quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

O quarteto

O quarteto



O quarteto

Rogel Samuel

Eles conversavam e tocavam pela noite a dentro naquela casa, em Manaus, que reunia três a quatro senhores para tocar. Um era meu pai, um comerciante francês, outro um padre velho alemão, um terceiro era um músico manauara, pai do poeta Luiz Bacellar, e mais outro de que não me lembro. Tocavam para si mesmos, não para um público. O francês no piano ou no violino, o alemão com o violino, o amazonense na viola. Não me lembro se alguém tocava violoncelo. Tocavam trios ou quartetos de Beethoven. Tocavam bem. Como o teto da casa velha era muito alto, a acústica da sala era muito boa. A casa velha tinha um teto muito alto, e uns desenhos inscritos, umas pinturas onde a sonoridade das arcadas se infiltravam. A sala era muito boa. Eles conversavam e tocavam Beethoven pela noite a dentro. Em plena selva amazônica, tocavam Beethoven. Ensaiavam juntos, argumentavam, e às vezes punham algum disco da RCA VICTOR para comparar alguma passagem difícil. Beethoven era ouvido ali, e talvez algum
desconhecido que passasse pela rua àquela hora se perguntasse o que eram aqueles sublimes sons na cidade de Manaus da década de 40.

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