Um romance de Assis Brasil - Rogel Samuel
segunda-feira, 29 de novembro de 2021
UM ROMANCE DE ASSIS BRASIL, FALECIDO ONTEM
quinta-feira, 25 de novembro de 2021
A LANTERNA NO LABIRINTO
A LANTERNA NO LABIRINTO
Em “Mapa das narrativas nos romances de
Milton Hatoum”.
ROGEL SAMUEL
Em “Mapa das narrativas nos romances de Milton Hatoum
de Francisca de Lourdes Souza Louro. -- Manaus, 2021” há uma cartografia, um
passeio pelo mundo das ruas, das portas da linguagem, do som da crítica e da
imaginação, as algaravias, as falas, as cartas, as identidades.
O livro vai tecendo um tapete de significações, explicitações,
com a vantagem de que vai ficando cada vez mais interessante à medida que
avança, de forma que em vez de ser cansativo, acadêmico, árido, repetitivo para o leitor mais alarga
mais aumenta os interesses hermenêuticos, aquelas confissões, murmúrios, fofocas,
recados, sintomas, cartas, como disse alguém: “Conta logo, mas devagar...”, que
o prazer está nos cantos escuros do texto, e detalhes, n“as mocinhas do viúvo
Talib, não as filhas: as outras, que ele fisgava perto dos armazéns. Na casa
dos Reinoso era muito pior, Zana ficava sem fôlego, me pedia para contar
tudinho. Quando a confusão começava, os empregados ligavam o gerador para
abafar os guinchos dos macacos e os gritos de Abelardo Reinoso”.
“Em que consiste a
unidade de A la recherche du temps perdu?
Sabemos ao menos que ela não consiste na memória, nem tampouco na
lembrança, ainda que involuntária. O essencial da Recherche não está
na madeleine nem no calçamento. Por um lado, a Recherche, a
busca, não é simplesmente um esforço de recordação, uma exploração da memória:
a palavra deve ser tomada em sentido preciso, como na expressão "busca da
verdade". Por outro lado, o tempo perdido não é simplesmente o tempo passado;
é também o tempo que se perde, como na expressão "perder tempo". É
certo que a memória intervém como um meio da busca, mas não é o meio mais
profundo; e o tempo passado intervém como uma estrutura do tempo, mas não é a
estrutura mais profunda. Os campanários de Martinville e a pequena frase musical
de Vinteuil, que não trazem à memória nenhuma lembrança, nenhuma ressurreição
do passado, têm, para Proust, muito mais importância do que
a madeleine e o calçamento de Veneza, que dependem da memória, e, por
isso, remetem ainda a uma "explicação material". A obra de Proust é baseada não na exposição da memória,
mas no aprendizado dos signos. (Deleuse: “Proust e os signos”).
Esse aprendizado o faz a leitura que a Lourdes Louro
faz (por exemplo) das mulheres que emergem dos romances, principalmente daquelas
invisíveis, as “escravas”, crias, prostitutas. É na teia dos igarapés, da
cidade flutuante, das falas, dos esquecidos, da algaravia. O aprendizado da
vida amazônica. Sua tristeza, seu capitalismo periférico. Como em Proust, “é baseada não na exposição da memória, mas no
aprendizado dos signos”.
Pode-se dizer que Lourdes Louro construiu um romance
fragmentado sobre os três romances do Milton através de “pistas sobre sua
produção, cartas, fotos, conversas com os mais velhos, especialmente os avós, o
pai, muitos artifícios para dar os nós nos fios que amarram o texto”.
Escreveu Hatoum:
“Decidi, então, perambular pela cidade, dialogar com
a ausência de tanto tempo, e retornar ao sobrado à hora do almoço. (p. 122)
Atravessei a ponte metálica sobre o igarapé, e penetrei nas ruelas de um bairro
desconhecido. Crescemos ouvindo histórias macabras e sórdidas daquele bairro
infanticida, povoado de seres do outro mundo, o triste hospício que abriga
monstros. Foi preciso distanciar-me de tudo e de todos para exorcizar essas
quimeras, atravessar a ponte e alcançar o espaço que nos era vedado: lodo e água
parada, paredes de madeira, tingidas com as cores do arco-íris e recortadas por
rasgos verticais...”
