quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Elpídio Pereira ( Márcio Páscoa )

O VISCONDE DE VILA GIÃO AQUI CITADO ERA MEU TIO AVÔ, O DR. EDGAR FREITAS... O SEU VIOLINO, UM GUARNERIUS, FOI HERDADO POR MEU PAI... MAS SE PERDEU....
Elpídio Pereira ( Márcio Páscoa )
O compositor e violinista Elpídio Pereira veio para o Amazonas numa leva de valores intelectuais maranhenses, que incluía, dentre outros, Eduardo Ribeiro e Raul de Azevedo.
Nascido em Caxias (MA) em 16 de outubro de 1872, Elpídio Pereira tomou seus primeiros estudos musicais com os mestres de banda de sua cidade natal; primeiro Antônio Cariman, depois Antônio Coutinho. Seus pais reconheceram seu talento e interesse e mandaram-no para Lisboa, onde entrou no conservatório com o fito de se preparar para o exame de admissão no Conservatório de Paris. Indo para esta escola francesa, passou a freqüentar a classe de harmonia do professor Taudou, na qualidade de aluno-ouvinte, oportunidade em que conheceu Francisco Braga, que também tornar-se-ia compositor. Neste meio tempo, mantinha aulas particulares de harmonia com Domenico Ferroni, posto que seu objetivo maior era o domínio da composição musical.
Mas, entre 1892 e 1893, uma grave crise brotava no Brasil e atingiu diretamente o pai de Elpídio Pereira que, sem meios de continuar provendo o sustento do filho, chamou-o de volta. Foi neste momento que o compositor veio para o Amazonas pela primeira vez. Teve uma breve estada em Belém, onde permaneceu algum tempo, mas o seu destino era Manaus, posto que sua família tinha aqui membros e amigos.
Em Manaus, Elpídio Pereira encontrou 2 irmãos e o Visconde de Vila Gião, amigo chegado da família, e recebeu um convite de Adelelmo do Nascimento, professor público de música e afamado concertista, para participar de um recital, onde poderia tocar 2 peças. Elpídio Pereira escolheu então uma composição sua, a «Serenade Brasilienne», para a primeira vez em que sua obra seria ouvida no Brasil. Foi visitar a família em Caxias, oportunidade em que deu concertos em Belém, Teresina e São Luís. Na capital maranhense, Elpídio Pereira foi convidado por Joaquim Franco, que ele conhecera em Manaus, a integrar a orquestra da companhia lírica que correria o norte naquela temporada. Após a estação lírica fixou-se por 2 anos em Belém, até que o pai foi trabalhar em Manaus, como agente da Companhia de Navegação Maranhense. De volta a Manaus, Elpídio Pereira trabalhou de início com o pai, e depois quando um incêndio destruiu os bens da família, na Casa Marius & Levy.
Mas esta situação não duraria muito tempo. Com a aposentadoria de Adelelmo do Nascimento das suas funções do Gymnasio Amazonense, Elpídio Pereira foi chamado para ocupar interinamente a vaga, de vez que privava da amizade do chefe de gabinete do Governador Fileto Pires, o escritor e crítico teatral Raul de Azevedo. Foi justamente este amigo quem sugeriu a Elpídio Pereira sua nova ida para a França, desta vez como bolsista do Estado do Amazonas. Neste meio tempo em Manaus, o musicista maranhense já se envolvera com os freqüentes concertos festivos da Catedral. Sua estada em Paris como bolsista do Amazonas durou de 1898 a 1902, tendo retomado seus estudos com Ferroni. Antes de seu retorno a Manaus, deu 2 concertos na Sala Hoche, regendo a Orquestra dos Concerts Lanmoureux, que executava exclusivamente peças suas. No retorno ao Brasil, daria ainda outro concerto em Lisboa.
Chegado a Manaus em maio de 1902 fez vários concertos com obras suas, com orquestra e grupo de câmara, tendo tomado parte o maestro Joaquim Franco, os violinistas Lourival Muniz, Gentil Bittencourt, Armando Lameira, o violoncelista Cesare Vesce e muitos outros, quase todos ligados à Academia Amazonense de Belas Artes.
Elpídio Pereira partiu então para uma turnê a capitais de outros estados brasileiros, dentre eles Rio de Janeiro e São Paulo, divulgando as obras que compusera no gozo da bolsa de estudos que o Amazonas lhe proporcionara. Em 1906, no início da gestão de Antonio Constatino Nery e com a perspectiva de receber novo estipêndio para retornar a seus estudos na França, Elpídio Pereira retornou ao Amazonas e permanceu mais 2 anos em Manaus.
