versão que se acreditava e se impunha oficial do nosso país.

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra.
uma pedra de nascença, entranha a alma.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

NOVO LIVRO DE AZENHA







Enviado por Amelia Pais









VIII

Escreve:

No alto da manhã
prepara-se o sol
para uma chávena de chá quente.

caderno e lírios surgem mais tarde
entra,
fecha a porta.

agora precisamos de paz

Maria Azenha, de amor ardem os bosques,2010
- das clareiras dos bosques, 4ªFolha

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Han-Shan




Mesmo de dentro da sua cabana ele sai, sobe a montanha. Lá fora há luzes vermelhas das cerejas. Pássaros. Flores. Alvorada. As nuvens se banham nos tanques. Ah, muita luz! Azul, verde.



Não aguento o chilreio dos pássaros
Neste momento estou deitado na minha cabana

As cerejas são de um vermelho vivo e luminoso
Os salgueiros direitos suas flores lãzudas

A alvorada traz na boca os picos azul-verdes
As claras nuvens banham-se no tanque

Quem sabe que eu saí do mundo da poeira
E avanço subindo o flanco da Montanha Fria?


Poema atribuído a Han-Shan (séc. VII ?), editado em O vagabundo do Dharma - 25 poemas de Han-Shan, versões poéticas de Ana Hatherly, sobre tradução do chinês de Jacques Pimpaneau, Lisboa, Cavalo de Ferro Editores, 2003, p. 76.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

han shan


han shan


Han Shan- monge budista -s.VII

(ENVIADO POR AMELIA PAIS)


Gosto do caminho da vida simples
Por entre artemísias na bruma e grutas pedregosas

O meu sentir selvagem distende-se e acalma
Há muito companheiro das brancas nuvens ocioso

Não desejo o caminho do mundo
Sua paixão não me atrai

À noite sento-me sozinho num leito de pedras
A lua redonda sobe a Montanha Fria



O vagabundo do Dharma - 25 poemas de Han-Shan, trd. Ana Hatherly

%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%%

Que dizer? A lua sobe na montanha fria, num leito de pedras ele vê o infinito,
artemísias na noite, iluminação.

O monge em seu retiro não é um vagabundo, mas um mestre.

Ele refaz o caminho do Buda.

O caminho de si.

O caminho interior, de si.