quinta-feira, 13 de agosto de 2015

FIM DE TARDE (ROGEL SAMUEL)

FIM DE TARDE (ROGEL SAMUEL)


Fim de tarde. Leves passos me levam pelo calçamento da rua Gonçalves Dias. Passos lentos, na imaginação dos versos: «Se se morre de amor! — Não, não se morre, Quando é fascinação que nos surpreende De ruidoso sarau entre os festejos».

Amor! delírio — engano... Sobre a terra
Amor também fruí; a vida inteira
Concentrei num só ponto — amá-la, e sempre.
Amei! — dedicação, ternura, extremos
Cismou meu coração, cismou minha alma,

Amor! enlevo d'alma, arroubo, encanto
Desta existência mísera, onde existes?
Fino sentir ou mágico transporte,
(O quer que seja que nos leva a extremos,
Aos quais não basta a natureza humana;)
Simpática atração d'almas sinceras
Que unidas pelo amor, no amor se apuram,
Por quem suspiro, serás nome apenas?

Um homem me passa um adesivo eleitoral que o ponho no peito, meu candidato. Deve perder. A militância de braços cruzados. Fico imaginando se, alguma vez, Gonçalves Dias passou por aqui, pela Rua Gonçalves Dias. Gênio, publica «A canção do exílio», com vinte anos – único poema que entrou no Hino Nacional Brasileiro, suprema glória. Foi professor em Niterói. Olho as casas. Que segredos escondem elas? Que histórias nos poderiam revelar?
Gonçalves Dias foi amante fracassado. Viajou pelo Amazonas, pelo Madeira e pelo Negro. Podia ter lá encontrado cabocla risonha, como são, mas fixou-se em Ana Amélia, de 14 anos, recusada por ser ele mestiço. E bastardo.
O mesmo aconteceu com Dona Clarisse Indio do Brasil. Que se apaixonou por um mestiço, o Almirante Indio do Brasil. Ela era uma Condessa Laje, como escreveu sua neta, a escritora Clarisse de Oliveira: «Clarisse Lage nasceu em 4 de abril, talvez no ano de l869. Casou-se contra a vontade da família com Arthur Índio Do Brazil e Silva, em 23 de Janeiro de l893».  Arthur foi Chefe de Segurança no Pará, Presidente do Conselho de Intendência de Belém, Deputado Constituinte Federal, Almirante e Senador, e em 23 de dezembro  de 1925, feito Marquês pelo Papa. 
D. Clarisse teve morte trágica. Quando se rompeu seu colar de  pérolas e, recolhidas, nenhuma faltava, ela disse: "Nem mais um dia de vida - a morte está próxima".
Foi morta por um viciado em cocaína e alcoólatra, no dia 6 de outubro, às l8:30 horas,  no centro da cidade, esquina da Rua do Ouvidor com a Ourives.
Talvez fosse um crime político, de um louco terrorista da época: Ela era rica e aristocrática, e o assassino tinha passado pela Escola militar, reduto republicano. O Senador tinha um escritório na Rua da Alfandega, 94. Clarisse costumava buscar o marido no trabalho todas as tardes.  Quando o "Landaulet" estacionou, ouviu-se um tiro, e apareceu o "toillett" azul da senhora Indio do Brazil. Ela estava com a mão esquerda sobre o peito e a direita agarrada ao  trinco da portinhola.
Morreu dias depois. Nas suas últimas palavras, pede perdão ao assassino. Diz ao  marido:  "Perdoa, Coração!" E morre.
Antes de morrer, Gonçalves Dias encontra Ana Amélia, que passa por uma rua, já casada. Escreve: «Enfim te vejo! — enfim posso, Curvado a teus pés, dizer-te, Que não cessei de querer-te, Pesar de quanto sofri.» Mas ela finge não vê-lo, não o conhece: «Mas que tens? Não me conheces? De mim afastas teu rosto? Olha-me bem, que sou eu! Nenhuma voz me diriges!... Que me enganei, ora o vejo; Nadam-te os olhos em pranto, Arfa-te o peito, e no entanto Nem me podes encarar; És doutro agora, e pr’a sempre! Eu a mísero desterro Volto, Adeus qu’eu parto, senhora; Negou-me o fado inimigo Passar a vida contigo, Ter sepultura entre os meus; Negou-me nesta hora extrema, Por extrema despedida, Ouvir-te a voz comovida Soluçar um breve Adeus!»


Sou atraído pelos sons de estranha música. Vêm da Confeitaria Colombo. Entro. Olho deslumbrado para dentro dos grandes espelhos, maiores agora na escuridão da noite. Dentro dos espelhos, os mortos aparecem de sobrecasaca.


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