Além de habituais concertos, inclusive na condição de organizador, redigiu as críticas operísticas para o jornal «A Platéa», que com seus 14 números cobriu a temporada lírica de 1907. Utilizava o pseudônimo de Elpis, visto que chegou a se apresentar na Catedral em um concerto com os membros da Companhia Lírica Francesa deste ano, trazida por Joaquim Franco.
Ainda em 1907, no mês de maio, 2 bandas militares e um coro infantil de mil vozes executaram o Hino Escolar do Amazonas, composto pelo maranhense.
Entretanto, mudanças no mando do governo estadual apagaram de vez as expectativas de Elpídio Pereira em receber nova subvenção do Amazonas. Ele ainda permaneceu em Manaus até abril de 1908, retirando-se depois para o Rio de Janeiro. Na capital carioca conseguiu uma bolsa do governo federal e retornou à França em 1913. Em 1921 obteve a nomeação de auxiliar do Consulado do Brasil, em Paris, de onde se aposentou em 1940, retornando definitivamente ao Rio de Janeiro, onde faleceu em 13 de abril de 1961.
Elpídio Pereira deixou uma ópera, chamada «Calabar», sobre o personagem histórico. Segundo sua auto-biografia ele deve ter começado a concebê-la ainda nos anos em que esteve ligado ao Amazonas. Entretanto, tendo terminado de escrevê-la somente nos anos 10, encontrou alguma resistência para montá-la, havendo quem o criticasse por ter escolhido um personagem titular de conduta considerada duvidosa. Elpídio Pereira pode ter escolhido o assunto influenciado pelas correntes políticas libertárias que abundavam no Norte do Brasil, não sendo a sua ópera a primeira escrita na Amazônia sob tais auspícios. De qualquer forma, «Calabar» não conseguiu ser montada e uma execução parcial foi feita em meados dos anos 10.
A obra de maior êxito de Elpídio Pereira foi o balé «Les Pommes du Vosin» montado no teatro parisiense «Gaité Lyrique», com enorme sucesso, chegando a 76 representações consecutivas.

ANTINOUS

ANTINOUS

FERNANDO PESSOA

(Trad. de Cunha e Silva Filho)

LÁ FORA A CHUVA de Adriano a alma engelhava.
Morto jazia o mancebo
Em sua nudez completa, no baixo leito,
Ante os olhos de Adriano, cujo sofrimento algo terrível lhe era.
Do eclipse da morte, sombreada, esparzia-se a luz.
Inerte jazia o mancebo. Lembrava o dia uma noite.
La fora, caía a chuva qual um enfermo apavorado
Com a Natureza que lhe roubava a vida.
De sua memória o legado nada contentava
Pois morta e apagada a alegria do que tinha sido estava.
Ó mãos que outrora abraçado haviam de Adriano as mãos cálidas
Que, agora, pelo friagem, gélidas sentia!
Ó cabelos com fitas vigorosas amarradas antigamente!
Ó olhos de ousadia meio tímida!
Ó corpo nu macho-fêmeo
Que, aos olhos da humanidade, a um deus semelhava!
Ó lábios, cuja vermelha abertura outrora roçar sabiam
Da luxúria os lugares com uma vívida variedade de artifícios!
Ó hábeis dedos das indizíveis coisas!
Ó línguas que, tornadas uma só, o sangue incandesciam!
Ó domínio completo da concupiscência entronizada
Na interrupção líquida da consciência em fúria!
Inexistentes para sempre devem ser agora todas essas coisas.
Silenciosa é a chuva, e o Imperador,
Ao pé do leito, se desespera.. Fúria é sua dor.,
Pois os deuses consigo levam a vida que nos deu
E arruínam a beleza à qual da vida o sopro deram.
Ele chora e sabe que, cada época vindoura,
Além do futuro, o observa.
Num nível universal posiciona seu amor.
Milhares de olhos futuros a miséria pranteiam-lhe.
Morto está Antinous. Morto para sempre,
Para sempre extinto. De todos os amores geral lamentação.
A própria Vênus, que era o amor de Adônis,
Vendo-o, aquele que de novo viveu e, agora, novamente morto está,
Aquele que há pouco existia e, agora, de novo defunto está,
Leva-a do antigo pesar a comungar.
Apolo, agora, triste anda porque o ladrão
De seu alvo corpo para sempre gélido fica.
