CONCEIÇÃO
Rogel
Samuel
Ele
teve amante chamada Conceição.
Talvez
aquele tenha sido 'nome de guerra' da
bela e sólida jovem, profissional de amor no cabaré Xangri-lá, em Manaus.
Ele
se apaixonou.
Ao
Cabaré chegava de carro com chofer, era rico na época, trazendo presentes.
O
Xangri-lá ficava fora da estrada, num sítio semi-secreto, um baixio no meio da
selva, longe dos olhos das famílias amazonenses, mas conhecidíssimo por todos
os seus filhos jovens da época.
Lá
se tocava música arrastada e decadente, como decadentes e arrastados eram os
boleros da época de Dalva, de Ângela Maria. Falavam de tristeza e de dor de
cotovelo, e um dos que mais tocava dizia: 'Assim... se passaram dez anos...'
Dançava-se
ali, ambiente de respeito.
Tudo
ali era muito limpo, tudo era muito sadio, as moças ficavam muito quietas num
canto, os 'fregueses' sentavam-se em
mesas a sós ou em grupos calmos, pediam uma XPTO, sorriam para as moças, que
correspondiam, discretas.
Um
ou outro se levantava e tirava alguma dama para dançar, ou para a sua mesa.
Os
encontros íntimos, se houvessem, se davam nos fundos do prédio, por onde se
penetrava a partir de uma cortina verde, atravessando um longo corredor
iluminado por luz mortiça vermelha, e lá no fundo para uma galeria de portas.
Tudo
muito cheiroso e limpo, tudo muito cheio de flores de papel crepom.
Mas
para quem chegava, o Xangri-lá era apenas um típico lugar de dança, e muitos
ali iam apenas para dançar, prosear com os amigos e beber uma cerveja.
As
moças, como eram chamadas, eram quase todas do interior.
Jovens,
algumas deviam ter mesmo uns dezesseis anos, ou menos, coisa inadmissível hoje,
mas que na época não causava espanto.
Elas
pareciam felizes.
Algumas
faziam as unhas, outras se distraíam com qualquer coisa, mas mantinham-se
caladas.
Havia um
certo respeito ambiente, ali se encontravam alguns dos mais respeitáveis
senhores da terra, a maioria casados.
Ele
não, era jovem e solteiro.
Foi lá que
conheceu a Conceição e por ela se apaixonou de verdade.
Paixão de
jovem é sempre séria, ele quis casar-se com ela, ninguém deixou, ela mesma não
quis, que continuassem amantes.
Mas ela
continuava a morar ali, e era exclusiva dele, e todo dinheiro e presentes que
ele lhe dava ela mandava para a família guardar. No fim estava de casa nova.
Mas de vez em quando Conceição sumia. Ia
visitar a mãe. Ausentava-se por uns dias.
Voltava cada
vez mais feliz.
Um dia se foi
de vez, e ele nunca mais a viu.
Deixou um
bilhete, em que dizia que háq muito tempo tinha um noivo no interior, que viera
para a Capital apenas para trabalhar, arrumar um dinheiro para casar. Agradecia
a ele tudo que ele fizera por ela, e terminava com um 'Deus te recompense'.
Ele
enlouqueceu, chorou, quis achá-la, mas o Amazonas é enorme...
Dias
depois, soube que ela estava casada.
Passaram-se
cerca de cinqüenta anos.
Semana
passada, vinha ele pelo Amazonas Shopping quando foi abordado por uma senhora
de idade.
-
Lembra-se de mim?
Ele
se espantou, e disse:
-
Não. Não se lembrava.
Ela
então tirou um caderno da bolsa, escreveu um telefone, entregou para ele, e
disse:
-
Eu sou a Conceição... - e desapareceu na multidão de Natal do Shopping.
No
dia seguinte, ele viu que tinha perdido o número. Outra vez.