De acordo com Ricoeur e Gadamer, a hermenêutica vê os
textos como expressões da vida social fixadas na escrita, através de fatos
psíquicos, de encadeamentos históricos. Sua interpretação consiste, então, em
decifrar o sentido oculto no aparente, e desdobrar os diversos graus de
interpretação ali implicados. Na realidade a hermenêutica é compreensão de si,
mediante a compreensão do outro: o máximo de interpretação se dá quando o
leitor se compreende a si mesmo, interpretando o texto.
A tática da interpretação aparece sempre que há
ambigüidade, mas compreender não significa a repetição do conhecer. A
hermenêutica postula uma superação: Ela se quer uma teoria e uma arte, fazendo
da leitura uma nova criação, e dela se exige uma reflexão que leve à ação.
A hermenêutica questiona a evidência, recusando-se a
explicar completamente o fato interpretado. Uma interpretação definitiva deve
ser uma contradição em si mesma, diz Gadamer. Pois, mais importante do que
interpretar o claro conteúdo de um enunciado, é perguntar pelos interesses que
o guia.
”Vemos nas cores da grande tela amazônica, os quadros
narrativos que o autor imprime e apresenta aos leitores, como se observa nos
três romances”, diz a Lourdes Louro.
Ele conclui que “neste texto, mas por acharmos ser a
mais exata para fechar a análise pode-se constatar que estudar os três romances
nessa “perquirição” foi uma aprendizagem abalroada (em que) eu ia vislumbrando,
talvez intuitivamente, o halo do “alifebata”, até desvendar a espinha dorsal do
novo idioma: as letras lunares e solares, as sutilezas da gramática e da
fonética que luziam em cada objeto exposto nas vitrinas ou visgado na penumbra
dos quartos (RcO: p. 51) onde percebi e tive o prazer de (re)ver nas histórias
hatounianas o (re)viver da vida amazônica.”
O termo hermenêutica, num sentido mais radical, não quer
dizer arte da interpretação, mas a tentativa de determinar a própria
interpretação, a própria compreensão. E assim, a hermenêutica torna-se
interpretação da compreensão ou “círculo hermenêutico”, pois toda compreensão
apresenta uma estrutura circular: “Toda interpretação, para produzir
compreensão, deve já ter compreendido o que vai interpretar.” O mundo,
portanto, é o que se encontra no horizonte da compreensão. Nosso mundo é o que
se encontra no horizonte de nossa compreensão, mas podemos alargá-lo, mediante
a compreensão do outro, realizando então uma fusão de horizontes.
O que deve ter norteado a dra. Lourdes Louro é compreender a nossa cidade de Manaus, estabelecendo e abrindo um mapa de sentidos, um roteiro no labirinto, do entrecruzamento de vidas, de relatos, de sofrimentos, um quadro que se amplia no espaço, no tempo, na profundidade dos sentimentos – os nichos e escondidos, as gavetas – as tensões, amizades, e tudo que constitui a vida, esse mistério. As estórias daqueles personagens naquela cidade única, cercada de floresta, rios e lagos. Através dos textos do Milton procurou o valor de sua própria vida, de sua humanidade, que é o que faz a hermenêutica. Toda pergunta busca essa impossível resposta nos fragmentos das recordações (e assim o livro é fragmentado).
O livro de análise e leitura é propositalmente costurado
em temas e lemas, em fatos e motes, em fantasmas, medos, vultos, sombras, pois
em certa época (que eu conheci) não se podia andar à noite sem levar uma
lanterna.
Essa lanterna é o que busca o rumo do nosso destino.
segunda-feira, 15 de novembro de 2021
AS RAÍZES DA FLORESTA - ROGEL SAMUEL
AS RAÍZES DA FLORESTA - ROGEL SAMUEL
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sábado, 6 de novembro de 2021
OS FUNDAMENTOS DO SONHO - ROGEL SAMUEL
OS FUNDAMENTOS DO SONHO - ROGEL SAMUEL
(FOTO DE R. SAMUEL: BIARRITZ, HOTEL MARBELA)
Rogel Samuel
Há um escrito filosófico de Ernst Bloch que se chama "O Homem Como Possibilidade".