Naquele ponto do mamilo nenhum beijo cuidadoso
Cobrindo o lugar silencioso das batidas do coração restaura
Para lhe abrir os olhos outra vez e sentir-lhe
A presença nas veias seguras da fortaleza do Amor.
Nenhum calor seu do outro calor exige
Suas mãos, soltas agora, por detrás de sua cabeça,
Naquela postura que tudo concede exceto as mãos,
Sobre o corpo projetado suplicarão mãos.
Cai a chuva e ele jaz como alguém que
Todos os gestos de seu amor esqueceu
E, despertado, continua por seu apaixonado amor esperando
Com a Morte se foram todas as suas habilidades e galanterias.
Não pode este gelo humano calor algum mover.
De um fogo estas cinzas nenhuma chama queimar não podem.
Ó Adriano, o que farás agora de vossa gélida vida?
Que botas deveriam ser senhor dos homens e do poder?
Por sobre o teu império visível sua ausência
Dele a ausência se faz sentida qual um noite.
Não mais existirão manhãs de esperanças e de delícias.
Agora enviuvadas são tuas noites de amor e beijos.
Os dias de esperas noturnas te foram agora roubados.
Teus lábios agora o sentido perderam de tuas alegrias,
A não ser para nomear que a Morte é
Companheira da solidão, da tristeza e do medo.
Tuas mãos indefinidas tateiam, como se tivessem deixado escapar a alegria.
Tua cabeça ergue a fim de ouvires que a chuva acabou,
E dirige ao teu adorável mancebo o teu levantado olhar.
Sobre aquele leito memorial nu, jaz ele.
Descoberto por tua própria mão, ali permanece.
Afeito a saciar teu senso instável, lá estava ele.
Insaciável e saciando mais e importunando-o
Com renovadas insaciabilidades até que sangrassem os sentidos.
Jogos conheciam sua mão e sua boca para restabelecerem
Desejos que tua gasta espinha com dificuldades suportaria.
Às vezes, a ti afigurava que era tudo vazio
De percepção em cada novo esforço de chupada luxúria.
Em seguida, para novos volteios de galanterias convocaria eles
À carne de teus nervos e tu estremecerias
sobre tuas almofadas recaindo com a sensação de teu espírito silente
.”Belo foi meu amor, , melancólico, todavia.
Daquela arte senhor que o amor cativo por inteiro torna,
Por ser lentamente triste entre as paixões da lascívia.
O Nilo, agora, o abandonou, o eterno Nilo
Sob suas madeixas molhadas da Morte a palidez azul
Contra nossos anelos de sorrisos tristes agora guerra trava.”
Até mesmo quando, pelo pensamento, a luxúria, que não é mais
Do que um esquecimento que pelas mãos reacende-lhe,
Desperta-lhe os sentidos a carne viva
E tudo de novo parece o que antes fora.
O corpo inerte no leito recompõe-se, vive
E vem para junto dele, cada vez mais junto e
Em movimentos uma invisível mão com gestos amorosos
Direcionados a todas as aberturas do corpo, a concupiscência estimulando,
Sussurra carícias rápidas que, no entanto, apenas
Demoram o bastante para sangrar de seu derradeiro vigor as fibras.
Ó doces e cruéis fugitivos paritas!
Destarte, meio que se levanta com os olhos no amante postos,
O qual, agora, nada amar pode senão o que ninguém conhece.
Vagamente, meio enxergando o que na verdade observa,
Percorre com os lábios frios o corpo inteiro.
E, assim, sem se importar com a gelidez, são os lábios que, olha!,
Na frieza do corpo imóvel mal sente ele a presença da morte,
No entanto, parece que ambos mortos ou vivos estão
Pois é o amor ainda a presença e o alento,
Enfim, na indolência gélida dos lábios do outro se cansam seus lábios.
Ah, ali a respiração pesada faz-lhe recordar os lábios
Que, independente dos deuses, uma neblina dissipou,.
Entre ele e o mancebo. As pontas dos dedos
Ainda indolentemente examinando-lhe o corpo, aguardam
Alguma reação da carne a seu estímulo para despertar.
Porém, a pergunta deles sobre o amor entendida não é:
Morto é o deus cujo culto devesse ser beijado!
As mão se levanta para o lugar onde o céu deveria estar
E grita para que mudos os deuses sua dor ouçam
Que que vossas mansas faces à sua súplica atendam,
Ó forças decisórias! De seu reino ele abdicará.
Ressequido viverá nos calmos desertos.
