Pretendia ir para os Himalaias, mas um devastador terremoto com milhares de mortos me deixou paralisado. Era um mundo em guerra. Eu me via em busca de segurança, num mundo inseguro, móvel, tinha pesadelos em que era caçado por tropas inimigas. Eu só via destruição e morte por toda parte. Tudo era um horror, tudo era a catástrofe.
Reencontrei Helene Reval no Metro. Eu continuava e mantinha algumas encomendas e continuei desenhando para me ocupar. Eu não podia parar, minha “vida” era aquilo. Era o que eu fazia com felicidade, com facilidade. Continuava morando em hotéis baratos, o que era um conforto para quem era só. Não frequentava a vida noturna, não ia a reuniões, nada. Vivia escondido, recluso. Desenhava no hotel, sobre a cama. Só saía para o almoço, voltava no fim da tarde, me trancava para trabalhar, até tarde. Não tinha amigos, não frequentava ninguém.
Apesar de tudo, era feliz. Às vezes me punha a andar sozinho pelos campos e montanhas fora de Paris, pernoitava em pousadas.
Fugindo do inverno fui para a Denia, na Espanha, onde aluguei um quarto numa casa na montanha em frente ao mar. Era um lugar alto, chamado Predreger. A vista era magnífica. Chegar em Denia era um tanto complicado, mas valeu, de Paris a Alicante e de lá num ônibus para Denia. Descia a pé e voltava de táxi para subir a montanha. Mas valeu. O mundo, lá de cima, era imenso. Eu podia morar ali pelo resto da vida. Todos os dias, caminhava pela estrada, ia até a praia, onde era bom sentir o vento da vida livre. Em casa, desenhava. O desenho, para mim, era um prazer. Cidade pequena, quase não se via ninguém nas ruas. Poucos restaurantes, poucas lojas. Comprei um aparelho de som, discos.
Mas voltei a Paris porque uma freguesa me encomendou um vestido. Eu precisava de dinheiro. Em Paris, num hotel, no apartamento de fundos, térreo, tinha um jardim triste, escuro.
Foi quando reencontrei Helene Reval, no Metrô. Mas ela estava outra, mergulhada em funda, forte depressão.
No fim suicidou-se em sua casa, ingerindo uma overdose de remédio para dormir.
Senti-me culpado.
Eu não esperava aquilo. Como um choque. Foi como se eu a tivesse matado.
Nas férias fui para Bournemouth. Lá aluguei um quarto numa casa que ficava longe de tudo, ao lado de um bosque cuja travessia me apavorava por escura, cheia de lama e onde havia, soltos, cães de caça que eu jurava que me iam caçar. Eram cães dos moradores ingleses das adjacências que pela manhã os soltavam. Eu temia um ataque, eu era a caça.
O dono da casa era um jovem com quem estabeleci logo uma forte relação de amizade.
- Não tenha medo, me disse uma amiga, são cães civilizados... vai ver que nem latem...
Eu não acreditava e, enquanto estava lá, um cão atacou uma senhora inglesa. Quase a matou.