segunda-feira, 21 de outubro de 2019

O POETA AMAZÔNICO


UM SÉCULO DO POETA AMAZÔNICO  

ROGEL SAMUEL

Ninguém comemorou? Pois Humberto de Campos eclodiu para a notoriedade com um livro de poesia chamado “Poeira” em 1911 no Pará.
Em 1903 ele se muda para o Pará, empregado de escritório, depois vai para um seringal, onde trabalha.
Segundo Múcio Leão ele “vive longos anos em excursões no Purus, no Madeira e no Juruá. Viaja pelo Ceará, pelo Piauí e pelo Maranhão. Em 1908, dirige, no Baixo Amazonas, a exploração dos seringais. Tem, então, um contato direto e diário com a vida dos homens mais infelizes que existem no Brasil. Vê os seringueiros explorados, humilhados, assassinados, trucidados”.
Este período da vida de H. de C. é um mistério, o próprio escritor nada conta em suas duas memórias e no “Diário secreto”. Não que eu me lembre.
Quando “Poeira” é publicado, o sucesso é estrondoso.
Diz o citado Múcio Leão, seu sucessor na Academia:
Seus primeiros versos despertam um entusiasmo grande no Rio e em todo o Brasil. ...a faculdade de transformar em musicais sonetos os aspectos da existência ou do cenário do Amazonas. Celebrava os descobridores duros que se foram perder nas regiões aspérrimas do Brasil, e, sobretudo no Solimões, no Madeira, no rio Negro... Celebrava Pedro Teixeira, o primeiro civilizado que subiu o Amazonas, e o Padre Luís Figueira, que levou a cruz aos índios, nas regiões remotas do rio-mar. Celebrava a mansidão dos jesuítas e a tristeza fatalista dos seringueiros”.
“A Amazônia deu-lhe motivos imensos. Ele cantou o irapuru, evocou as visões dementes de Orellana, memorou a tribo desfeita dos Aturés. E assim cantou, também, Manôa, Diego Ordaz, Lopo de Aguirre, Afonso de Herrera, todos os violadores do Eldorado...
Como um resumo dessa tendência de sua poesia, quero citar-vos o soneto A Amazônia:
Este é o palácio da Mãe d’Água... O dia
Não corusca de sol como corusca
Seu mais frágil portal, que espanta e ofusca
De encantados metais e pedraria.
Ai, entretanto, de quem corre e o busca!
Ai de quem, ao transpor-lhe a frontaria,
Tomba lá dentro com volúpia brusca,
Arrebatado pela verde orgia!
Mães e noivas do Sul, ao noivo e ao filho,
Se andam no Euxino, entre marnéis e escolhos,
Dizei que fujam de frontais em brilho.
Lá vive a Iara, a náiade-cetáceo...
E desgraçado de quem põe os olhos
Nos traidores portais desse palácio!
Para se ter uma idéia do seu sucesso, cito o mesmo Múcio Leão: “Publicado, em 1911, o seu primeiro livro de versos, obteve Humberto de Campos a celebridade repentina. Carlos de Laet saudou-o, num dos artigos do Microcosmo, de O País, como a um próximo candidato à Academia. “Mais alguns anos (dizia Laet) e teremos o Humberto na Academia, coroado de louros, com um discurso por cima”. O Sr. Afonso Celso, Medeiros e Albuquerque cobrem de rosas a musa adolescente. E lá fora o entusiasmo é o mesmo. Guerra Junqueira brada, deslumbrado, que se aquilo é Poeira... certamente é poeira de astros... Fialho de Almeida exalta o novo cantor, achando-o “perfeito como um grego, flexuoso e sensual como um verdadeiro americano”. Em Paris, Tomaz Lopes, indo visitar Edouard Schuré, perguntou ao sábio se conhecia algum autor brasileiro. Schuré levantou-se, caminhou até à estante, tomou de um livro e o mostrou ao visitante curioso. Era o livro de Humberto de Campos!”
Quem se der ao luxo de ler suas “Poesias completas” vai encontrar inúmeros poemas de temática amazônica, e partes do livro como “Poemas amazônicos”, “Vitória-régia”, poemas como “O irapuru”, “O seringueiro”, “A morte de um seringueiro” etc.
Como era H. de C. poeta? Ainda que sua poesia não ombreasse com a de Bilac (seu ídolo), era um bom poeta parnasiano. E escreveu algumas obras-primas, como esta “Miritiba”, cidade onde nasceu, que hoje tem o seu nome:
É o que me lembra: uma soturna vila
olhando um rio sem vapor nem ponte;
Na água salobra, a canoada em fila...
Grandes redes ao sol, mangais defronte...
De um lado e de outro, fecha-se o horizonte...
Duas ruas somente... a água tranqüila...
Botos no prea-mar... A igreja... A fonte
E as grandes dunas claras onde o sol cintila.
Eu, com seis anos, não reflito, ou penso.
Põem-me no barco mais veleiro, e, a bordo,
Minha mãe, pela noite, agita um lenço...
Ao vir do sol, a água do mar se alteia.
Range o mastro... Depois... só me recordo
Deste doido lutar por terra alheia!

Humberto foi um dos maiores homens de letras do país. Incontestávelmente, nunca será esquecido.

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