Nos distantes e selvagens caminhos um mendigo ou escravo será,
Porém, devolvei aos seus braços novamente o caloroso mancebo!
Se o privardes dessa oportunidade, estareis sua morte decretando!
Retirai da terra toda a feminina delicadeza
E num túmulo ainda restará algum vestígio!
Porém, pelo suave e valioso Ganimedes, Júpiter
Substituiu Hebe por ele e decidiu encher
Sua taça em grande festejo, instilando
O amor mais propício que a falta do outro.
Dos abraços femininos dissolve-se a terra
Em pó. Ó pai dos deuses, poupai, contudo,
Este mancebo, seu alvo corpo e seus áureos cabelos!
Talvez se fosse por vosso grandioso Ganimedes
Vós o farias, mas só por razões de ciúmes
Dos braços de Adriano a sua beleza para ti arrebatastes.
Um gatinho ele era fazendo o jogo da volúpia,
Sem ninguém, ou com Adriano, às vezes, só.
E às vezes ambos, ora unidos, ora afastados.
Ora sem sensualidade, ora prolongando-a em altas doses;
Ora com os olhos nela não tão abertos, no entanto, de esguelha
Saltando em volta em meia expectativa libidinosa;
Ora levemente reprimindo-a, em seguida, em incontida fúria,
Ora brincando só por brincar, ora com vontade, ora deitando-se
Junto dele, olhando-o, ora espreitando
Qual maneira de segurá-lo em seu justo controle de libidinagem.
Assim passavam as horas nos gestos das entrelaçadas mãos
E com seus membros unidos as horas voam.
Ora folhas mortais seus braços eram., ora fitas de ferro;
Ora eram seus lábios xícaras, ora as coisas que sorvem;
Ora seus olhos ficavam muito unidos; ora eram apenas olhares;
Ora em ação se achavam em descontínuos delírios;
Ora eram suas destrezas uma pluma, ora finalmente um chicote.
Uma religião se lhes tornara o amor.
Oferecida aos deuses que aos homens surgem.
Por vezes, adornava-se ou se deixava vestir
Parcialmente, depois, em e nudez de estátuas,
Imitavam, na realidade, algum deus que semelhava ser,
Em virtude da qualidade apurada do mármore, novamente homens.
Ora era Vênus, branca dos mares surgindo;
Ora era Apolo, jovem e louro;
Ora era Júpiter sentado, saciado ele em julgamento simulado diante da
Presença de seu amante a seus pés.;
Ora era ele um rito representado por alguém vigiado
Em mistérios sempre renovados.
É ele agora alguma coisa que qualquer um pode ser.
Ó inflexível negação da coisa que existe!
Ó amorosidade qual a lua de áureos cabelos!
Em demasia frios! Excessivamente frios! e o amor como ele tão frio!
Vagueia sim o amor através da memória de seu amor,
Como num labirinto, em triste júbilo da loucura.
Muito frio! Demasiadamente frio! e o amor tão frio como ele!
Vagueia sim através da memória de seu amor,
Qual num labirinto, em triste júbilo da loucura,
Que ora lhe invoca o nome e lhe pede que venha,
E ora sorria para a sua vinda representada,
Que é o coração como rostos vespertinos –
Puras sombras brilhantes das originais formas.
De volta veio a chuva qual uma indefinida dor
E no ar pôs a sensação líquida.
De súbito, o Imperador supôs que,
Bem distante, avistava esta sala e tudo ao seu redor.
Viu, então, o leito, o mancebo e a sua própria imagem
Lançada contra o leito e ele para si mesmo se tornou
Uma presença mais evidente, dizendo
Estas não proferidas palavras, exceto para a angústia de sua alma:
“ Para vós uma estátua edificarei, que servirá como
Prova, aos tempos futuros,
De meu amor, da vossa beleza e da percepção
Da divindade que a beleza propicia,
Posto que a morte, com sutis mãos reveladoras, destrói
da vida o aparato e de nosso amor o império.
Entretanto, sua estátua nua, à qual realmente vós dais vida,
A posteridade, contra a sua vontade ou não,
Sem dúvida, há de herdar, como uma dádiva de um deus constrangido.
“Sim, uma estatua vossa hei de erigir e marcar
Sobre o pináculo de vosso ser,
Por seu sutil e obscuro crime, aquele Tempo
Que receará destruir-te a vida, ou desgastar-se
Com a ferocidade da guerra e da inveja da massa e da pedra.
