domingo, 29 de novembro de 2020

Festa democrática


 Festa democrática, festa política ROGEL SAMUEL

Há quem diga que a política é coisa suja, que todos os políticos são “sujos”. Essa expressão “ficha suja” vem daí.

Mas na Política nada é “sujo”, ela define a nossa vida, o nosso futuro. E todos nós somos “polítivos”, queiramos ou não.

A palavra “política”vem de “polis”, ou seja, “polis é a Cidade, entendida como a comunidade organizada, formada pelos cidadãos (os “politikos” ), isto é, pelos homens nascidos no solo da Cidade, livres e iguais”.

Não custa muito crer que, nas Democracias, como a brasileira, todos nós somos “livres e iguais”. Iguais na desigualdade, mas iguais para eleger o chefe supremo.

A vida na polis se dividia em:

                         1. Vida privada, que dizia respeito ao património, ao casamento, à família e expressa pela casa.

                         2. E a esfera pública, expressa pelo espaço público urbano (ou político, pois era o espaço da polis) e suas instituições.

Na vida privada não havia liberdade, pois dentro de casa todos estavam submissos ao chefe familiar.

Na vida pública, todos eram livres e “deliberavam e executavam diretrizes e regras para a cidade, constituíam-se efectivamente como instituições políticas”.

A esfera privada, a vida privada estava “privada de libertade” e não participava das discussões públicas. Diz Toynbee: “A vida familiar mantém a humanidade como serva de uma Natureza não-humana. No seio da família, o ser humano não é personalidade independente, com um espírito e uma vontade próprios — é um rebento na arvore da família, que por sua vez e um ramo da árvore evolucionária da vida, cujas raízes mergulham nos abismos do subconsciente”.

Ainda hoje, o termo “funcionário público” guarda a raiz daquele conceito de esfera pública. Tudo isso tem interesse aos conflitos políticos, em torno de problemas de interesse público (ou produção de serviços.), tais como saúde, educação, proteção ambiental, criminalidade etc.

A tradução latina do homem como animal rationale é um erro de interpretação. Para Aristóteles, o que elevava o homem não era a razão, mas o nous, isto é, a capacidade de contemplação cujo conteúdo não pode ser expresso por palavras. Todos que viviam fora da pólis eram aneu logou, destituídos não da faculdade de falar, mas de um modo de vida no qual só o discurso tinha valor e sentido, e não a compulsão, não a violência, característica dos povos bárbaros.

Hoje o mundo ocidental vive a nostalgia do antigo mundo grego. Pois na pólis, a mais hábil arma era a capacidade de discorrer uns com os outros, de argumentar com palavras e não com a ação violenta. Neste sentido vive o mundo moderno fora da pólis, num estado pré-político, em estranha regressão.

Da pólis para a sociedade opera-se uma mudança no pensamento e na ação política.

Na sociedade, o pensamento político já não é arte política, mas economia, economia social. O que chamamos sociedade passa a ser um conjunto de famílias organizadas do ponto de vista hoje burguês, num ser estrutural chamado Estado.

Para os gregos, tudo que fosse econômico não era político, mas estava relacionado à esfera do apolítico da vida privada (isto é, privada de liberdade) da família. A vida privada era o lugar doméstico, privado por definição do espaço público, onde o dialogo era franco. Não é sem razão que os textos de Platão se chamam diálogos, isto é, através do logos, do espaço público.

Na vida pública estava o espaço da liberdade dos homens livres, não da dependência, mas na interdependência. Os escravos eram considerados seres desprezíveis, não porque estivessem na condição escrava, mas porque se sujeitavam à escravidão, não preferindo a morte, o suicídio, e não tendo a necessária coragem para a vida de risco e de perigo que constituía a vida dos homens livres, onde o perigo apesar de tudo estava sempre presente: pois outro conceito grego eminente era de que a liberdade — supremo bem a atingir — não significava segurança (inferior condição de sujeição a que estavam sujeitas as crianças e as mulheres), mas perigo e aventura, característica dos heróis. E assim a literatura grega é uma longa série de batalhas e de mortes, uma ampla apologia da aventura do espaço, da não resignação do homem com qualquer restrição ao seu existir. Homero, pois, principalmente, foi o pai da ética grega.

Um herói grego é a antítese de um burguês.

Portanto, na organização da moderna sociedade burguesa reina o domínio da necessidade, não o espaço da liberdade. O homem moderno é, por definição, passivamente adaptável, resignado e satisfeito com a sociedade e com o bem-estar que esta pode proporcionar-lhe. Por isso, um ser descaracterizado.

A política da pólis não era meio de segurança social.

As sociedades que se seguiram à pólis grega representaram um conjunto de interesses, seja a sociedade feudal, seja a sociedade burguesa, seja a sociedade socialista.

A liberdade, dentro da sociedade moderna, significa não a liberdade individual, mas a liberdade social. E a força da violência, antes consideradas meros acontecimentos da esfera privada doméstica, é desempenho atual do Estado, encarregado de vigiar e punir.

O Estado possui o poder de polícia, ele detém a Polícia (a força armada da Pólis, da Política).

Toda Polícia, no fundo, é Polícia Política.

A força e a violência policial nascem, pois, da universalidade, da raiz da sobrevivência.

Para os gregos, toda forma de governo, tal como o entendemos hoje, representava um estágio totalitário, pré-político, em que predominam a submissão e a falta de espaço, formas desprezíveis de viver.

Modernamente, as sociedades são dominadas por um estagio de capitalismo avançado e assistem a uma conjunção da ciência e da técnica para a produção neutralizadora da violência, da desorganização, através da polícia dos meios de comunicação, das chamadas “democracias de massa”.

Por isso os “donos” dos meios de comunicação são tão poderosos.

Os meios de comunicação deviam estar na “esfera pública”, como um bem de todos, não no domínio da esfera privada.

É uma grande contradição essa, a de que haja donos proprietários dos meios públicos de comunição de massa, que transformam a esfera pública em privada.

A política assim deixa de ser o lugar da argumentação, do discurso; passa a ser economia-política, científica, e particular.

O complexo industrial, militar, econômico nas mãos de poucos que aparece a partir do século XII, evolui para “complexo industrial-militar” dominado pela burocracia de Estado, anulando o indivíduo, eliminando a vida pública e organizando a vida privada.

Mas o Estado, porém, hoje, é estranhamengte dominado pela vida familiar.

Um escritor americano disse que há doze famílias americanas que “nomeiam” o Presidente, que controlam os dois maiores partidos.

Operam como novos monarcas.