quarta-feira, 19 de julho de 2017

ABRE A BOCA UM SILÊNCIO ENORME

ABRE A BOCA UM SILÊNCIO ENORME

ROGEL SAMUEL



Pois de Ricardo Reis canta certa ode, digo Pessoa, nos meus ouvidos sempre que penso em morte que me diz: 

Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.

De meu mestre Euryalo Cannabrava certa vez contava, em sala de aula, que, quando algum dilema lhe aparecia ele preparava a sua morte, hipotética morte, ele a previa, com data e hora marcada, para depois de alguns dias se matar, dizia ele, e logo seus problemas se diluíam, nada resiste à morte, à Ela, - a suprema! - que «tão cedo passa tudo quanto passa!» e sem a morte a vida seria uma chatice, repetitiva e cruel.

Nesse sortilégio o nada mortal vai da invenção de palavras, criatura de uma rosa eterna, para além dessas floras efêmeras - eterna porque morre, e morre por ser eterna, neste mundo, - curiosa antítese.

A morte, entretanto, é coisa séria, como o que «contam de Clarice Lispector» de João Cabral:

Um dia, Clarice Lispector 
intercambiava com amigos 
dez mil anedotas de morte, 
e do que tem de sério e circo.
Nisso, chegam outros amigos, 
vindos do último futebol, 
comentando o jogo, recontando-o, 
refazendo-o, de gol a gol.
Quando o futebol esmorece, 
abre a boca um silêncio enorme 
e ouve-se a voz de Clarice: 
Vamos voltar a falar na morte?

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