Não pode ser isso o Destino! Os próprios deuses, que fazem
Alterar as coisas, se transformam, a própria mão
Do Destino que por força suplanta
Os deuses propriamente ditos com a escuridão, recuará
Em arruinar desta forma vossa estátua e minha dádiva.
“Esta imagem de nosso amor os tempos cimentará.
Surgirá ele límpido do passado e será
Eterno que nem uma vitória romana.
Em cada coração se enfurecerá o futuro
Por não ter sido contemporâneo de nosso amor.
“No entanto, oh, se tudo sucedesse diversamente
Seríeis a vermelha flor minha vida perfumando.
Sobre as fontes das minhas delícias as grinaldas,
Da minh’alma a viva chama dos altares!
Fosse tudo isso algo de que agora pudésseis
Sorrir por sob as pálpebras da morte zombeteiras.
Imaginar que eu pudesse assim um prélio travar
Entre mim e os deuses em favor do brilho de vossa perdida presença;
Nada disso houve, salvo o vazio do meu ser
E vosso sorriso despertando meio consolando
O que proíbe a dor de com a esperança sonhar .”
Destarte, encaminhava-se ele qual um amante em espera,
Com esta tênue dúvida, de lugar para lugar.
Sua esperança, ora era uma grande intenção condenando-lhe
O desejo do ser, ora sentia ele que cego estava
De certo modo à percepção de seu indefinido desejo.
Não sabemos o que sentimos quando o amor a morte encontra.
Não sabemos o que r quando o amor a morte frustra.
Ora da esperança duvidava ele, ora sua esperança duvidava;
Ora o que seu desejo sonhava, a razão do sonho na realidade dele escarnecia.
E congelava a avivam um exasperado vazio.
Por outro lado, avivam os deuses do amor o escuro brilho.
“Vossa morte uma sensualidade mais elevada me concedeu -
Uma fulminante licenciosidade para a eternidade vociferando.
No meu destino imperial minha confiança deposito
A fim de que os altos deuses, que imperador me fizeram,
De mais autêntica uma vida não me negarão
O desejo de que vós devíeis viver para sempre e permanecerdes
Uma fresca presença no mundo deles melhor,
Mais encantadora e no entanto não mais sedutora,
Coisas impossíveis não há que destruam nossos desejos,
Nem nossos corações aflijam com mudança, tempo e luta.
“Amor, amor, amor meu! Sois um deus completo.
Este pensamento meu que, creio eu, seja um desejo,
Não o é , mas uma visão a mim concedida
Pelos grandes deuses, os quais amam de verdade e podem dar
Aos corações mortais, sob a forma de desejos –
De desejos contendo limites ocultos –
Das coisas genuínas uma visão além de
Nossa vida emparedada, de nossa percepção aos sentidos presa.
Sim, o que vos desejo que sejais já o sois.
Agora. Já n solo Olímpico.
Caminhais e sois perfeito, sois, todavia, o que sois,
Porquanto de nada mais necessitais para vos assumirdes
Perfeito, de vez que a perfeição sois.
“Canta meu coração qual um pássaro matinal
Nos deuses chega até mim uma grande esperança
E a meu coração pede que animado seja pelo mais sutil sentimento
E que maldade estranha alguma vos atinja
Pois pensar assim de vós mortal seria.
“Meu amor, meu amor, meu deus-amor! Deixai-me beijar
Vosso frígidos lábios ferventes, imortais agora,
Saudando-vos ante a ventura do portal da Morte.
“Não houvesse ainda nenhum Olimpo para vós, meu amor
Dar-vos-ia um , no qual o único deus poderia domínio ter
E eu vosso único adorador alegremente seria.
Vosso exclusivo adorador por toda eternidade.
Que um divino universo suficiente fosse
Para o amor e para mim e o que para mim sois.
Ter-vos é algo feito da matéria dos deuses.
“Esta, contudo, é a verdade, e a minha própria arte: o deus
Que agora sois corpo é por mim criado.
Porque, se agora sois da carne realidade
Além da qual os homens envelhecem e a noite ainda desce,
É graças ao meu grandioso poder de criar o amor que vós deveis
Essa vida que infundistes em vossa memória
E a tornastes carnal. Não tivesse meu amor
Possuído um império feito de minha poderosa vontade legionária,
Não teríeis sido enviado à companhia dos deuses.
“Descobriu-vos meu amor no momento em que vos
Acháveis apenas no vosso próprio corpo e natural aparência.
Portanto, quando agora invoco vossa lembrança, Eu apenas ascendo
Ao topo da altaneira coluna da morte na forma que assumiu
E a ponho lá como uma visão de todos os amores.
