O
FUNDAMENTO DOS SONHOS
Rogel
Samuel
Há um escrito filosófico de Ernst Bloch
que se chama "O Homem Como Possibilidade".
Sempre gosto dele. Tanto que o inseri no
nosso Site. E ali pode ser lido*.
Desde 1966, relei-o sempre. Sempre que entro em
depressão política.
Existe depressão política sim, para a minha geração.
Que sinto, que sofro, desde jovem.
Além disso, desde que comecei a votar, a chamada
democracia brasileira é um dispositivo para legitimar a classe dominante já
estabelecida.
E não há remédio, não há medicina, para este mal.
A minha geração é profundamente, radicalmente
política.
Mas começa afirmando Bloch a energia e o vigor dos
nossos sonhos.
Segundo ele, Lênin lastimava que o movimento
comunista havia perdido sua capacidade de sonhar.
Nós deixamos de sonhar quando nos apegamos
ferrenhamente à realidade, à casca material grosseira da matéria concreta.
O sonho não, só os sonhos admitem vôos,
transformações, esperanças vagas, utopias, sem a solidez, sem o peso da dura,
da ríspida materialidade de ferro das coisas.
A solidez das coisas é burra, é vazia, pura
aparência enganosa.
Pois o mundo não precisa ser tal como é. E nossos
problemas não precisam ter para nós o peso que têm.
Por trás daquele monstro que nós mesmos criamos para
nós mesmos, há um simples e inútil brinquedo de corda, meio quebrado.
A liberdade é possível...
Por quê?
Porque o nosso mundo não está totalmente pronto, não
é algo pronto e acabado, que não muda nunca, mas é um processo, um processo em
permanente fazer-se.
Tudo morre, mesmo os nossos problemas...
Sim, há sim espaço para a liberdade, para a
felicidade, pois os castelos que se armam contra nós são feitos só de areia,
não são de aço. E as armas dos nossos inimigos são de açúcar.
Hegel, que viveu e aprendeu no tempo da revolução
francesa, da revolução burguesa, dizia que o futuro concreto e imutável é
incerto, é "palha e vento, névoa e vapor".
Hegel "aprendeu"a dialética ao som dos
canhões em sua porta.
Quem constrói o mundo futuro somos nós mesmos, com
nossas próprias mãos.
Que necessidade estranha temos de sofrer?
Esta é a nossa contradição permanente:
Pois, se buscamos tanto a felicidade, por que
insistimos, por que procuramos no nosso "destino", naquilo mesmo que
fazemos e que chamamos de nosso destino, o processo que nos causa tanto
sofrimento?
Hegel falava da passagem do reino da necessidade
para o reino da liberdade.
Na verdade era a mediação do processo da utopia
abstrata para a ciência mediadora.
Por tudo isso existe a consciência de que aquilo que
nós chamamos de "realidade" está cercado por um mar de possibilidades
muito maior do que objetivamente pensamos. Essas possibilidades são mesmo
reais.
Diz Bloch: "Há condições que ainda não conhecemos
ou que ainda não se apresentaram".
Sim, há as utopias.
Há a Utopia.
A utopia é o lugar daquilo que ainda não existe.
Pelo fato de que ainda não existe aquilo, não quer
dizer que não existirá nunca, ou que seja impossível e irrealizável.
Há alguns anos alguém poderia pensar em televisão,
penicilina, rádio, celular etc? - estas coisas hoje banais apareciam nas
revistinhas de ficção científica das crianças.
Sim, sejamos crianças!
Talvez até certas utopias já existam, mas ainda não
estão conscientes.
A Utopia não é uma lenda política.
Diz Bloch que sua fonte, sua origem está em Platão,
Thomas Morus, Campanella, Fourier, Saint Simon, Robert Owen, etc.
"São grandiosas tentativas de se lançar no
papel uma sociedade melhor".
O sonho de uma vida melhor. Ou seja, o sonho básico
é o do paraíso perdido.
A utopia é "a arquitetura ainda não
construída".
A história, a vida humana está cheia de utopias, diz
ele, como os sonhos da medicina, da técnica, a ficção científica, a pintura, a
música, a poesia.
Parodiando Bloch:
- Ó Utopia, fica comigo amanhã, porque és tão bela e
tão necessária!