Sempre gosto dele. Tanto que o inseri no nosso Site. E ali pode ser lido*.
Desde 1966, relei-o sempre. Sempre que entro em depressão política.
Existe depressão política sim, para a minha geração.
Que sinto, que sofro, desde jovem.
Além disso, desde que comecei a votar, a chamada democracia brasileira é um dispositivo para legitimar a classe dominante já estabelecida.
E não há remédio, não há medicina, para este mal.
A minha geração é profundamente, radicalmente política.
Mas começa afirmando Bloch a energia e o vigor dos nossos sonhos.
Segundo ele, Lênin lastimava que o movimento comunista havia perdido sua capacidade de sonhar.
Nós deixamos de sonhar quando nos apegamos ferrenhamente à realidade, à casca material grosseira da matéria concreta.
O sonho não, só os sonhos admitem vôos, transformações, esperanças vagas, utopias, sem a solidez, sem o peso da dura, da ríspida materialidade de ferro das coisas.
A solidez das coisas é burra, é vazia, pura aparência enganosa.
Pois o mundo não precisa ser tal como é. E nossos problemas não precisam ter para nós o peso que têm.
Por trás daquele monstro que nós mesmos criamos para nós mesmos, há um simples e inútil brinquedo de corda, meio quebrado.
A liberdade é possível...
Por quê?
Porque o nosso mundo não está totalmente pronto, não é algo pronto e acabado, que não muda nunca, mas é um processo, um processo em permanente fazer-se.
Tudo morre, mesmo os nossos problemas...
Sim, há sim espaço para a liberdade, para a felicidade, pois os castelos que se armam contra nós são feitos só de areia, não são de aço. E as armas dos nossos inimigos são de açúcar.
Hegel, que viveu e aprendeu no tempo da revolução francesa, da revolução burguesa, dizia que o futuro concreto e imutável é incerto, é "palha e vento, névoa e vapor".
Hegel "aprendeu"a dialética ao som dos canhões em sua porta.
Quem constrói o mundo futuro somos nós mesmos, com nossas próprias mãos.
Que necessidade estranha temos de sofrer?
Esta é a nossa contradição permanente:
Pois, se buscamos tanto a felicidade, por que insistimos, por que procuramos no nosso "destino", naquilo mesmo que fazemos e que chamamos de nosso destino, o processo que nos causa tanto sofrimento?
Hegel falava da passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade.
Na verdade era a mediação do processo da utopia abstrata para a ciência mediadora.
Por tudo isso existe a consciência de que aquilo que nós chamamos de "realidade" está cercado por um mar de possibilidades muito maior do que objetivamente pensamos. Essas possibilidades são mesmo reais.
Diz Bloch: "Há condições que ainda não conhecemos ou que ainda não se apresentaram".
Sim, há as utopias.
Há a Utopia.
A utopia é o lugar daquilo que ainda não existe.
Pelo fato de que ainda não existe aquilo, não quer dizer que não existirá nunca, ou que seja impossível e irrealizável.
Há alguns anos alguém poderia pensar em televisão, penicilina, rádio, celular etc? - estas coisas hoje banais apareciam nas revistinhas de ficção científica das crianças.
Sim, sejamos crianças!
Talvez até certas utopias já existam, mas ainda não estão conscientes.
A Utopia não é uma lenda política.
Diz Bloch que sua fonte, sua origem está em Platão, Thomas Morus, Campanella, Fourier, Saint Simon, Robert Owen, etc.
"São grandiosas tentativas de se lançar no papel uma sociedade melhor".
O sonho de uma vida melhor. Ou seja, o sonho básico é o do paraíso perdido.
A utopia é "a arquitetura ainda não construída".
A história, a vida humana está cheia de utopias, diz ele, como os sonhos da medicina, da técnica, a ficção científica, a pintura, a música, a poesia.
Parodiando Bloch:
- Ó Utopia, fica comigo amanhã, porque és tão bela e tão necessária!