“Ó amor, meu amado, com a minha firme amorosa vontade, juntai-vos
Ao Olimpo, e lá sede o último dos deuses, cujos cabelos da cor de mel
Revelem divinos olhos! Assim como fostes na terra, ainda
No céu vos mostrais em forma física e vos movimentais,
Daquela felicidade do lar, um prisioneiro
Junto aos deuses mais antigos, enquanto eu na terra farei, sim,
Uma estátua em louvor à vossa viva imortalidade.
Entretanto, vossa verdadeira estátua viva hei de construir.
Não será de pedra somente, porém daquela mesma tristeza
Ditada pela vontade do eterno amor.
Sois um lado dela, consoante vos veem os deuses
Agora, e o outro, aqui, fala da memória vossa.
O deus daqueles homens meu lamento tornar-se-á e porão
No parapeito vossa nua memória
A qual dá para os mares dos tempos pósteros.
Dirão alguns que todo nosso amor não foi senão nossos crimes;
Outros afiarão contra nosso nomes os punhais
De seu ódios feliz contra a beleza da beleza e farão
Com que nossos nomes uma base de apoio sejam com a qual apaguem
Com desprezo total os nomes de todos os nossos irmãos.
Contudo, nossa presença, como eterna Manhã,
Haverá sempre de retornar à hora da Beleza e cintilar
Do Leste do Amor, como luz em relicários engastando
Novos futuros deuses, com o fim de adornar o mundo carente.
“Tudo que agora sois somos eu e vós.
Contém sua unidade nossa dual presença
Naquela perfeição do corpo em que meu amor,
Por vos amar, se tornou e na verdade da vida
Fez-se deusa, em paz superior à luta
Dos tempos, e das muito superiores cambiantes paixões.
“Dado que, porém, os homens veem mais com os olhos do que com a alma,
Imóvel eu, na condição de pedra, confessarei esta grande dor;
Imóvel, desejosa de que anseiem os homens por vossa presença,
Este pesar conduzirei até ao mármore
Que, em meu coração, se incrusta qual uma estrela especial.
Destarte, mesmo na pedra, nosso amor
Há de tão grandioso permanecer
Em vossa nossa, como, destino dos deuses,
De nosso amor encarnado e desencarnado a essência,
O qual, à semelhança de uma trombeta pelos mares ressoando
E atravessando de continente a continente
Sua alegre tristeza, com o sabor da morte nosso amor há de exclamar
Por sobre infinidades e eternidades.
“E aqui, memória ou estátua, continuaremos,
Ainda unidos, de mãos dadas, sempre.
Simplesmente por sentir, não sentimos a mão um do outro.
Ainda me compreenderão os homens quando perceberem o vosso sentimento.
Poderiam todos os deuses passar pela enorme rotação dos
Tempos terrestres. Se, a não ser por vossa causa, e sendo vós um deles, foi
Que vós havíeis acompanhado a partida daqueles deuses.
Ainda assim, retornariam eles, porquanto, para despertarem, dormido haviam.
“Então, no fim dos dias, logo que Júpiter renascesse
E Ganimedes outra vez início desse a seus dias festivos,
Veria nossa dual alma da morte libertada
E re nascida para a alacridade, o medo, a dor –
Ou seja, tudo que no amor se encerra;
A vida – toda a beleza que realmente em lascívia se torna .
Do lídimo amor propriamente dito do amor com o encanto surpreso;
E, se nossa própria memória por inteiro se apagasse,
Mercê da raça de alguns deuses do final dos tempos, ressuscitar
Deveria nossa dual unidade.”
Prossegue a chuva. Todavia, noites ocm passos lentos caíam,
Fechando as pálpebras de cada sentido cansadas,
A consciência própria de si mesmo e da alma
Aumentou, tal qual uma paisagem em que pouco chovia, pouco mesmo.
Imóvel se encontrava o Imperador, tão imóvel que, agora,
Com que meio olvidara onde a gora estava, ou
De onde vinha aquele lamento que era ainda sal para seus lábios.
Fora tudo algo muito distante, um pergaminho
Fechou-se. Aquilo que sentia era igual a um círculo
Que a lua aureola assim que chora a noite.
Curvada estava sua cabeça sobre os braços, e eles, deitados,
Sobre o baixo leito repousavam, aos seus sentidos alheios.
Seus olhos cerrados se lhe figuravam abertos e vendo
O chão vazio, escuro, frio, triste e sem sentido.
Seu arfar doente era tudo o que sua percepção saber podia.
Da escuridão que descia o vento levantou-se
E caiu.Nos pátios inferiores uma voz sumiu;
O Imperador dormia.
Os deuses, agora, surgiram
E consigo alguma coisa levaram - não há como saber o que fosse –
Nos invisíveis braços do poder e do descanso.
(Trad. de Cunha e Silva Filho)

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

MANAUS

Sete dias serão, Manaus, ó sete amadas


Rogel Samuel


Sete dias serão, Manaus, ó sete amadas,
Por que se integre à terra este cantor.
Ó monstruosas noites desamparadas
De mim se aparte a porta dessa dor.
O espelho dágua ostenta a aranha alada
Que me arrasta o interno aeroplano,
Tresloucada vespa, cristalizada
Inoculando o inferno do engano.
Mas chega de canção, Amor, que neste canto
As finas rimas dessa ladainha
Escondem teus morenos ombros de arpejos.
Ó franca zona! Do Teatro o manto!
Por sete dias tua canção é minha
Na invenção literária dos teus beijos.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

MANAUS: A DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO

MANAUS: A DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO - Rogel Samuel
Em 1876 corria um rio de concentrada riqueza às margens daquele rio Negro, sobre o qual se debruça a cidade de Manaus, a minha cidade natal. A extração amazonense dobrava, a cada década. De 1821 a 1830 eram 329 toneladas de borracha. Na década seguinte dá-se a expansão: 2.314 toneladas. De 1841 a 1850, 4.693 toneladas. O grande desenvolvimento foi de 1851 a 1860: 19.383 toneladas. De 1871 a 1880, 60.225 toneladas. Depois chegou a 110.048 toneladas! A cotação da borracha amazonense subia diariamente na Bolsa de Londres. Aumentava a produção dos pneumáticos. O Amazonas, único produtor de látex do mundo. Manaus rica, copiava Paris. Comerciantes enriqueciam da noite para o dia. Ostentava o Teatro Amazonas os seus espelhos de cristal. Os milionários jogavam cartas com anelados dedos pesados de diamantes, arriscando fortunas no Hotel Cassina, no Alcazar, no Éden, no Cassino Julieta. Telhas de Marselha ao luar na Rua dos Remédios, na Rua da Glória. Arquitetura art-nouveau do palácio de Ernest Scholtz - depois Palácio Rio Negro, sede do Governo. Arandelas, bandeiras, implúvio. Intercolúnio. O cunhal, o lambrequim, a voluta, o capitel, a cornija. Arquitrave. Barrete de clérigo, adufa, muxarabi, água-furtada, muiraquitã, envasadura, atleta, estípite. O enxalso, o frontão de canela. Galilé. Pequena Manaus, grande Paris! Lojas, magazines, charutarias, livrarias, alfaiatarias, ourivesarias. Bissoc. Pâtisserie. Du sucre, des fruits, de la crème. A la ville de Paris, Au bon marché, Quartier du temple, Damas do Gabinete Villeroy, Casa Louvre, Livraria Palais Royal (na rua Municipal, n0 85, com as novidades literárias de Paris), a Livraria Universal, Agência Freitas, a Casa Sorbonne (dentro do Grande Hotel), a Confeitaria Bijou, a Padaria Progresso. Faroletes de pedra de morona e de puraquequara. A bela Villa Fany, luxuosíssima. O Cais dos Barés, a Biblioteca Provincial (que incendiou fraudulentamente, para destruir os Arquivos Públicos, nos fundos). O prédio dos Educandos Artífices que deu nome ao bairro. The Amazon Steamship Navigation Co. A Alfândega é um prédio importado, peça por peça, da Inglaterra, montado aqui. Outro edifício, projeto do próprio Gustavo Eiffel, de ferro: o Mercado Municipal. Um Serviço Telefônico serve a cidade. A eletricidade ilumina as ruas de Manaus no início do Século, talvez das primeiras cidades brasileiras a ter este serviço. Calçadas da Praça São Sebastião, em pedras portuguesas pretas e brancas, em ondas que alegorizavam o “encontro das águas” do Negro e Solimões (posteriormente imitadas na praia de Copacabana). Bondes elétricos da Manaus-traways. Consome-se Veuve Clicquot, truffes, champignon. Huntley & Palmers, Cross & Blackwell. A Cork, a Pilsen, o Bordeaux, o fiambre, o Queijo da Serra da Estrella. Lagostas, a Goiabada Christalizada. Charteuse, Anizette. Champagne Duc de Reims. O Vermouth. Água de Vichy. Leite dos Alpes Suíços. Casacas inglesas, o H. J., o pongê, o filó. Bengalas de castão de ouro. Cartolas, luvas, perfumes franceses, lenços de seda. Pistolas de prata e cabo de marfim. Gramophones de Victor. Discos duplos de Caruso. Casas aviadoras. O Amazonas participa da Exposição Comercial de St. Louis, no Missouri, e posteriormente da Exposição Universal de Bruxelas, onde ganha 32 medalhas de ouro, 39 de prata, 70 de bronze, 6 Diplomas de Honra e os 13 Grandes Prêmios. Manaus-Harbour. Tabuleiro de Xadrez. Óperas, óperas, óperas. Diariamente. Prostitutas importadas. A Cervejaria Miranda Correia.
A Praça da Saudade. O Roadway, o Trapiche. Sífilis. Malária. Vidros de Quinino Labarraque. Óleo de Fígado de Bacalhau. Vinho Silva Araújo. Regulador da Madre. Pílulas Rosadas. Café Beirão. Winchesters cabo encerado de mogno. O Asilo de Mendicidade (construído pelo Comendador). A Ponte da Imperatriz, Igarapé da Cachoeira Grande. A Serraria, no Igarapé do Espírito Santo. Banhos no Igarapé das Sete Cacimbas. Buritizal. Jogos, no Parque Amazonense. Ida a Barcelos. Noite no Jirau. Muro do Leprosário do Aleixo. No recanto - o Chalé. Vista da Bomba d’Água. Viagens. Linhas. Manaus-Belém, Manaus-Santa Isabel, Manaus-Iquitos, Manaus-Marari, Manaus-Santo Antônio do Madeira, Manaus-Belém-Baião. Gonçalves Dias no Hotel Cassina. Coelho Neto no palacete da rua Epaminondas. Euclides da Cunha no chalé da Villa Municipal. Os jornais: Amazonas Comercial, O Imparcial, O Rio Negro, Jornal do Comércio. 126 navios trafegam no interior do Amazonas. Vaticanos, gaiolas e chatas. Inaugura-se, às custas de 3,3 milhões de dólares, o Teatro Amazonas, em 1896 - a mais cara e inútil obra faraônica da História do Brasil, milionária e importada, com painéis, centenas de lustres de cristal venezianos, colunas de mármore de várias cores, estátuas de bronze assinadas por grandes mestres, espelhos de cristal, jarrões de porcelana da altura de um homem, tapetes persas - tudo o que, aliás, em 1912 desapareceu, esvaziando-se o Teatro para transformá-lo num depósito de borracha de uma firma americana. Ali o erário público foi enterrado em 10 mil contos de réis: o Teatro Amazonas custou o preço de 5 mil casas luxuosas. O dólar a 3 mil réis. Por 900 contos de réis se constrói o Palácio da Justiça. E por 1 mil e seiscentos contos de réis se constrói o Palácio do Governo, nunca concluído. O Teatro custou 10 mil vidas. Sim: Em 1919 para o Amazonas já tinham chegado 150 mil emigrantes. A borracha naqueles anos foi tão importante quanto o café. O Amazonas exportou 200 mil contos de réis em borracha, contra 300 mil contos do café paulista na mesma época. Em 1908 é fundada a mais antiga universidade do Brasil, em Manaus, com cursos de Direito (o único que sobreviveu), Engenharia, Obstetrícia, Odontologia, Farmácia, Agronomia, Ciências e Letras. Nessa época 12 milhões de francos franceses sumiram, roubados no Governo de Constantino Nery. Encampa-se, fraudulenta e inutilmente, a Manaos Improvements, por 10.500 contos de réis - o preço do Teatro Amazonas. A história de Manaus é um acúmulo de loucuras. O seu signo é o Teatro Amazonas. É difícil compreender a imagem que se tem da Amazônia e de Manaus, esta cidade colocada no meio das selvas que tem como símbolo um grande teatro. Geralmente as cidades tem um símbolo cultural. Nova Iorque é a Estátua da Liberdade, Paris é a Torre Eiffel, o Rio de Janeiro é o Pão de Açúcar. Manaus é o Teatro Amazonas. A essência dominante de Manaus é o Teatro Amazonas, como signo do lazer de uma riqueza teatral, de um luxo de opereta, pelo poder de uma classe dominante enlouquecida pelo ouro negro, ouro de uma inutilidade desvairada.